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Rondônia, tragédia na atividade pecuária anunciada e conjectura revelada

Por Oberdan Pandolfi Ermitã1

Como prediz a teoria econômica, em mercados onde não opera a livre concorrência, o preço tente a ser favorável àqueles que detêm poder de mercado, ocasionando vazão de renda para um setor em detrimento do outro. É justamente esta realidade que tem se configurado no estado de Rondônia, a concentração dos abates em mãos de poucos industriais (mais de 60% do abate do estado estava sendo realizado por um único industrial) e a barreira fiscal, que inviabiliza a saída de animais vivos para outros estados, tem permitido aos industriais manipularem preço, pagando menos na @, fazendo com que Rondônia seja, dentre os estados livre de febre aftosa com vacinação, o que menos remunera o produtor.

É sabido que o custo operacional de uma planta frigorífica instalada em Rondônia e outra no norte do Mato Grosso, como em Pontes e Lacerda, é praticamente o mesmo, inclusive coincidindo o custo indexado ao frete dos caminhões frigoríficos. Historicamente, a diferença de preço da @ do boi gordo entre Rondônia e Mato Grosso era de R$ 2,00, aproximadamente o custo do frete para se transportar os animais vivos até aquele estado. Quando a diferença do preço era superior a R$ 2,00 a @, os produtores preferiam vender seus animais para MT, ocasionado escassez do produto em RO, forçando os frigoríficos a elevarem o preço e, assim, reestabelecendo a condição de equilíbrio no mercado. Entretanto, desde 1998, este preço de equilíbrio não é alcançado. Primeiro, devido à barreira sanitária, que perdurou até maio de 2003, que impedia a saída de animais vivos para outros estados. Por último, alcançada a condição de livre de febre aftosa com vacinação, os produtores se depararam com a barreira fiscal, que exige pagamento de R$ 104,40 à vista por boi (12% de ICMS sobre pauta de R$ 870,00), na saída do estado, onerando assim um boi de 18@ em R$ 6,00 por @, para o pecuarista. Desta forma, a legislação fiscal concede aos frigoríficos de Rondônia, o direito de adquirir o boi em pé com rebate de preço igual ao valor do imposto (R$ 6,00/@), uma vez que Mato Grosso não reconhece como crédito o imposto pago ao estado de Rondônia.

Por estas razões, a diferença do preço da @ entre RO e MT tem oscilado entre R$ 7,00 e R$ 5,00. Portanto, os frigoríficos em Rondônia têm operado com margem adicional líquida de pelo menos R$ 3,00 por @. Em outras palavras, os produtores têm deixado de receber, no mínimo, R$ 3,00 por @. Considerando o total dos abates do estado, este diferencial de preço configura R$ 75 milhões/ano a menos para a totalidade dos produtores. Estes recursos, portanto, fluem para as mãos de pouco mais de 5 industriais, que em sua quase totalidade não residem no estado, transferindo este excedente para outras regiões do país. Mantendo a barreira fiscal, portanto, o governo está patrocinando o “contrabando de moeda”, ou subtração da riqueza do local onde foi produzida. O argumento de que a barreira fiscal visa proteger o emprego local não é verdadeiro. Primeiro, porque o livre trânsito dos animais simplesmente reestabelece o preço de equilíbrio, num primeiro momento, ocorre escassez de animais, entretanto, quando alcançado o equilíbrio, a oferta de animais é a mesma. Segundo, estes recursos que são subtraídos na economia local, se aqui ficassem, resultariam em considerável efeito multiplicador da renda, elevando a atividade econômica, gerando mais empregos e incrementando a arrecadação do estado. Terceiro, o livre jogo da concorrência faz com que as empresas busquem constantemente a eficiência, ao contrário de proteger a indústria, uma situação de monopólio, como podemos buscar nos anais da história, com o tempo, faz com que a indústria se torne ineficiente, não se adaptando às novas realidades do mercado e, conseqüentemente, entrando em dificuldades.

A situação de monopólio concedia pelo estado ao Sr. Roberto Caldas, fez com que ele não tivesse agilidade e competência para prosseguir atuando no mercado, preferindo vender seu conglomerado e se retirar do mercado. Entretanto, o fez de forma desastrosa para a economia local. Muitos produtores, não estão recebendo pelos animais que foram abatidos durante o último mês de operação das indústrias do Sr. Caldas. Desde o dia 12 de junho, todas as plantas, tanto alugadas quanto de propriedade do Sr. Caldas, não estão abatendo. A notícia é que o grupo Friboi é o novo proprietário, assumindo também o controle de planta de outro industrial, situada na cidade de Cacoal.

Somando a capacidade de abate das plantas que eram tocadas pelo Sr. Roberto Caldas, mais a outra indústria de Cacoal, há mais de 01 semana mais de 70% da capacidade industrial de abate do estado está parada, ainda sem previsão para entrar em operação. A escala nas plantas em operação é superior a 20 dias e o preço da @ foi cotado na ultima sexta-feira, dia 18/06/04, a R$ 45,00, o boi, e R$ 38,00, a vaca.

Pressionado pelos fatos e a realidade, o governo estadual baixou de 12% para 7% a alíquota do ICMS para o comércio do boi vivo. Entretanto, jornais noticiam que a redução da alíquota para o boi em pé é emergencial e temporária, e que o governo irá se reunir no dia 25, pasmem, “…com proprietários e diretores de frigoríficos, para uma avaliação do setor, antes e depois da redução do ICMS” (Folha de Rondônia, 16/06/04, p. 1-3), para somente então decidir sobre a nova alíquota. É inacreditável, mas é o que foi veiculado na imprensa e revela o quanto o nosso governo considera o produtor, quando a alíquota incidente sobre o seu produto é negociada diretamente com o seu adversário, na queda de braço por melhor remuneração. Qual o objetivo do governo quando negocia a alíquota do boi em pé com os frigoríficos, na ausência dos pecuaristas?

Mesmo com a redução do ICMS, possivelmente a situação apenas será amenizada, pois a oferta de animais em Rondônia tende a se elevar muito nos próximos anos, ultrapassando a capacidade de abate das indústrias da região (Vide artigo publicado no Beef Point por Ermita, Foroni e Terra, em 16/01/04), permitindo que os frigoríficos trabalhem com a matéria prima ofertada. Por outro lado, com a entrada do grupo Friboi, o setor estará ainda mais concentrado. Detentor do monopólio, o preço da @ do boi em Rondônia continuará o menor do país, mesmo possuindo um dos melhores rebanhos com aptidão carne do Brasil. Remunerando menos o produtor, a ciranda de expropriação de excedente gerado aqui no estado terá continuidade. O produtor será remunerado o mínimo possível. Grande parte do excedente produzido por mais de 90 mil produtores continuará vazando do estado. Não é necessário grande esforço para perceber o prejuízo que esta vazão de renda representa para a economia de Rondônia, cuja principal atividade é a pecuária. Se melhor remunerado, o produtor sai da situação de extrativista da atividade pecuária para se tornar um empresário, com capacidade de investir em tecnologias, gerando mais empregos, remunerando melhor sua mão-de-obra, alavancando toda a economia e, conseqüentemente, a própria arrecadação estadual. Infelizmente, tudo indica que a ciranda de expropriação tente a continuar.

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1Oberdan Pandolfi Ermita é economista da Método Consultoria

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