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15 de dezembro de 2000

Vaca louca: consequências para o Brasil

Fernando Mesquita Sampaio1

A vaca continua louca por aqui. A crise agora está atingindo o setor de forma generalizada em toda a Europa. Esta nova onda da crise é conseqüência da descoberta de novos casos de BSE na Alemanha e na Espanha, dois países que se diziam indenes.

Duas semanas atrás, dois casos de vaca louca foram anunciados na região espanhola da Galícia. No começo de novembro, o jornal ´´El Pais´´, um dos jornais de maior influência na Espanha havia tornado público um documento feito por técnicos da comissão européia, que em missão na Espanha detectaram imperfeições no sistema espanhol de controle da BSE. A missão verificou também que animais com sintomas compatíveis com a doença, como paralisías e dificuldade de movimento não eram declarados suspeitos, e foram sacrificados sem que amostras fossem retiradas para análise.

Na semana passada foi a vez da Alemanha. Primeiro constatou-se que uma vaca louca descoberta no arquipélago português dos Açores era nascida na Alemanha, e que depois foi exportada à Portugal. Em seguida uma outra vaca contaminada foi encontrada na região de Holstein, no norte da Alemanha. A revista ´´Der Spiegel´´ lança uma matéria de capa com 13 páginas sobre o assunto. Inclui também uma entrevista com Friedrich-Wilhelm Graefe, líder dos agricultores alemães no Parlamento europeu, que declara ser ´´pura hipocrisia alemã´´ acreditar que eles seriam indenes de BSE. O jornal sensacionalista alemão Bild põe na capa a foto da primeira dama alemã Doris Schröeder-Köpf, perguntando-se: ´´O que eu posso dar de comer à minha família?´´. Dentro, uma foto de Karl-Heinz Funke, ministro da Agricultura alemão, que até pouco tempo atrás negava categoricamente a presença de BSE em território alemão com a pergunta: “O Sr. ainda dorme à noite Herr Funke?´´. O tablóide lista ainda uma série de produtos que poderiam apresentar algum risco, incluindo pet food, papinha de bebê, laticínios, balas e pílulas com gelatina em sua composição, sem no entanto nenhuma prova científica.
O consumo continua em queda livre e formas de assegurar ao consumidor a sanidade da carne estão em discussão em Bruxelas.

A situação atual

Previsão Eurostat de produção bovina na Europa para o ano 2000
(feita antes da crise)

Tabela 1

Exportações francesas em 1999 de carne e de animais vivos

Tabela 2

Como se vê, a França é o país líder em produção e exportação de carne e de animais vivos dentro da Europa.

Os dois efeitos mais conhecidos da crise são a queda no consumo, provocada pela intensa divulgação dos fatos pela mídia, pelas falsas informações, e a nacionalização dos mercados, ou seja, cada país volta seu consumo para a produção nacional, obviamente porque cada governo insiste no fato que sua carne é melhor controlada do que as outras.

Em países com déficit de carne como Itália, Grécia e Portugal, os profissionais do setor estimam que a queda no consumo compensa o déficit, e que esses países, durante a crise, são capazes de suprir grande parte da demanda com produção própria de carne.

A situação atual é de estagnação das trocas de carne entre os países produtores, sobretudo a França, e importadores, em razão do baixo consumo e da nacionalização dos mercados. Os únicos mercados ainda em relativa estabilidade são a Escandinávia e a Holanda.

Medidas tomadas pela França

Em conferência à imprensa, o primeiro ministro francês Lionel Jospin, apresentou um plano de reforço do dispositivo de segurança sanitária apoiado em sete bases de ação:

1) Suspensão do uso de farinhas de carne e osso em toda alimentação animal, ou seja, além dos ruminantes, para quem o uso dessas farinhas já estava proibido, porcos, aves, peixes e animais domésticos. Trata-se de uma quantidade anual de 740 mil toneladas de farinhas e 275 mil toneladas de gordura animal. Deste total, 130 mil toneladas correspondem aos tecidos de risco já incineradas. Restam então 870 mil toneladas suplementares a serem estocadas e destruídas. Esta proibição terá como conseqüência uma demanda imediata de proteínas vegetais, que será necessariamente assegurada por um aumento da importação de soja ou seus subprodutos.

2) Além dos tecidos de risco retirados das carcaças bovinas, seguindo recomendação da Agence Française de Securité Sanitaire des Aliments, toda a coluna vertebral será retirada da cadeia alimentar, o que significa a proibição do “T-bone steak” e a exclusão das vértebras na fabricação de gelatina e de sebo.

3) Reforço dos controles efetuados sobre usinas de farinhas e silos de estocagem, usinas de alimentos para animais, matadouros e frigoríficos.

4) Extensão dos testes de BSE sobre zonas de risco e depois sobre todo o território nacional.

5) Dependendo do resultado dos testes, medidas serão tomadas para excluir definitivamente certos animais de risco da cadeia alimentar, em função de idade, alimentação, região e raça.

6) Reforço de medidas de precaução e segurança da saúde humana, incluindo apoio às famílias de pessoas atingidas pela vCJD, fiscalização das condições de higiene e segurança dos trabalhadores em instalações de risco e reforço na esterilização e desinfecção de material médico e de produtos sangüíneos.

7) Reforço à pesquisa sobre novos testes mais sensíveis à BSE, sobre a epidemiologia da doença e sobre sua terapêutica e modos de eliminação das farinhas animais.

Uma ajuda de 3 bilhões de francos será enviada ao setor pelo governo francês, sendo 500 milhões aos produtores de gado.

Soluções discutidas em Bruxelas

Segunda feira passada, dia 4 de dezembro, uma reunião extraordinária do Conselho de Agricultura da União Européia foi realizada em Bruxelas para discutir eventuais soluções para a crise.

Em das propostas apresentadas ao Conselho foi por em pratica a estocagem privada. Quer dizer que toda empresa que possa estocar carne desossada congelada pode se candidatar a fazer estoque com subsidio da União.

A quantidade a ser estocada tinha sido acordada entre os países da comunidade como cerca de 120 mil toneladas, das quais a França teria 40 mil toneladas.

Essa carne trata-se de vacas de reforma de rebanhos leiteiros, e o preço de venda é garantido, o que quer dizer que o preço da carne ira despencar nos próximos meses até que todo este estoque seja escoado, sobretudo na Europa do Leste e Rússia, tradicionais “ralos” de estoques europeus.

A estocagem só não será feita caso seja aprovada outra solução ainda mais drástica, a retirada de todos os animais com mais de 30 meses do circuito de alimentação. Neste caso, estas mesmas vacas de reformas serão eliminadas completamente do comércio de carne. Elas só seriam reintegradas no circuito a partir de julho de 2001, quando testes sistemáticos seriam feitos sobre todos os animais com mais de 30 meses, como esta previsto.

Neste caso, a demanda interna de cada país teria que ser atendida com os animais jovens, principalmente novilhos que são o principal produto de troca entre os países europeus. Desta forma, mesmo se o consumo retomar seu curso normal o comércio de carne entre os países continuaria estagnado.

Outra medida apresentada, a proibição do uso de farinhas de carne e osso na alimentação animal nos quinze países da União Européia.

Decisões tomadas na segunda feira

A primeira decisão, aprovada pela maioria dos representantes europeus, exceto a Suécia, foi a proibição temporária (seis meses) do uso de farinhas de carne e osso em toda a alimentação animal nos quinze paises da União Européia. Esta medida já tinha sido apresentada quinze dias antes e considerada desproporcional pela Comissão. Isso antes que Alemanha e Espanha declarassem seus casos. Hoje, somente a Itália é oficialmente indene de BSE entre os grandes produtores de gado na Europa.

Em todo caso, a farinha de peixe continuara a ser utilizada, medida aprovada contra a vontade dos representantes da Finlândia e da Alemanha.

Segunda medida, retirar da cadeia alimentar todo intestino de bovinos de qualquer idade. Assim, os intestinos entram na lista de materiais à risco a serem obrigatoriamente retirados e destruídos no processo de abate.

O Conselho propõe ainda aos Estados-membros que estes não tomem novas medidas restritivas sem sua aprovação, e que acelerem a aplicação de uma etiquetagem completa para carne bovina e para produtos transformados à partir de carne bovina.

Finalmente, é proposto que todos os animais com mais de 30 meses não testados sejam destruídos. A Comissão Européia declara que irá apresentar esta proposta ao Comitê de Gestão, e que examinara se exceções serão aceitáveis no caso de certos Estados-membros com baixa incidência da doença e classificados como regiões à baixo risco. Este programa pode incluir, caso o mercado obrigue, animais testados também.

As indenizações serão garantidas a 70% pelo orçamento agrícola comunitário.

Consequências para o Brasil

Os efeitos da crise sobre as exportações brasileiras de carne dependem crucialmente das decisões tomadas em Bruxelas.

Normalmente, sem a intervenção de Bruxelas, à partir do momento em que o consumo voltasse ao normal, muito provavelmente a carne francesa seria substituída pela carne sul americana nos países importadores, visto que esta desfruta de uma excelente imagem de qualidade e, visto que a carne francesa continuaria sendo rejeitada por distribuidores e consumidores. A televisão italiana chegou a dizer que a carne sul americana era a mais saudável e a única carne não italiana que seria aceita pelo consumidor.

Com a estocagem privada, com os preços no chão e os frigoríficos cheios será muito difícil a entrada de carne de fora na Europa, pelo menos por algum tempo, sobretudo com o euro em baixa em relação ao dólar.

Caso seja decidido o abate e descarte de todos os animais com mais de 30 meses, com a retomada do consumo a importação será necessária e maciça, uma oportunidade sem precedentes para a exportação da carne brasileira. Neste caso, a diminuição da oferta de carne será bem mais importante na França e no norte da Europa (Alemanha, Bélgica, Holanda, Dinamarca e Escandinávia), onde o rebanho leiteiro e o número de vacas é maior, do que no sul (Portugal, Espanha, Itália e Grécia).

Outra conseqüência, diz respeito às nossas exportações de soja. A proibição do uso da farinhas animais já em vigor na França e em discussão em outros países vai causar uma demanda imensa e instantânea de proteína vegetal.

Novas tecnologias ajudam ou atrapalham?

Dois outros assuntos polêmicos mas que devem ser abordados e que podem modificar a imagem do produtos brasileiros, a soja transgênica e hormônios de crescimento.

Tecnicamente não vejo problema no uso destas novas tecnologias que trazem sem dúvidas benefícios ao produtor. Politicamente a coisa muda de figura, ainda mais se o mercado alvo é a Europa.

A soja vendida no mercado de commodities é uma só, e não há diferença de preço entre transgênica ou não transgênica. Neste caso, para o produtor, e principalmente para o pequeno produtor a soja transgênica é uma arma importante na otimização de maquinário e na redução de custos de produção. Por outro lado, grandes distribuidores franceses como o Carrefour e empresas fabricantes de alimentos estão indo ao Brasil negociar contratos direto com produtores para garantir um fornecimento de soja não transgênica a seus fornecedores e clientes. Embora sejam ainda muito poucos os produtores beneficiados com um diferencial de preço sobre a soja não transgênica, isso representa uma tendência do mercado, e uma tendência que vai aumentar cada vez mais.

Na revista italiana “La Carne” de agosto, Jean Brentel escreve um artigo sobre a guerra dos hormônios entre a União Européia e Estados Unidos. Em maio passado, a Comissão Européia afirmou mais uma vez sua total aversão à carne “made in USA”, inchada com hormônios e estrógenos. A Comissão agrícola em comum acordo com instituições sanitárias da comunidade classificou o 17 beta-estradiol, hormônio utilizado em larga escala nos EUA em criações bovinas, como iniciador e promotor de tumores cancerígenos. Como conseqüência foi mantido um embargo contra toda a carne proveniente de rebanhos aos quais tenha sido administrado este produto. E mais, Romano Prodi, quando presidente da Comissão Européia afirmou fazer muita atenção ao avaliar a periculosidade tendo em vista o consumidor de cinco outros hormônios: progesterona, testosterona, zenarol, trebolona e acetato de melengestrol. Foi decidido então um bloqueio temporário à carne com estes produtos, enquanto o 17 beta estradiol tem um bloqueio dito “permanente”. Se os Estados Unidos quiserem portanto exportar carne para a Europa têm que provar a ausência destes produtos. A Comissão encomendou 17 estudos que estão em andamento para avaliar a periculosidade potencial da carne com hormônio, e caso estes estudos venham embasar a decisão tomada em maio o bloqueio será então definitivo.

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1engenheiro agrônomo especialista em mercado de carne e de leite
Associado da Scot Consultoria
scotconsultoria@scotconsultoria.com.br
17 343 5111 – 17 342 5590 – fax

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