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Teste rápido é inútil para conter a covid-19 dentro de frigoríficos

COVID19 test for diagnosis new corona virus

Sob escrutínio das autoridades devido à propagação da covid-19 entre funcionários, os frigoríficos brasileiros podem estar gastando dinheiro à toa com a testagem em massa dos trabalhadores e transmitindo uma falsa sensação de segurança. Os testes rápidos, feitos na maior parte das vezes para atender a determinações da Justiça ou de vigilâncias sanitárias locais – e mesmo de políticas internas de algumas companhias -, não servem para diagnóstico e isolamento de trabalhadores, de
acordo com médicos e cientistas consultados pelo Valor.

Um dos problemas é que o teste rápido (feito com uma amostra de sangue do dedo), e também o sorológico (feito a partir da coleta de sangue em laboratórios), são usados para detectar a presença de anticorpos. Eles não detectam o vírus. E como os anticorpos levam algum tempo para serem desenvolvidos, sua presença pode significar que a doença já passou e que o funcionário já pode ter transmitido o vírus. Além disso, são frágeis os resultados dos testes rápidos, que apresentam uma alta incidência de falso negativo e positivo.

“O teste de anticorpo, como olha para o passado, não serve para isolar ninguém”, afirma Natalia Pasternak, pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e presidente do Instituto Questão de Ciência. Os melhores testes de anticorpos são capazes de detectar quem foi exposto ao vírus a partir do 15º dia. “Se precisa esperar duas semanas para ver se teve [anticorpo], é provável que já contaminou”, diz o presidente do Hospital Albert Einstein, Sidney
Klajner.

“Como ciência, no momento há um consenso de que esses testes não têm nenhum tipo de valor de ordem prática. O resultado que dão não é suficientemente acurado. Se é um teste que não gera resultado interpretável, o fato de colocá-lo em protocolo [de testagem dos frigoríficos] deixa a coisa mais confusa”, diz Ricardo Schnekenberg, médico e doutorando em neurociência da Universidade de Oxford, do Reino Unido, e que escreve sobre os testes de diagnóstico no blog “notesoncovid”.

Em 8 de abril, a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou que os testes rápidos não sejam usados para o diagnóstico de pacientes. A instituição incentivou, por outro lado, o uso desses testes para pesquisa epidemiológica e vigilância de doenças. Em estudos populacionais, como os realizados no Brasil pela Universidade Federal de Pelotas, é possível estimar o percentual de pessoas expostas ao vírus usando estatística para corrigir a taxa de erros desses exames – mas, mesmo nesse caso, há críticos na medicina, porque há pacientes que não desenvolvem anticorpos, mas apenas uma resposta celular, que é detectada em outro exame.

Para detectar a presença do vírus, só existia – até poucas semanas – um teste, o RTPCR, considerado padrão-ouro. Esse exame, que exige treinamento para ser realizado, é feito a partir de uma amostra de secreção do nariz, retirada com um desconfortável cotonete comprido. “É o que vai identificar quem está contaminado, [permitindo] rastrear os contatos, testar todos e isolá-los”, frisa Natalia Pasternak.

Em meio ao avanço da covid-19 no interior do país, grupos como a brasileira Minerva Foods, uma das maiores exportadoras de carne bovina da América do Sul, aplicaram testes rápidos em frigoríficos localizados em regiões de alta prevalência da doença. Em maio, a empresa fez testes rápidos em 730 empregados de sua unidade em Araguaína (TO).

À época, a Minerva informou que 55 pessoas tiveram diagnóstico positivo. “Uma vez que os profissionais não apresentavam sintomas, consideramos que a testagem rápida é o melhor método para preservar a saúde dos nossos funcionários, bem como garantir a segurança da operação na planta, seguindo as normas estabelecidas pelo governo local”, apontou a companhia em uma nota divulgada na ocasião.

No entanto, a interpretação do resultado do teste indica uma confusão. Mesmo que fossem confiáveis, o que tem sido fortemente questionado pelos cientistas, os resultados dos testes rápidos poderiam indicar apenas que os funcionários já foram expostos ao vírus e, ao menos no curto prazo, estariam protegidos. Por outro lado, aqueles que tiveram resultado negativo para o anticorpo poderiam estar com a doença no início e transmitindo o coronavírus.

Procurada pelo Valor para comentar as incongruências da testagem em massa aplicada, a Minerva não comentou. Mas vale lembrar que a companhia também adotou outras formas para tentar controlar a propagação a doença, como a medição de temperatura, uso de máscaras e capacete de viseira (“face shield”), além de maior distanciamento no ambiente da fábrica.

A Marfrig, segunda maior indústria de carne bovina do país, firmou um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT) que prevê a testagem em massa de todos os trabalhadores. Quando anunciou esse acordo, em 1º de junho, a empresa informou que testaria todos os seus 18 mil funcionários no Brasil. O acordo, entre outras medidas de proteção, previa uma “rotina de testagem rápida sorológica, associada
ao teste molecular RT-PCR conforme o caso”. Procurada pelo Valor, a Marfrig também não comentou.

A testagem de anticorpos associada ao uso do PCR parte de um pressuposto equivocado, e que foi adotado em pelo menos duas unidades da BRF em Santa Catarina. Nas cidades de Chapecó e Concórdia, a empresa informou ter feito testes rápidos em todos os funcionários. Naqueles que tiveram diagnóstico positivo – para os anticorpos -, a empresa fez PCR. O problema, mais uma vez, é que os negativos também poderiam estar com o vírus, e mesmo transmitindo.

Nos dois casos, a BRF aplicou os testes a pedido da vigilância estadual.
Procurada, a empresa disse que segue “as recomendações e modelos de testes do Ministério da Saúde e OMS, com a utilização tanto de testes rápidos quanto de RTPCR para detecção da covid-19”. A companhia também disse que a testagem, feita por amostragem, conta com um protocolo desenvolvido por especialistas em saúde pública – como o Hospital Albert Einstein e o infectologista Ésper Kallas, professor da
USP – e pela consultoria Mckinsey.

Para Adauto Castelo, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia e professor associado da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), as decisões judiciais que exigiram os testes sorológicos partem de um desconhecimento médico de parte dos procuradores do trabalho. “Não é possível utilizar sorologia para decisões clínicas. Muito menos no ambiente de um frigorífico”, diz o infectologista, que presta consultoria para a JBS, assim como o Hospital Albert Einstein – a instituição também presta consultoria para a BRF.

Segundo Castelo, a testagem em massa só é indicada para os casos de surto em unidades e, mesmo assim, sempre utilizando os testes que detectam o vírus – ou seja, o RT-PCR. Desconsiderando surtos, como o que ocorreu em Dourados (MT), o protocolo padrão adotado na JBS é afastar o sintomático e submetê-lo a teste – duas vezes e num intervalo de três dias, para evitar o resultado falso negativo do PCR, comum ao teste feito entre o primeiro e terceiro dia de contaminação. Outra medida é afastar as pessoas que tiveram contato (quem ficou a até dois metrôs de distância, e por mais de 15 minutos, seja nas linhas de produção, no refeitório e mesmo no transporte).

Segundo Castelo, uma novidade positiva podem ser os testes que surgiram mais recentemente no país. É o caso do RT-Lamp desenvolvido pelo laboratório Mendelics. Esse teste é feito com a coleta da saliva, sendo de mais fácil aplicação do que o RT-PCR. Outro teste que agora está disponível é o desenvolvido pelo Einstein, que poderá triplicar a capacidade de processamento de testes do hospital e será oferecido às empresas por um valor de 20% a 30% menor que o RT-PCR, segundo
Klajner.

Fonte: Valor Econômico.

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