Inventário Inicial
8 de setembro de 2000
Considerações adicionais sobre a cadeia da carne bovina
22 de setembro de 2000

Repetições de cios na fêmea bovina

João Paulo Barbuio e Katia Mizuta.

O aumento do intervalo entre partos está condicionado a vários fatores, entre eles, a síndrome das repetições de cios. Esta síndrome se caracteriza por uma infertilidade de duração variável que ocorre em fêmeas bovinas sem que existam alterações aparentes no trato genital. Estas fêmeas, invariavelmente necessitam de mais de três serviços para se tornarem prenhes. O objetivo desta revisão é expor alguns aspectos da síndrome da repetição de cios.

Mecanismo da manutenção da gestação

Aproximadamente entre 75 e 80% das repetições de cios são causadas pela mortalidade embrionária que geralmente ocorre entre os dias 8 e 16 da gestação. Muitas destas perdas são atribuídas a fatores como: desenvolvimento do embrião, condições inadequadas do útero durante a gestação, insuficiente secreção do sinal de reconhecimento materno da gestação produzida pelo embrião e os transtornos relacionados à função do corpo lúteo e o desenvolvimento da maturação folicular. Para a manutenção da gestação é requerido a presença de um corpo lúteo ativo e a produção constante de progesterona. Durante a gestação ocorrem diversos fenômenos fisiológicos, endócrinos e bioquímicos entre o embrião e a mãe, que permitem a manutenção das funções do corpo lúteo e da gestação, os quais devem ser conhecidos para se avaliar a natureza do problema.

Função do corpo lúteo

A regressão do corpo lúteo durante o ciclo estral depende do aumento dos pulsos de prostaglandina (PGF 2a). No período médio do ciclo estral os folículos secretam estradiol, que estimula a síntese de receptores de ocitocina no endométrio. O corpo lúteo secreta ocitocina que age sobre as células glandulares do endométrio e estimula a secreção de PGF 2a. Dessa forma segue-se a lise do corpo lúteo com a subseqüente queda dos níveis de progesterona. Ocorre a ovulação do folículo pré-ovulatório e se inicia um novo ciclo estral. Na fêmea prenhe estes fenômenos sofrem várias mudanças devido à presença do concepto. Desta forma o número de receptores para ocitocina no endométrio são mais baixos e a liberação de PGF 2a pelo endométrio se reduz, em resposta à ação da ocitocina exógena. Em outros estudos foi provado a existência de um inibidor intracelular da produção de PGF 2a (inibidor da prostaglandina sintetase) nas células do endométrio, o qual está presente durante quase toda gestação. Além destas mudanças, existem algumas diferenças entre o endométrio de vacas cíclicas e vacas prenhes. Vacas prenhes apresentam uma redução do nível de ácido aracdônico, precursor das prostaglandinas. Está claro que o endométrio de fêmeas prenhes apresenta um estado fisiológico, no qual predominam os fenômenos anti-luteolíticos, que reduzem a secreção de PGF2a.

Papel do concepto

O concepto também participa da manutenção da gestação bloqueando a luteólise. Esta capacidade é adquirida entre 12 e 17 dias e o fator responsável por esta ação é a proteína trofoblástica alfa interferon bovino. Esta proteína se origina do trofoblasto e sua secreção aumenta com o tamanho do concepto. Foi demonstrado que a proteína trofoblástica introduzida no útero entre os dias 12 e 14 do ciclo estral diminuiu a capacidade do estradiol e da ocitocina em induzir a secreção de PGF 2a e aumentou a atividade do inibidor da síntese de PGF 2a, causando o aumento do intervalo do ciclo estral.

Fator genético

De maneira geral tem-se demonstrado que a consagüinidade entre raças e a presença de certas aberrações cromossômicas estão associadas à ocorrência da síndrome. O efeito paterno se manifesta em termos de fertilização enquanto o materno, sobre a implantação e mortalidade embrionária precoce.

Fatores climáticos

Dentre os fatores climáticos o estresse calórico constitui o principal fator que contribui para a diminuição da fertilidade, provocando trocas metabólicas, endócrinas e do meio uterino, cuja conseqüência é a diminuição da fertilidade, pela redução da taxa de fecundação ou pelo aumento da mortalidade embrionária. O efeito do estresse calórico sobre a fecundação afeta o processo de capacitação espermática, o transporte do ovócito e a fertilização, além de provocar a redução do tamanho e o desenvolvimento embrionários e aumentar o número de embriões degenerados, que apresentam menor capacidade de produzir o complexo de proteínas responsáveis pelo reconhecimento materno da gestação.

Fatores nutricionais

A deficiência de energia reduz o desenvolvimento folicular, o nível de produção de 17beta-estradiol pelo folículo e aumenta o número de folículos atrésicos e de ciclos anovulatórios. Em outros casos, reduz o tamanho do corpo lúteo, diminuindo a secreção de progesterona afetando a taxa de glicose no fluido uterino e prejudicando a sobrevivência do embrião durante as primeiras etapas de desenvolvimento. As deficiências minerais que se associam à síndrome de repetições de cio são: cálcio, fósforo, magnésio, cobre, zinco, iodo, manganês e cobalto. As vitaminas mais importantes que afetam o desempenho reprodutivo são: vitamina A, beta-caroteno e vitamina E. A deficiência destas vitaminas está relacionada ao aumento de número de serviços por gestação, taxa de não fertilização do ovócito, mortalidade embrionária e aborto precoce.

Balanço endócrino e meio uterino

O estro, a ovulação, a fertilização e o desenvolvimento do embrião são fenômenos estreitamente controlados por um número de eventos hormonais sincronizados. Segundo alguns autores, a assincronia endócrina durante o proestro, estro, metaestro e os primeiros dias de gestação podem induzir a repetições de cios. Desta forma, as falhas na fertilização podem ser originados por uma desproporção na produção de hormônios gonadotróficos hipofisários e os esteróides ovarianos. A baixa concentração de LH plasmático foi relacionada com maior porcentagem de embriões degenerados em novilhas repetidoras de cio. Assim como níveis elevados de progesterona plasmática no dia do estro, com baixa taxa de fertilidade. De acordo com vários autores, a disfunção do corpo lúteo se constitui em uma das causas importantes de baixa fertilidade após a inseminação artificial. A disfunção do corpo lúteo se manifesta ou por uma diminuição da secreção de progesterona ou por uma vida curta do mesmo. O mecanismo que induz esta disfunção não está completamente esclarecido, entretanto sugere-se que podem ser devidos ao inadequado desenvolvimento do corpo lúteo, diminuição da ação luteotrófica do LH ou à prematura liberação de PGF 2a. A composição bioquímica do meio uterino e sua relação com a síndrome das repetições de cios foi estudada por alguns autores e verificaram que em vacas e novilhas repetidoras de cio, o fluido uterino possui uma concentração mais baixa de sódio, potássio, glicose, proteínas totais, albumina e globulinas e níveis mais altos de cálcio e zinco, em relação às fêmeas férteis. Estes resultados indicam que um desbalanço do meio uterino pode ser causa de baixa taxa de concepção. Entretanto os conhecimentos atuais ainda são insuficientes para sabermos a causa destas disfunções e muito menos sobre a utilização de métodos para prevenir este fenômeno.

Implicações

As estratégias que miminizam a mortalidade embrionária precoce podem ser realizadas pela aplicação de GnRH, entre 11 e 13 dias após a inseminação artificial, para a obtenção de um corpo lúteo acessório e pela utilização de dispositivos intravaginais de progesterona durante o período crítico de reconhecimento materno da prenhez. Entretanto, é importante determinarmos a causa, para a partir daí, avaliarmos as medidas de controle. O valor de cada animal deve ser determinante na tomada de decisão. O descarte deve ser a opção quando a síndrome for de origem genética.

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