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Sustentabilidade será a próxima vanguarda da cozinha, defende chef

Sustentabilidade, para o cozinheiro Cesar Costa, 27, é a próxima vanguarda da gastronomia. “Passamos pela cozinha espanhola, pela nova cozinha nórdica, e agora?”

Ele parece estar à frente de seu tempo quando se observa a operação do Corrutela, recém-aberto na Vila Madalena, em São Paulo. É o primeiro restaurante da América Latina com cotação máxima da Sustainable Restaurants Association, ONG inglesa que aborda problemas complexos do sistema alimentar, orienta e certifica casas pelo mundo.

Parte-se de diretrizes que visam o abastecimento (como a ênfase no sazonal e no local), a sociedade (como criar relações respeitosas de trabalho) e o meio ambiente (ações como gerar menos lixo).

É um trabalho discreto, de bastidores —que pode ou não refletir no prato servido à mesa. “As três estrelas da SRA não significam que nossa comida é um nível três estrelas Michelin. Mas, em relação à gestão de resíduo, de eficiência energética [a energia solar reduz em quase 20% o consumo de energia elétrica], de tratamento de funcionário, a gente está num patamar superalto.”

No Corrutela, a rede de fornecedores foi garimpado pelo chef rodando em seu carro, como que em busca de um país pré-industrial, traz frescor e intensidade de sabor a receitas, nas quais vegetais orgânicos surgem em evidência.

Também há reflexo no preço. Um menu de altíssimo nível, com entrada, prato e sobremesa, sai por R$ 95.

São iniciativas como a logística de compra de ingredientes, que lhe exige certa compreensão dos ciclos da natureza. “Sei que o trigo e o milho têm uma safra ao ano, então posso comprar em grandes quantidades e armazenar”, diz.

Pois bem, o chef compra lotes de 300 quilos de cada grão e a maneira pela qual são manipulados internamente também segue uma lógica que poupa investimento e reduz o impacto do lixo no restaurante.

São processados em um moinho de pedra na casa. Do trigo faz-se, por exemplo, um pão de fermentação lenta, que gerou frisson no público —e paga-se menos no grão do que em uma farinha.

O milho vira uma polenta que realça o sabor do grão, ao qual é acrescido somente água —fica cremosa e amanteigada ainda que não leve um pingo de manteiga. O cacau, que Costa recebe seco e fermentado, é torrado no Corrutela e transformado em chocolate.

De industrializado, o que compra? “Honestamente?”, e faz uma pausa. “Anchova.”

Com o leite recebido da fazenda Atalaia, em Amparo, em leiteiras de 30 quilos —de novo há uma contenção no uso de embalagem—, produz-se a coalhada, o iogurte, o sorvete.

O cozinheiro tem certas excentricidades. Volta-se para a qualidade da sua comida com a mesma dedicação que empenha-se em tratar do lixo gerado. Experienciou, aliás, a rotina do Chez Panisse, em Berkeley (EUA), onde Alice Waters, líder do movimento Slow Food, aboliu a palavra lixo.

Costa não tem TV e coleciona livros antigos. Trabalhou ao lado de um dos grandes pesquisadores de plantas não cultivadas pelo homem, o inglês Miles Irving.

Foi sob sua tutela numa cidade medieval na Inglaterra que ele passava o dia a coletar itens que distribuía a mais de 70 restaurantes. Entrava no rio para pegar folhas de agrião selvagem; esperava a maré baixar por algas marinhas; na floresta, colhia cogumelos.

O catar lhe mostrou, mais profundamente, o valor da comida, assim como plantar, colher e manejar o lixo.

Foi tonificando, portanto, seu respeito pelos produtos —a coluna vertebral de sua cozinha, que parte de elementos reconhecíveis, do repertório comum do brasileiro, para alcançar resultados surpreendentes.

“Todo profissional de cozinha tem que usar o máximo de um ingrediente. Não só para não gerar lixo, mas por respeito ao produto e ao produtor”, diz Eduardo Amorim, 27.

Ele é o braço direito de Costa na cozinha e mantém um controle planilhado de todos os resíduos gerados no restaurante —quanto vai para a composteira, instalada logo na entrada do Corrutela a comportar até 30 quilos de lixo orgânico por dia, e quanto é rejeito destinado ao aterro sanitário (lixo de banheiro, perfex etc.).

Ao pinçar algum elemento do cardápio, o cliente não sabe que os vegetais (dos quais se aproveita a maior parte ou a totalidade) foram entregues em caixas que vão e vêm do produtor. E o mesmo sistema é adotado para receber os peixes e frutos do mar, mergulhados em gelo, em caixas retornáveis.

Também não se sabe, explicitamente, que a carne é usada em pouquíssima quantidade porque chega embalada a vácuo, em plástico. De dez itens do cardápio, renovados com frequência com base nos ingredientes sazonais, apenas um leva carne.

Trata-se de um tartare de cor avermelhada vibrante, a manter a estrutura da carne, com maionese com ovo pochê, de sabor delicado, e mostarda de Dijon.

Para aprofundar sua gestão de resíduo, Cesar Costa passará uns dias no restaurante Amass, em Copenhague, na Dinamarca, a acompanhar um departamento que só cuida da sustentabilidade antes da composteira.

“É um setor de pesquisa para salvar as coisas de ir para o lixo. Como aproveitar a casca de tomate? O que se pode fazer com o café depois de passado? E com o osso dos peixes?” Ele há de aprender —e aplicar.

“Se você pedir uma receita para um chef estrelado, talvez ele desligue na sua cara, mas quando se fala em sustentabilidade, todo mundo é solícito.”

Fonte: Folha de São Paulo.

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