Por Pietro Sampaio Baruselli1 e Márcio de Oliveira Marques2
1. Introdução
A transferência de embriões (TE) é a técnica mais utilizada em todo o mundo para multiplicar animais de alto valor genético (Bó et al., 2000). No ano de 2000 foram realizadas oficialmente cerca de 6.000 colheitas de embriões no Brasil, e aproximadamente 113.000 no mundo (Thibier, 2001).
Entretanto, apesar da grande importância da TE para acelerar o ganho genético dos rebanhos, o emprego desta biotecnologia é passível de algumas limitações: 1) manejo para detecção de cio; 2) necessidade de iniciar o tratamento superestimulatório em momento determinado do ciclo estral; 3) baixa consistência da produção de embriões viáveis por doadora; 4) cerca de 20 a 30% das doadoras não produzem nenhum embrião transferível. Esta variabilidade na resposta à superovulação pode decorrer de fatores relacionados ao tratamento ou, em maior medida, ser conseqüência de fatores individuais associados à dinâmica folicular.
O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados de protocolos de superovulação que propõem a redução da variabilidade individual pelo controle farmacológico da dinâmica folicular ovariana e da ovulação, com a vantagem de também facilitarem o manejo dos animais e a programação antecipada dos procedimentos e dos técnicos envolvidos.
2. Momento adequado para o início do programa de superovulação
Nos últimos anos, estudos têm demostrado claramente que, para que a TE atinja a sua máxima eficiência, os tratamentos superovulatórios devem ser realizados no início da onda de crescimento folicular, antes da seleção do folículo dominante. A maioria dos programas superestimulatórios tinha início entre o dia 8 e o dia 12 do ciclo estral, momento mais provável de início da segunda onda de crescimento folicular. Entretanto, esse procedimento dependia da detecção do “cio base” da doadora para programar o tratamento. Além disso, o início da segunda onda de crescimento folicular é variável, o que pode determinar respostas inconstantes à superovulação.
Desta forma, uma alternativa viável para controlar a dinâmica folicular em momento aleatório do ciclo estral, sem a necessidade de detecção de cio, facilitaria sobremaneira o manejo, a programação logística das fazendas e dos técnicos, bem como os resultados dos programas de TE.
3. Controle da dinâmica folicular e da superovulação
Nos últimos 10 anos foram desenvolvidos alguns métodos para controlar o início da onda de crescimento folicular em bovinos. A administração de agonistas de GnRH, LH e de métodos mecânicos (aspiração folicular) têm sido empregadas com êxito para promover o início da onda de crescimento folicular em um intervalo de tempo conhecido.
Um dos métodos hormonais mais eficientes e de custo reduzido que tem sido empregado com sucesso é a administração da combinação estrógeno + progesterona. Após sua aplicação, os folículos antrais presentes no momento do tratamento entram em atresia pelo mecanismo de retroalimentação negativa do eixo hipotálamo-hipofisário. Desta forma, o início da nova onda de crescimento folicular é sincronizado, começando 4,3 dias após o tratamento (Bó et al., 1995). A Tabela 1 apresenta uma comparação entre os resultados obtidos quando da utilização de 17Beta-estradiol (E-17Beta) associado à progesterona (P4) na superovulação de vacas e novilhas e aqueles decorrentes do método tradicional de superovulação com detecção de estro.
Tabela 1 Resposta superovulatória (média +/- desvio padrão) em vacas e novilhas de corte e de leite superestimuladas nos Dias 8 a 12 após o cio (tratamento tradicional), e após o uso de dispositivos com progestágenos associado a 5 mg de E-17Beta e 100 mg de P4. Córdoba, 1999.
Como pode ser constatado, o tratamento com progesterona e estradiol apresentou resposta similar àquela decorrente do tratamento tradicional, com a vantagem de ser possível iniciá-lo em dia aleatório do ciclo estral, de maneira sincronizada e pré-determinada. Desta forma, o técnico pode sincronizar grupos de doadoras em dias previamente programados, facilitando o manejo dos programas de TE.
O Benzoato de Estradiol (BE) é um outro estrógeno disponível no mercado brasileiro, e teve seu efeito comparado ao do E-17Beta na indução do início da onda de crescimento folicular (Bó et al., 1996). No mesmo experimento anteriormente apresentado, objetivou-se avaliar secundariamente o efeito da administração de análogo da prostaglandina F2alfa (PGF2alfa) durante o terceiro (Dia 6) ou quarto dias (Dia 7) do tratamento com FSH (Folltropin-V, Vetrepharm, Canadá).
Foram utilizadas vacas de corte (Red Angus, n= 81; Simental, n=16 e Red Brangus, n=8), dividas em quatro grupos em delineamento fatorial 2×2. No Dia 0, todas as vacas receberam um dispositivo contendo progesterona (DIV-B, Syntex, Argentina), juntamente à administração de 2,5 mg de E-17Beta e 50 mg de P4 (Lab. Rio de Janeiro, Argentina), ou 2,5 mg de BE e 50 mg de P4. Os tratamentos superestimulatórios foram iniciados no Dia 4. As vacas foram subdivididas novamente para receber a primeira dose de PGF2alfa (150microgramas de d-cloprostenol, Preloban, Intervet) na manhã do Dia 6 ou na manhã do Dia 7. Os dispositivos foram retirados no dia da segunda aplicação de PGF2alfa, e todas as vacas foram inseminadas 48 e 60 h após a remoção do implante (Dias 8 e 9). Os embriões foram colhidos 7 dias após a primeira IA, e avaliados segundo as normas da IETS.
Tabela 2 Resposta superovulatória (médias +/- desvio padrão) em doadoras superestimuladas 4 dias depois da administração de E-17Beta ou BE.
Não houve diferença significativa entre as raças e os tratamentos superestimulatórios (Tabela 2), o que demonstra que o Benzoato de Estradiol também pode ser utilizado eficientemente em associação à progesterona no início de tratamentos superovulatórios.
Esses resultados foram confirmados em zebuínos por Barros e colaboradores (2000), que utilizaram BE no início de protocolos de superovulação com dispositivos intravaginais contendo progesterona, e também obtiveram resultados satisfatórios.
4. Inseminação artificial em tempo fixo em programas de superovulação
Mesmo com a possibilidade de sincronização da onda de crescimento folicular no início do tratamento superovulatório, o momento da inseminação artificial da doadora de embriões ainda dependia da detecção de estro. Como esse procedimento é sujeito a erros, e impossibilita a programação prévia da data exata da colheita dos embriões, nosso grupo de pesquisa delineou um experimento para comparar 2 protocolos de superovulação com inseminação artificial em tempo fixo (IATF).
Foram utilizadas 10 vacas Nelore mantidas a pasto em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, divididas ao acaso em dois tratamentos. As doadoras foram superovuladas utilizando um delineamento “cross-over”, e o tratamento invertido após um intervalo de 35 dias.
No primeiro grupo (P24), as vacas receberam (Dia 0) um dispositivo intravaginal contendo progesterona (CIDR-B, InterAg, New Zealand) e 3 mg de benzoato de estradiol im (Estrogin, Farmavet). No Dia 5 iniciou-se a administração de 130 mg de FSH (Folltropin, Vetrepharm, Canada) em doses decrescentes, duas vezes ao dia, durante 4 dias. No Dia 7 (7:00) foi administrado um análogo da prostaglandina F2alfa (PGF2alfa; 0,8 mg Delprostenate im; Glandinex, Tecnopec), sendo o CIDR-B removido no Dia 8 (7:00), 24 horas após a aplicação da PGF2alfa. No Dia 9 (7:00), 25 mg de LHp (Lutropin, Vetrepharm, Canada) foram administrados 48 horas depois da aplicação da PGF2alfa. Todas as doadoras foram inseminadas 12 e 24 horas após a injeção de LH. No Dia 16 foram realizadas a colheita e a classificação dos embriões. O segundo grupo (P36) recebeu protocolo semelhante ao do primeiro grupo, exceto pela retirada do CIDR-B 36 horas após a injeção de PGF2alfa (Dia 8, 19:00).
Tabela 3 Resultados (média +/- desvio padrão) dos tratamentos superovulatórios P24 e P36 em doadoras de embriões da raça Nelore. Campo Grande, 2000 (Zanenga et al., resultados preliminares).
Os resultados (Tabela 3) sugerem que a realização da IATF 12 e 24 horas após a administração de LH (48 horas após a PGF2alfa), concomitantemente à retirada do CIDR depois de 24 ou 36 da administração de PGF2alfa, é viável para programas de transferência de embriões em Bos indicus, sem a necessidade de detecção de estro, o que concorda com resultados prévios encontrados na literatura (Barros et al., 2000).
Atualmente, o protocolo P24 está sendo utilizado para comparar diferentes dosagens de FSH (Folltropin-V, Vetrepharm, Canada) em doadoras Nelore inseminadas em tempo fixo. Os resultados preliminares da superovulação e colheita de embriões de parte das 20 vacas delineadas “cross-over” são demonstrados na Tabela 4.
Tabela 4 Número de embriões viáveis e congeláveis (média +/- desvio padrão) em vacas Nelore superovuladas com diferentes doses de FSH (Folltropin-V) e inseminadas em tempo fixo. São Paulo, 2002 (Resultados preliminares).
Como se vê, esses resultados indicam que não existem diferenças no número de embriões transferíveis e congeláveis de doadoras Nelore após o emprego de diferentes dosagens de FSH em protocolos que sincronizam o início da onda folicular e empregam a inseminação artificial em tempo fixo. Entretanto, parte das doadoras utilizadas no experimento em tela foi selecionada por histórico de fertilidade e diâmetro ovariano; assim, deve-se ressaltar que essas doses necessitam ser testadas em doadoras que não tenham sido previamente selecionadas.
5. Proposta de esquema para superovulação, inseminação artificial e colheita de embriões em tempo fixo
Com base nos dados obtidos, nosso grupo de pesquisa propôs um tratamento (Figura 1) para a utilização a campo na superovulação de doadoras de embrião.
Figura 1 Protocolo para superovulação, inseminação artificial e colheita de embriões em tempo fixo em bovinos. O tratamento consiste na inserção de um dispositivo liberador de progesterona juntamente à administração de Benzoato de estradiol (BE) e progesterona (P4) no Dia 0 (M), com início do tratamento superovulatório no Dia 4 (M), aplicação de PGF no Dia 6 (M), remoção do dispositivo no Dia 7 (M), aplicação de LH no dia 8 (M), seguido da inseminação artificial em tempo fixo 12 e 24 horas após o LH. O estro não é observado e a colheita dos embriões é realizada no Dia 15.
6 – Referências Bibliográficas
Barros, C.M. Controle farmacológico do ciclo estral e superovulação em zebuínos de corte. Anais do Simpósio sobre controle farmacológico do ciclo estral em ruminantes. São Paulo, SP; 31 de maio a 2 de junho, 2000. p. 158-189.
Bó, G.A. Sincronizacion de celos para programas de inseminacion artificial y transferencia de embriones bovinos. Anais do Simpósio sobre controle farmacológico do ciclo estral em ruminantes. p. 35-60. São Paulo, SP, 31 de maio a 2 de junho, 2000.
Bó, G.A.; Adams, G.P.; Caccia, M.; Martinez, M.; Pierson, R.A.; Mapletoft, R.J. Ovarian follicular wave emergence after treatment with progesterone and estradiol in cattle. Animal Reproduction Science, v.39, p.193-204, 1995.
Bó, G.A.; Adams, G.P.; Pierson, R.A.; Mapletoft, R.J. Effect of progestogen plus estradiol-17Beta treatment on superovulatory response in beef cattle. Theriogenology, v.45, p.897-910, 1996.
Bó, G.A.; Baruselli, P.S.; Moreno, D.; Cutaia, L.; Caccia, M.; Tríbulo, R.; Tríbulo, H.; Mapletoft, R.J. The control of follicular wave development for self-pointed embryo transfer programs in cattle. Theriogenology, v. 57, p. 53-72, 2002.
Thibier, M. The animal embryo transfer industry in figures: a report from the IETS data retrieval committee. IETS Newsletter, v.19, n.4, 2001.
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1Prof. Dr. Pietro Sampaio Baruselli é professor do Departamento de Reprodução Animal, FMVZ – USP
2Márcio de Oliveira Marques é médico veterinário e mestrando do Departamento de Reprodução Animal, FMVZ – USP