Uma eventual saída do país do Acordo de Paris, possibilidade que já foi defendida pelo presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), poderá prejudicar o agronegócio brasileiro, seja por causa do risco de perdas no acesso a mercados, seja pelos efeitos negativos que a medida teria sobre o clima do planeta — e, consequentemente, sobre a produtividade agrícola. O alerta é da consultoria americana INTL FCStone, que atua no mercado de commodities desde 1924.
Apenas o impacto sobre reduções de produtividade provocadas por mudanças climáticas poderia chegar a R$ 62 bilhões, considerando somente as oito principais culturas agrícolas do país, avaliou a consultoria.
A FCStone considerou o preço médio das commodities nos últimos três anos e o comparou com o desenvolvimento potencial das principais safras nesse período versus a produção de cada cultura caso elas sejam afetadas pelas mudanças climáticas.
A cultura que teria a produtividade mais afetada seria a cana-de-açúcar. Até 2050, as mudanças climáticas podem tirar quase R$ 42 bilhões desse segmento. No caso da soja, carro-chefe do agronegócio brasileiro, o valor que poderá ser perdido supera R$ 11 bilhões, enquanto no caso do milho seria de R$ 2,7 bilhões.
Além disso, os produtores rurais teriam que dispender R$ 1,8 bilhão com investimentos extras em tecnologia, infraestutura e pesquisas para compensar as perdas de produtividade e se adaptar às mudanças climáticas, sempre de acordo com a FCStone.
A maior ameaça das mudanças climáticas à produção agropecuária brasileira está relacionada à deterioração da qualidade do solo e a mudanças no regime de chuvas e de temperatura. Se nenhuma medida for adotada para conter as mudanças climáticas, todas as principais culturas do país sofrerão com esses efeitos, mostra estudo da Embrapa em parceria com a Unicamp mencionado pela consultoria americana.
A cultura mais vulnerável á restrição de área disponível para produção é a soja. A área apta ao cultivo da oleaginosa poderia cair 39,3% até 2050, prevê a FCStone. Outra área bastante suscetível à redução de área agricultável é o trigo, com potencial de perda de 27,5% de área apta.Engrossam a lista a cana-de-açúcar, (potencial de contração de 11,7%), o algodão (11%), o arroz (12,5%) e o milho (15%).
Os danos das mudanças climáticas são geograficamente determinados. Segundo a FCStone, as terras mais vulneráveis a deterioração do solo e mudanças de pluviosidade e temperatura estão concentradas no Centro- Oeste — polo mais dinâmico do agronegócio brasileiro — e no Nordeste. Nesta última região, a área mais vulnerável é a região do “Matopiba” (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia).
“É válido ressaltar, ainda, que além de minimizar o potencial de crescimento do agronegócio brasileiro, essa redução de área potencial significa uma menor geração de emprego e renda para a população das regiões afetadas, além de impactar negativamente a receita fiscal do governo e o fluxo de investimentos no país”, afirma a consultoria.
Outra frente de problemas decorrentes de uma eventual saída do Brasil do Acordo de Paris poderá ser mais imediata: a perda de mercados consumidores.
Segundo maior mercado dos produtos do agronegócio brasileiro, a União Europeia tem exigido compromissos ambientais nos últimos acordos comerciais firmados, como em recente pacto com o Vietnã. E o bloco europeu está em tratativas para fechar um acordo de livre comércio com o Mercosul.
A UE e a China, por exemplo, estão negociando um acordo de livre comércio e já indicaram que pretendem implementar os compromissos de redução de emissões apresentados no âmbito do Acordo de Paris. O recente acordo do bloco europeu com o Japão, firmado em julho também tem um capítulo dedicado ao cumprimento do acordo climático.
A consultoria menciona, ainda, o Reino Unido e a Coreia do Sul — dois destinos importantes dos produtos do agronegócio brasileiro — como países que têm demonstrado atenção a questões climáticas e ambientais.
Na quinta-feira anterior às eleições, Bolsonaro voltou atrás e disse que manteria o país no acordo, desde que preservada a soberania nacional. Em parte por causa da repercussão internacional negativa, a equipe de Bolsonaro já voltou atrás quanto à integração entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente.
Fonte: Valor Econômico.