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Transportes x Carne bovina: mais um engano em relação às mudanças climáticas?

Aqui vamos nós de novo. No dia 22 de março, um cientista da Universidade da Califórnia, em Davis, acendeu uma luz na escuridão da "monstruosa pecuária" quando o assunto é a pesquisa do departamento de agricultura das Nações Unidas (FAO) que responsabiliza a atividade pela emissão de 18% dos gases nocivos à atmosfera e causadores do efeito estufa. Não demorou muito e as mais diversas reações começaram a surgir.

Traduzido por Luciano Bitencourt, da brasilcomz

Aqui vamos nós de novo. No dia 22 de março, um cientista da Universidade da Califórnia, em Davis, acendeu uma luz na escuridão da “monstruosa pecuária” quando o assunto é a pesquisa do departamento de agricultura das Nações Unidas (FAO) que responsabiliza a atividade pela emissão de 18% dos gases nocivos à atmosfera e causadores do efeito estufa. Não demorou muito e as mais diversas reações começaram a surgir. “Coma Menos Carne, Reduza o Aquecimento Global – ou Não” exibia manchete no website da FoxNews. “Carne Provoca Pé- Chato e Outras Mentiras”, retrucava com ironia o Cattleman´s Blog. O londrino Telegraph foi sucinto: “Agora, temos o Cowgate1“.

Tudo isso acompanhando a onda, é claro, do caso intitulado “Climategate” – quando hackers invadiram o email pessoal de cientistas da Unidade de Pesquisa Climática da University of East Anglia´s, em novembro de 2009, e revelaram a tentativa de se bular uma evidência: a dificuldade de comprovar certas afirmações sobre o aquecimento global. Desde então, pequenos erros vêm sendo descobertos em pesquisas sobre o clima, incluindo o 4° relatório do Painel Intergovernamental de Mudança Climática2 (IPCC), organização que recebeu, em 2007, o prêmio Nobel da Paz junto com o ex-presidente dos EUA, Al Gore. Todos esses erros caíram como uma luva para aqueles que negam o aquecimento global e criticam o alarde provocado pela mídia.

A gota d´água aconteceu quando Frank Mitloehner, um especialista em qualidade do ar pelo departamento de Produção Animal de Davis (UC), apresentou um paper na conferência da American Chemical Society3. Ele destacou que a comparação explicitada pela FAO na pesquisa – de que a pecuária emite mundialmente mais gás carbono, com 18%, do que os transportes, com 15% – é falsa. Para calcular o impacto da pecuária na Natureza, a FAO recorreu a autores que utilizam uma metodologia chamada índice de ciclo de vida4, que projeta as emissões considerando todo o processo de produção da carne, compreendendo desde o gasto de carbono relativo à derrubada de matas para a formação da pastagem que o gado come, seguindo todo o caminho até a carne ser embalada e chegar à gôndola do supermercado. Porém, o modelo relativo às emissões do setor de transportes utilizado pela FAO considerou produção de gás carbono apenas quando veículos queimam combustível fóssil, e não o ciclo completo de produção do petróleo. “Foi utilizado apenas o índice de ciclo de vida e nem um outro”, disse Mitloehner. “É o mesmo que se comparar basicamente laranjas com maçãs”.

Pierre Gerber, gerente de pecuária da FAO e um dos autores da pesquisa, em 2006, admitiu que a comparação é falha. “Nós estávamos consciente dessa incompatibilidade quando incluímos esses dados no estudo”, comentou. “Mas essa não é a questão primordial da pesquisa. Através dessa referência, queríamos apenas mostrar o quadro da situação à população”.

Gerber informou que, no momento, a FAO está engajada no desenvolvimento de projetos que procuram fornecer mais detalhes sobre a origem das emissões de poluentes. “Estamos trabalhando com análises mais sofisticadas que avaliam as emissões por mercadoria [tipo do animal], sistema de produção na fazenda e região”, disse.

Ambientalistas e pesquisadores do clima (para não falar dos vegetarianos) têm utilizado o estudo da FAO para clamar a redução – ou a total erradicação – do consumo de carne. Essa idéia, repete com frequência Mitloehner, é descabida. “Quanto mais fazendas, menos aquecimento. E não o contrário.” Ele elaborou um ponto de vista independente. “Em termos globais, produzir menos carne é o mesmo que aumentar a fome. A questão é que os confinamentos são mais eficientes em converter animais em comida. Isso é algo a se pensar, como alimentar mais pessoas com menos recursos possíveis.”

Até agora, as descobertas de Mitloehner indicam que reduzir o consumo de carne ou ampliar o uso de sistemas de pecuária sustentável não ajudam a atenuar o problema das mudanças climáticas. Mas, para Gerber, o representante da FAO, isso não vem ao caso. “Temos de encontrar um equilíbrio de acordo com as circunstâncias locais”, disse. “Provavelmente, na África seja necessário aperfeiçoar a produção de carne e leite. Mas, em países desenvolvidos, onde as pessoas comem em média de 80 a 120 quilos de carne por ano, a solução seria reduzir as emissões através dos níveis de consumo.”

Gerber reconhece que os estudos sobre as mudanças climáticas, ultimamente considerados sem consistência, foram prejudicados pelo erro da FAO. Mas ele não se aborrece, nem acredita que o engano da organização terá impacto duradouro. “Se alguém quiser usar isso como forma de fechar os olhos para a situação [o aquecimento global], tudo bem”, comenta. “No entanto, esse argumento não servirá por muito tempo”.

Desde 2005, Mitloehner recebeu cerca de 5 milhões de dólares em fundos para suas pesquisas, dos quais 5% – 250 mil dólares – são provenientes das indústrias da carne e do leite bovino. O restante foi disponibilizado por agências governamentais de fomento. Na opinião do pesquisador da Universidade de Standford, Stephen Schneider, um dos colaboradores do IPCC, “a visão dele [Mitloehner] sobre os métodos aplicados com o índice de ciclo de vida está totalmente correta, é ciência de verdade. Contudo, o segundo ponto [menos fazendas vs mais fazendas], é um julgamento de valor pessoal.”

Diante do crescente e inflamado discurso sobre as mudanças climáticas, qualquer indiferença existente entre os dois se torna pequena. Mesmo porque, desde o despertar das revelações do IPCC, uma série de erros vem sendo detectada nos assuntos relativos à literatura científica. O estudo do IPCC apontou, por exemplo, que as geleiras do Himalaia poderiam desaparecer já em 2035, caso o mundo continuasse a contribuir para o aquecimento – uma sugestão que não é totalmente incoerente, desde que não fosse o único argumento exposto, nem tampouco apenas um comentário especulativo proposto pelo próprio pesquisador do assunto. Em fevereiro, os pesquisadores responsáveis pela publicação do estudo que indicava um aumento de aproximadamente 7 a 8 cm no nível dos oceanos até o final do século tiveram que se retratar na Nature Geoscience, revista especializada em publicações científicas, e revelar dois erros existentes em seus cálculos técnicos.

Essas descobertas deram novo gás para aqueles que duvidam de que a Terra sofre uma ameaça de aquecimento agravada pelas ações do Homem. Em dezembro, o senador republicano James Inhofe sugeriu uma investigação contra aquilo que ele denomina ser uma ação forjada pelos cientistas mundiais do clima para distorcer a opinião pública. A iniciativa foi intitulada “Um chamado contra a ameaça global”. Em pesquisa realizada recentemente pelo instituto Gallup, ficou constatado que 48% dos norte-americanos acreditam que a “ameaça global” é um exagero, uma opinião que cresceu 13% desde 2008. Além do que apenas 52% dos cientistas aceitam a “ameaça global”, enquanto 65% deles discordam dessa tese.

Entretanto, para a maior parte da comunidade científica, os erros surgidos não diminuem toda a problemática em torno dos riscos ao globo inerentes às mudanças climáticas. “Fora mil conclusões, eles encontraram apenas três equívocos no relatório do IPCC?”, questiona Schneider. “Essa média é inacreditável. São dados que dizem muito sobre a Economia e a Saúde – muito mais do que qualquer outra iniciativa existente a respeito do tema.”

A versão original desta matéria dizia que Frank Mitloehner concluiu em seu estudo que o arroto de um boi comum era responsável pela maioria do gás metano emitido através da pecuária, o que contradiz a pesquisa da Environmental Protection Agency5. A EPA atribui a maior parte das emissões de metano provocadas por bovinos à fermentação entérica (arrotos e flatulências).

A pedido da Universidade da Califórnia Davis, a Time divulgou o valor total dos incentivos que Frank Mitloehner recebeu das indústrias da carne e leite bovino, desde 2005.

Link para a matéria: http://www.time.com/time/health/article/0,8599,1975630,00.html
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1 Referência ao caso Watergate, escândalo político nos anos de 1970, que levou o então presidente dos EUA, Richard Nixon, a renunciar. A partir daí, tornou-se popular a expressão de tal modo que em todo tipo de “sujeira” política aplica-se o sufixo “gate”.
2 Fourth Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC).
3 Algo como Associação Americana das Indústrias. Entidade semelhante às brasileiras CNI, FIESP e congêneres.
4 Life cycle assessment. Livre adaptação do tradutor para o português.
5 Livre tradução: Agência de Proteção ao Meio Ambiente.

*O artigo é de Lisa Abend, publicado na Revista Time (Time.com), em 27 de março de 2010, traduzido por Luciano Bitencourt, da brasilcomz http://www.brasilcomz.com/.

0 Comments

  1. José Ricardo Skowronek Rezende disse:

    Cada grupo acaba forçando os dados ou o recorte dos mesmos para corroborar suas crenças. Precisamos de menos paixão de parte a parte e mais método / critério para agirmos da melhor maneira. Apesar do inevitável conflito de interesses é preciso de um puco mais de neutralidade ou ao menos padronização na análise.

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