Como o conflito entre Rússia e Ucrânia afeta o agro brasileiro
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Rússia invade Ucrânia: as perspectivas da XP

Foi confirmada a invasão da Ucrânia pela Rússia. O presidente russo, Vladimir Putin, deu uma declaração pedindo para os soldados da Ucrânia não revidarem, pois querem desmilitarizar o país. Ele disse que os EUA cruzaram a linha com a promessa de integrar a Ucrânia na OTAN. Surgem as dúvidas sobre como será a resposta da Ucrânia, ou seja, se eles vão se defender e entrar em uma guerra mais prolongada, bem como sobre as respostas da OTAN.

Falando sobre os mercados e a reação que vem ocorrendo nos preços de ativos pelo mundo afora, vem ocorrendo um clássico movimento de aversão a risco, chamado de risk off, com investidores tirando o risco da mesa e o mercado começando a precificar um cenário de uma possível estagflação, ou seja, uma desaceleração econômica, aliada com uma inflação mais elevada por mais tempo.

Logo de manhã as bolsas tiveram uma forte queda, as bolsas da Europa caíram 5%, as bolsas nos Estados Unidos caíram entre 2% e 3%, inclusive o índice Nasdaq entrando no território de Bear Market, que é vinte por cento de queda do pico recente e a bolsa da Rússia caindo 45%hoje até serem suspensas as negociações por lá.

O Brasil que estava com os ativos e indo bem até agora, apresentou queda na bolsa, mas menos que outras bolsas, caindo um pouco menos de 2%. Posteriormente, o mercado recuperou um, as bolsas ainda estão em queda lá fora, mas uma queda menor, que veio logo após o anúncio que o presidente Biden falaria, já que os mercados esperavam  anúncios de sanções mais forte por parte dos Estados Unidos e isso fez o mercado melhorar um pouquinho. 

Porém, ainda há um cenário de aversão a risco. Alinhado com a queda das bolsas e essa aversão a risco maior, está havendo uma alta muito forte das commodities mais impactadas por essa invasão da Ucrânia, principalmente aqui no caso do petróleo e do gás natural. O petróleo passou dos dos US $100 o barril e chegando a US$ 104 o barril, subindo mais de 8% na manhã de ontem. O gás natural na Europa também subiu 30% na manhã de ontem, porque a Rússia exporta gás natural para Europa. Quarenta por cento quase do gás natural que a Europa consome vem da Rússia. Obviamente,  os investidores estão precificando riscos de oferta nessas duas commodities.

Mesma coisa para os grãos. O mercado de grãos está operando com limite de alta para o trigo, que está voltando para os maiores níveis de preços desde 2012, subindo em torno de cinco a seis por cento. Além disso, a Ucrânia é um exportador relevante de milho, o terceiro maior exportador do mundo, de forma que o milho também subiu em torno de 4%.

Além dessas commodities que têm esse efeito mais claro de potencial impacto na oferta, o ouro está atuando, como sempre ocorre nesses momentos. Os investidores procuram aqueles famosos portos seguros, que a gente chama em inglês de safe haven. O o ouro subiu três por cento ontem de manhã, e depois passou a subir menos, um por cento, mas ao longo desse último mês o ouro voltou a retomar um pouco do seu brilho voltando a subir de preço porque os investidores estão tirando o risco da mesa e o ouro acaba sendo uma uma opção óbvia para os investidores.

Além das commodities, no mercado de moedas os investidores estão reduzindo o risco de moedas emergentes e voltando para o dólar. Então, o dólar voltou para um cenário de alta e moedas emergentes sofreram bastante ontem, principalmente as moedas do leste europeu. O rublo agora está depreciando sete por cento, a moeda da Hungria, Polônia, República Tcheca depreciando entre três a quatro por cento. Mas outras moedas emergentes também sofreram, que é o caso do Real. Anteontem o dólar contra o Real chegou a quebrar a barreira dos 5 Reais por um período muito curto, mas chegou a R$ 4,99, hoje a gente já tá vendo a nossa moeda voltando para R$ 5,13, devido a esse movimento natural dos investidores voltando para o dólar e saindo de moedas emergentes.

Nessa mesma toada, os títulos dos governos também são ativos que atuam como um porto seguro para os investidores. Assim, os títulos dos governos, tanto dos Estados Unidos quanto da Europa estão em alta por conta desse movimento de aversão a risco e os investidores lá fora saindo de bolsas e ativos mais arriscados migrando para renda fixa.

O mercado de criptos também está em forte queda, porque as criptos são vistas pelo mercado como um ativo pró-risco, ativos que têm uma correlação grande com as bolsas e com ativos de risco.  Então nesse momento de maior aversão a risco a gente, as criptos estão sofrendo bastante. 

A sugestão da XP é para ter calma nesse momento. O mercado deve dar uma boas oportunidades para investir a preços atrativos, mas é sempre muito difícil tentar acertar qual é o momento do fundo e se as coisas podem ou não piorar mais. Então, nesses momentos,  além de manter a calma, é muito importante manter caixa na carteira, nos investimentos,  para que possa navegar por uma volatilidade maior no mercado. 

O mercado lá fora já vinha sendo muito volátil esse ano, não só por conta dos riscos geopolíticos, mas também por toda a mudança de política monetária que está ocorrendo nos países desenvolvidos e essa inflação mais elevada por mais tempo. Então, o mercado já vinha com uma volatilidade grande, as tensões geopolíticas obviamente entram para a lista de mais riscos nesse ano. Manter caixa é importante justamente para conseguir navegar nessa volatilidade e também a diversificação de ativos na nossa carteira. 

É bem importante manter essa diversificação, se manter investidos também é relevante, porque em crise geopolíticas passadas, o que se observou é que desde 1940 que o mercado tem uma reação forte negativa para baixo. Isso ocorreu em todas as crises geopolíticas passadas. O mercado tende a cair entre sete até quinze por cento como ocorreu em períodos históricos, mas ao longo dos próximos 12 meses, o mercado tende a se recuperar, dependendo, obviamente, de como são as respostas e como é o desenvolvimento daquela tensão geopolítica.

Então, tentar sair do risco completamente, tentar migrar completamente para renda fixa e sair completamente da renda variável também não se mostrou historicamente como sendo uma boa estratégia. A estratégia melhor a seguir nesse momento é: ter caixa, se manter calmo, manter a diversificação, que esse é o segredo para bons investimentos.

Como é que fica o Brasil nessa história? O Brasil, no curto prazo, deve seguir performando melhor outros ativos lá fora, tanto por conta da grande exposição que o Brasil tem nas commodities, tanto a nossa balança comercial, como a bolsa brasileira tem uma grande exposição às commodities. Então, as empresas de commodities se beneficiam obviamente de preços maiores, mas também por uma questão de fluxo. O que a gente tem visto ao longo desse ano é um fluxo muito forte de investidores estrangeiros entrando no Brasil, saindo de países desenvolvidos, saindo de países da Ásia e agora provavelmente também diminuindo a exposição que eles têm na Rússia e olhando para outros mercados e fazer esse rebalanceamento de portfólio.

Tanto o Brasil quanto a Rússia têm quase o mesmo peso no índice de mercados emergentes do mercado de bolsa global. O Brasil e a Rússia têm quase quatro por cento do índice de mercados emergentes, então, se os investidores reduzirem a exposição à Rússia, vão procurar outros mercados onde colocar esse dinheiro e o Brasil tem características parecidas, por ter muita exposição a commodities e ao mercado que acaba sendo beneficiado.

Obviamente, no curto prazo, todos os ativos caem, mas no relativo a XP acredita que os ativos brasileiros possam performar melhor do que outros ativos lá fora, lembrando que essas tensões geopolíticas, essa invasão, vem em um momento de ciclo econômico delicado, porque a inflação lá fora já estava muito elevada. Agora, ela deve ser pressionada ainda mais com essa forte alta das commodities.

Cenário político

A Rússia que tinha se posicionado em posições estratégicas desde em territórios como Bielorrússia e Crimeia, mas também dentro do território ucraniano em províncias separatistas que eles tinham reconhecido. Isso foi um processo, uma escalada das tensões que a gente tem visto ao longo dos últimos dois meses. Faz tempo que as pessoas perguntam: o que o Putin quer com isso? Isso pode ser relevante para entender quais serão os próximos passos. A grande questão que tem sido destacada é o estresse que o Putin põe sobre a entrada da Ucrânia na OTAN.  O Putin defende que a Rússia deveria ter uma barreira de estados com que protegeriam o território de uma possível agressão do ocidente.

Tem muitos especialistas que apontam que na Comunidade Internacional, desde a invasão e a anexação da Rússia da Crimeia, esse cenário já havia sido descartado, da real possibilidade da entrada da Ucrânia na OTAN. Então a gente começa a olhar mais para a possibilidade de outros interesses políticos, como o interesse em consolidação do poder doméstico mesmo em momento em que o Putin está enfrentando mais questionamentos e um cenário econômico não 100% favorável.

Então a gente entende porque nem sempre a lógica das negociações é tão fácil de acompanhar e nem sempre vai ser: “o Putin pede uma coisa, se ele ganha, ainda vai atuar dessa forma”, pelo menos pelo que a gente tem visto ultimamente. Nesse caso, a gente vê muito importante a resposta do ocidente. A gente viu no começo da semana, após o reconhecimento das duas províncias separatistas, o que foi considerado por muitos críticos uma relação bastante leve dos Estados Unidos e dos aliados da OTAN na União Europeia. Entre as sanções que eles impuseram estava a suspensão do Nord Stream 2, o gasoduto que passaria gás da Rússia até a Alemanha, um projeto muito importante porque aumentaria ainda mais a dependência de gás e energética da Europa com a Rússia, e também outras medidas como a sanção de dois bancos do estado e de três indivíduos. No entanto, essas foram muito criticadas, porque alguns destacaram que os principais bancos não foram atingidos e apenas três indivíduos foram atingidos e, desses, um deles já estava nas listas negras dos Estados Unidos há muito tempo. 

A expectativa é que o Biden aumente o tom e as alertas feitas à Rússia para realmente mostrar que Estados Unidos defende os aliados e defende as posturas que assume diante da Comunidade Internacional, principalmente em um momento em que os EUA têm enfrentado uma fraqueza e em seu poder na Comunidade Internacional.

A expectativa são de medidas que atinjam os principais bancos, que comercializam commodities, que são a base da economia russa, podendo haver um impacto maior na economia russa. Além disso, também a expansão dos nomes que estão na listas de possíveis impactos nas sanções, inclusive o próprio presidente, Vladimir Putin, pode estar entre os impactados por sanções. 

Tem também a questão do SWIFT, que é o mecanismo de comunicação para transações internacionais e seriam uma das sanções mais severas que poderiam ser aplicadas para Rússia e tem sido bastante debatida nas últimas semanas. No entanto, não há base para se pensar que essa sanção seria aplicada, pois acabaria colocando em posição ainda mais delicada a posição do dólar como moeda global e é o que os EUA não desejam nesse momento. 

Pensando mais no médio a longo prazo, vale destacar que a China está olhando tudo o que os EUA e os aliados estão fazendo agora com muito cuidado. Como se sabe, Taiwan tem sido um hot topic na política internacional faz muitos anos. A política de reunificação territorial é algo muito importante para a China e que eles têm mencionado mais de uma vez. Assim, o que vemos agora é uma agressão no cenário internacional e a atitude dos EUA vai ser muito importante.

A China reiterou sua aliança com a Rússia. Cada vez mais, a Rússia está dependente da China. Nesse momento, essa aliança é ainda mais importante e mostra que a Rússia não deve ficar totalmente isolada economicamente, o que é bem significativo para as sanções que os EUA e a Europa iriam aplicar. De qualquer forma, as sanções aos bancos da Rússia devem ter impactos negativos para a economia, pressionando a Rússia, inclusive pensando em indivíduos. Muitos oligarcas russos têm suas fortunas em bancos europeus. Ao congelar essas fortunas, impactam-se os aliados de Putin.

A Ucrânia, nos últimos anos, tem desenvolvido seu exército e tem instruído também o cidadão comum a se defender, de forma que esse conflito não deve ser resolvido de um dia para o outro, mas as forças russas são muito mais desenvolvidas e modernas e têm uma capacidade muito maior, não somente militar, mas de ataques cibernéticos e outros tipos de ataques, de forma que espera-se que esse conflito não dure anos, mas sim, seja resolvido relativamente no curto prazo, especialmente porque a XP não vê a possibilidade dos aliados da OTAN, seja a UE ou os EUA entrarem diretamente nesse conflito. Eles podem mandar tropas para os países aliados que estão perto da região para fortalecer as alianças na região, como Polônia, Romenias, mas não diretamente na Ucrânia. Não se espera um conflito direto entre a Rússia e os países da OTAN.

Cenário econômico

O primeiro ponto importante que a gente tem que ter em mente é o fato de que a crise não chega no momento em que o mundo está equilibrado. O mundo já estava muito desequilibrado por conta dos efeitos da pandemia. As políticas econômicas muito expansionistas levaram a pressões inflacionárias pelo lado da demanda, todas aquelas medidas de distanciamento social levaram a uma disrupção nas cadeias globais de valor e de produção. 

Então, o mundo já estava desequilibrado, buscando um reequilíbrio, mas este ainda não estava no radar. Neste ano, as commodities ainda estavam subindo, o petróleo, grãos, a inflação ainda era um risco, isso mesmo antes da ação militar da Rússia. A ação dessa dessa semana intensifica esses fatores.

Do lado da inflação, o que se vê é certamente muito mais inflação de combustível que é um fato que se espalha rapidamente para outros itens da cesta inflação no mundo e também a inflação de alimentos. Os bancos centrais muito provavelmente não reverterão o ritmo de alta de juros, embora até possam dar uma desacelerada. Isso porque esse processo já era necessário antes da crise e não pode parar, até porque, tem um choque adicional de custos vindo por conta da invasão. A política monetária precisa reagir. Com a inflação para cima e a atividade para baixo tem-se a estagflação. A referência histórica é a década de 70, quando houve o choque do petróleo, com aumento de preços em 73 e depois em 79 de novo, obrigando os bancos centrais a pisarem no freio, ocorrendo recessão econômica com inflação para cima. 

O tamanho da recessão vai depender de alguns temas, sendo o principal as sanções. É preciso que as sanções sejam bem pensadas para que não atinja mais mercados, já que a Rússia é uma região muito crítica, produzindo não somente petróleo, mas também grãos, fertilizantes. É preciso calibrar as sanções para que o “feitiço não volte contra o feiticeiro”.

O Brasil segue a mesma linha, de intensificar temas e riscos que já estavam colocados. As pressões inflacionárias aqui devem ser maiores, sendo que já estavam altas. O IPCA de 15 de fevereiro mostrou a inflação rodando a 12% ao ano. Em cima disso, mais um choque de custos e pressão nos combustíveis, certamente o Banco Central não atingirá a meta esse ano, mas pode comprometer a inflação do ano que vem também. O Banco Central não deve subir mais os juros por causa disso, mas talvez precise manter os juros altos por mais algum tempo dependendo da duração da crise. Isso afeta a atividade econômica, levando a uma pitada de estagflação aqui também.

O Real vinha se apreciando nas últimas semanas, basicamente por duas razões. Primeiro, porque estava muito depreciado no ano passado, em R$ 5,70-R$ 5,80, muito distantes dos fundamentos das taxas de câmbio, de R$ 4,40-R$ 4,50, por conta dos riscos políticos e fiscais. Essa percepção de risco pode ter diminuido um pouco no início do ano e o câmbio estava tirando um pouco sua defasagem com o resto do mundo. As commodities em alta também beneficiam a taxa de câmbio, já que o Brasil exporta commodities. 

Tem um outro fator que é o fluxo de recursos para mercados emergentes que o Brasil estava se beneficiando em particular, não só porque o Real estava desvalorizado, ou seja, os preços estavam baratos, mas também porque existe uma certa demanda cativa por ativos de países emergentes, ativos normalmente mais arriscados, mas que têm retorno maior. Como os recursos são volumosos, é preciso buscar mercados líquidos, grandes. Rússia e Turquia são destinos tradicionais de capital emergente, mas esses dois países pioraram muito as perspectivas políticas e econômicas para frente, de forma que tivemos menos competidores, vindo mais recursos para cá.

Agora, uma guerra que tem proporções globais certamente amplia a aversão a riscos em geral dos investidores, o que levou o Real a depreciar. Assim, para o XP, o Real não vai para seus fundamentos de R$ 4,50, mas também não deve subir de novo para R$ 5,60-R$ 5,70, porque temos um novo cenário de fluxo de capitais e de commodities. O câmbio deve ficar em torno dos patamares atuais, mas com volatilidade conforme a crise se intensifica ou se prolonga. 

Commodities de energia e metálicas

A Rússia fornece quarenta por cento do gás que é consumido na Europa, o país é o terceiro maior produtor de petróleo do mundo e o segundo maior produtor de gás. Muito antes da escalada do conflito, o que a gente estava enxergando era um mercado extremamente apertado, estoques em baixa e preços em alta. A economia mundial veio se recuperando, vindo um ritmo de crescimento muito bom, com a reabertura das economias com avanço de programas de vacinação, só que a oferta simplesmente não vinha reagindo tão fortemente quanto costumava reagir no passado com essa escalada de preço, especialmente o shale gas nos Estados Unidos. A produção vem se recuperando desde a queda do auge da produção na pandemia, mas não não vem se recuperando a forma como vinha do

Quando a gente olha o preço de gás natural na Europa, novamente antes dessa escalada do conflito, os preços já vinham quebrando todos os recordes históricos e a situação só não ficou pior porque os Estados Unidos que é o mais importante produtor de gás no mundo redirecionou boa parte do gás liquefeito que geralmente mandava para Ásia, passando a mandar para a Europa.

Com a escalada do conflito da Rússia e da Ucrânia, com o preço do Brent subindo, que é uma tendência, a Europa está numa situação bastante delicada. Eles estão no inverno, a população pode literalmente morrer de frio se a Rússia cortar o gás e isso adiciona um componente de incerteza na forma como o continente reage em termos de sanções ao país.

Do lado da oferta, o que pode dar algum alívio para esse mercado é se sair um acordo com o Irã. Os Estados Unidos estão tentando costurar esse acordo. Se o Irã voltar ao mercado internacional a gente pode ver um milhão de Barris por dia de ofertas sendo acrescentado, o que dá mais ou menos um por cento do consumo global em grandes números. E os Estados Unidos e outros países provavelmente vão aumentar a liberação seus estoques estratégicos de petróleo, que são estoques justamente que os países mantêm para esse tipo de situação.

Esses dois fatores podem trazer um alívio momentâneo. O que a gente tem visto é um cenário em que a oferta não vem reagindo à alta dos preços. Assim, nosso cenário do médio e prazo ainda é de preços em alta, tanto para o petróleo quanto para o gás ao redor do mundo, a menos que a produção shale gas dos Estados Unidos passe a agir de uma maneira mais forte, muito diferente do que vem acontecendo no último ano e meio, dois anos.

Isso é obviamente positivo para as empresas brasileiras que são produtoras de petróleo e gás e coloca também a Petrobras numa situação difícil. A Petrobras vem praticando uma paridade com preço internacional de derivados, porém com muita defasagem. Ela vem meio que usando os estoques a custos mais baixos do passado. Mas assim existe um limite para isso. Se a Petrobras já vem há muito tempo sem reajustar combustível, já acumulou uma defasagem muito alta, o movimento do Real nos últimos dias tinha ajudado a arrefecer um pouco essa defasagem, mas hoje o Brent e o câmbio andaram na direção desfavorável esta a pressão aumentou provavelmente vai continuar colocando pressão na Petrobras, mas hoje ela tem obrigação estatutária de praticar paridade, ainda que com um lag temporal. Então, se o preço mais alto do petróleo permanecer e o câmbio no patamar que está também inevitavelmente em algum momento a Petrobras vai ter que reajustar o combustível.

É importante destacar o alumínio e o ouro, commodities muito beneficiadas por esse conflito. O alumínio já vinha numa escalada de alta, é um metal extremamente intensivo no consumo de energia, as cotações vão subindo muito na esteira do aumento do gás natural e do carvão. Várias funções na Europa fecharam nos últimos meses em função da escalada do preço do gás natural e além de tudo a Rússia é o segundo maior produtor mundial de alumínio depois da China, responde por mais ou menos seis por cento da produção global, sendo boa parte destinada à exportação para a Europa.

Então,se houver sanções econômicas direcionadas a Rússia que afetem a exportação de alumínio, vai adicionar mais um componente de restrição na oferta global deste metal que já está em níveis, em termos de estoques globais historicamente extremamente baixos. Isso é muito positivo para a CBA, porque ela produz alumínio aqui no Brasil a base de energia integrada, é autossuficiente na produção de energia hidrelétrica.

O ouro é um metal que tem geralmente três fatores de impulso: a incerteza geopolítica, um aumento da inflação e a redução dos juros reais. Os três vetores estão sendo positivos para o ouro. Além de tudo, a Rússia é o segundo maior produtor global do mundo, responde por mais ou menos dez por cento da produção mundial. Então acho que a outra

Commodities agrícolas

Já foram registradas altas no trigo, no milho, mas é importante dar um passo para trás para entender o contexto atual do setor agrícola, porque é um momento muito sensível para essa preocupação.  A gente estava com revisões de safras de soja aqui no Brasil, esperando na casa de 144 milhões, começou a reduzir pela 142, já fala-se hoje na casa de 130/132 milhões de toneladas, até algumas estimativas abaixo de 130. Houve uma grande revisão por conta da quebra de safra no sul do país por causa da seca. 

Milho é um pouco diferente, que a gente estava falando na casa de 117 milhões de toneladas, seria uma safra recorde muito maior do que do ano passado, que teve seca e impactou muito o safrinha. Então, começamos o ano com condições muito favoráveis na parte agrícola e por conta do La Niña e as secas que levaram à queda na produtividade, foi feita uma revisão do tamanho da safra. Então, já havia um ajuste no cenário de oferta e demanda mundial por conta do Brasil. Esse era o cenário que estávamos há algumas semanas. 

Em paralelo a isso, tem a alta de fertilizantes que vem acontecendo no mundo todo, tanto por conta da alta do petróleo, alta do gás natural, e até partes dos conflitos geopolíticos já impactando. Então, tem um dos maiores produtores mundiais removendo produtos e levando a aumento de preços e uma sinalização de alta de fertilizantes que ia impactar muito a margem dos produtores.

Foi nesse ambiente que surgiu esse conflito entre Rússia e Ucrânia. Os dois países, juntos, somam 17% das exportações de milho, sendo 15% Ucrânia e 2% Rússia. No caso do trigo, juntos os países representam quase 28% das exportações mundiais, com 18% para Rússia e 10% para Ucrânia. São duas commodities muito importantes, as duas que tiveram limite de alta na bolsa e provavelmente vão sustentar a alta em curto prazo. Uma parte dessa alta provavelmente vai ser especulativa.

Existem muitas incertezas. Se tiver restrição às exportações dessas commodities agrícolas, tanto milho quanto trigo, sustenta o patamar mais elevado das commodities no mercado mundial e ajuda, inclusive, nas dinâmicas de custos . O custo está subindo muito para essa safra, o Brasil já plantou a safra de verão de soja e milho então, não sentiu o efeito de custos, mas sentiu o efeito de custos no milho safrinha desse ano. Os EUA tem começo de plantio por volta de abril e já vão pegar fertilizantes mais caros e eventualmente uma curva de preços mais alta para trigo e milho.

Sobre fertilizantes, se Ucrânia e Rússia restringirem as exportações, ou se houver paralisação, ou até mesmo se as sanções impedirem as exportações, terá outra leva de impactos nos custos. Aqui há um ponto chave de análise de commodities mundiais. Estamos falando de commodities subindo de novo por questões climáticas e cenário de oferta e demanda muito ajustado, podendo subir mais por causa do potencial impacto das exportações desses países, e agora uma pressão de custos também do lado dos fertilizantes que poderia pressionar as margens e até limitar a tecnologia utilizada no campo. Nesse cenário, países que o custo de produção são estruturalmente mais baixos, incluindo o Brasil, são menos impactados. 

Com o custo mais baixo, a margem do Brasil é maior. Em um cenário de alta do custo de produção, o Brasil tem mais margem para trabalhar. Antes mesmo da invasão, com o aumento de fertilizantes, os EUA já estavam preocupados e considerando a redução do uso de tecnologia no campo para ajustar os custos de produção e tentar manter algum tipo de margem. No Brasil é diferente, saímos de 2021 com margens excelentes no campo, entrando em 2022 com margens menores, mas ainda assim positivas por conta dos custos estruturalmente mais baixos.

É claro que se tiver uma alta muito grande de fertilizantes, pode ter repercussões de médio prazo. Se Rússia e Ucrânia restringem exportações de fertilizantes e o produtor americano reduz seu uso e sua produção, isso vai afetar a oferta lá na frente impactando as commodities do mesmo jeito.

O mercado mundial hoje está muito sensível a qualquer variável de oferta e demanda, porque o cenário está muito ajustado.

Ao olhar para o outro lado da equação, a indústria de ração animal está sentindo os efeitos da alta dos grãos. No Brasil, o setor de aves e suínos está com margens negativas, o que já é uma fonte de preocupação. Nos EUA, o setor é menos verticalizado. O produtor está sentindo esse efeito de alta dos grãos, tendo início um movimento de descarte de animais por conta disso. Isso em um primeiro momento é positivo para a indústria, mas em um segundo momento restringe a oferta. 

De um modo geral, exportadores de commodities, sejam por questões cambiais, seja por conta da alta das commodities, tem um cenário positivo, enquanto que a indústria processadora, que vai comprar essa matéria-prima, vai ser impactada. No caso do Brasil, a BRF e Seara, por exemplo, que são grandes compradores de milho e soja, vão sofrer com um custo maior e já com um cenário de mercado interno desafiador para repasse da alta de proteínas. Assim, a expectativa é de margens mais espremidas no Brasil no setor de aves e suínos. 

Para as outras proteínas, o cenário é mais misto. De maneira geral, para alimentos o saldo costuma ser positivo, porque é a última linha que a gente corta do orçamento. Esse custo vai ter impacto, mas, na prática, as pessoas vão cortar outros gastos antes de cortar gastos com alimentos. 

Sobre as sanções, muitas vezes os alimentos não são restringidos. Assim, em um primeiro momento não devemos ver efeitos nas exportações do Brasil das commodities agrícolas, mas, ainda assim, levanta-se um sinal de alerta.

Estamos em um momento de alta volatilidade, podendo, inclusive, ocorrer uma ressaca de preços de commodities se não houver restrições nas exportações, ou seja, queda de preços porque já vinham de um bom tempo de alta.

Assista ao vídeo aqui:

Fonte: XP Investimentos.

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