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Salic, o braço do rei na busca por alimentos

As temperaturas chegam a quase 50º nesta época do ano em Riad. Não há lagos ou rios na Arábia Saudita, e a água que abastece a capital ro Reino é transportada por 370 quilômetros desde o Golfo da Arábia e tem que ser dessalinizada. Trata-se do país mais rico do Oriente Médio, dono da segunda maior reserva de petróleo e da sexta maior reserva de gás natural do mundo, mas nele a água é um artigo de luxo para os quase 30 milhões de habitantes e uma gigantesca limitação para o desenvolvimento da agricultura, dependente de sistemas de pivôs centrais que captam o recurso de lençóis freáticos escondidos abaixo do deserto, a custos bastante elevados.

Nesse cenário, não é difícil entender porque 80% da demanda doméstica por alimentos é atendida por produtos importados. Nem os motivos que levaram o Reino a criar, em 2009, a Saudi Agricultural and Livestock Investment Company (Salic), que se tornou o braço saudita responsável por garantir alguma segurança alimentar em meio a uma dependência que influencia inclusive movimentos geopolíticos. Na potência petroleira, há poucas companhias mais estratégicas que a Salic, que é controlada por um fundo do governo cuja carteira de investimentos supera US$ 200 bilhões.

E a Salic vem respondendo às crescentes cobranças do Reino de forma cada vez mais visível. Nos últimos anos se tornou a principal acionista da brasileira Minerva Foods, maior exportadora de carne bovina da América do Sul, adquiriu grandes fazendas de grãos na Austrália e no Canadá, estabeleceu uma joint venture com a americana Bunge no Canadá para originar produtos agrícola e ampliou aportes em inteligência artificial e ferramentas de agricultura de precisão. Para o próximo quinquênio, o objetivo é expandir a atuação nessas mesmas frentes.

“Três pilares norteiam nossos investimentos: proteína animal, fazendas e cadeia de suprimento. E não adianta termos apenas bons retornos financeiros. Temos responsabilidades sobre as questões de segurança alimentar da Arábia Saudita”, afirmou Matt Jansen, CEO da Salic, ao Valor. Ele próprio é fruto da necessidade do Reino de garantir fontes seguras de suprimento de alimentos.

Aos 53 anos, poucos executivos têm a bagagem de Jansen no setor, acumulada nos 26 anos em que trabalhou na americana ADM, uma das maiores empresas de agronegócios do mundo – o “A” do grupo conhecido como “ABCD”, formado também por Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company – e por uma passagem curta, “mas muito interessante”, pela chinesa Cofco International, a trading de produtos agrícolas da gigante estatal de alimentos Cofco, que fatura mais de US$ 50 bilhões por ano.

Americano, o CEO nos tempos da ADM trabalhou alguns anos no Brasil, o que também foi um diferencial de peso em sua escolha para o cargo. Afinal, o país é atualmente o maior exportador de produtos agropecuários para a Arábia Saudita, e essa relação tende a se aprofundar tendo em vista o potencial brasileiro de expansão de sua produção de grãos e carnes. “Cerca de 75% das exportações de alimentos do Reino é composta por 12 produtos, entre os quais açúcar, grãos, óleos, arroz e carnes bovina e de frango. E esses produtos vêm basicamente de 21 países, entre os quais o Brasil é um dos mais importantes. É a origem, por exemplo, de 80% das importações sauditas de carne de frango”, disse Jansen.

Foi sob o comando do americano que a Salic estimulou – e garantiu -, no fim do ano passado, o aumento de capital de R$ 1 bilhão da Minerva Foods, operação que lhe conferiu um aumento de participação na exportadora de carne bovina de 21% para quase 33%. E a Salic está disposta a participar ativamente da abertura de capital da Athena Foods, controlada pela Minerva, na bolsa de Santiago, no Chile, operação que foi adiada devido à condições adversas do mercado.

Vice-presidente do conselho de administração da Minerva, Jansen estava em São Paulo na semana passada quando a companhia fechou seus resultados do segundo trimestre deste ano. Ficou satisfeito com a forte redução do prejuízo no período e destacou que as ações estão em alta este ano, outra boa notícia. Nesse sentido, descartou que a Salic defenda o fechamento do capital da Minerva na B3, alternativa recorrentemente aventada por analistas.

“Não há essa intenção. E queremos continuar a ser um bom parceiro para a empresa”, disse Jansen, que é casado com uma brasileira, em bom português. A Salic planeja nos próximos anos originar entre 200 mil e 300 mil toneladas de carne bovina e, segundo Jansen, conta na Minerva com uma “garantia” de fornecimento de 100 mil toneladas anuais em caso de necessidades imprevistas.

Jansen não nega que a Salic tem interesse em investir no segmento de grãos no Brasil, mas sinalizou que as incertezas em relação à compra de terras por estrangeiros são um obstáculo difícil de ser transposto para que o desejo se transforme em projeto. Enquanto isso não acontece, a companhia do Reino da Arábia Saudita investe em grandes fazendas em outros importantes países produtores.

“Tínhamos uma joint venture com outros sócios em uma fazenda de grãos de 50 mil hectares na Ucrânia. Compramos recentemente 100% e investimos na aquisição de uma propriedade vizinha de 150 mil hectares e integramos a produção, focada em grãos em geral. Além disso, neste ano compramos a maior fazenda de trigo da Austrália, também com 200 mil hectares”, disse o CEO. Mas, afora a produção física, a Salic também tem intensificado seus esforços em originação, frente na qual a joint venture com a Bunge no Canadá, dedicada a soja, milho e trigo, é o maior destaque.

“Essa joint venture, que tem investimentos importantes em logística, é parte importante do nosso pilar de cadeia de suprimento. Mas temos muitos outros desafios. Quero originar, por exemplo, 1 milhão de toneladas de açúcar e 600 mil toneladas de arroz por ano, e, para os próximos cinco anos, tenho que saber quanto vou precisar investir para isso, também levando em consideração os planos da Arábia Saudita de reduzir sua dependência de produtos importados como carne de frango”. Jansen não confirma, mas fontes desse segmento afirmam que a Salic é uma das interessadas em uma participação minoritária nos ativos da BRF no Oriente Médio, que incluem uma fábrica de processados e empresas de distribuição.

Fonte: Valor Econômico.

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