Boi gordo: mercado fecha a semana em baixa
4 de maio de 2009
Intensificando a produção e a utilização de pastagens
6 de maio de 2009

Reduzindo as pegadas ambientais na indústria de carnes: um estudo australiano – parte 2/2

Uma das principais questões que a indústria de carnes enfrenta no sul da Austrália é a competição pelo uso da terra. Isso é um problema ambiental comum para produtores nos Estados Unidos, Canadá e Europa. O acesso a regiões costeiras ou lagos e parques nacionais é outra característica comum de locais desejáveis para pessoas urbanas ricas, que buscam um descanso da cidade. Infelizmente, as empresas de carnes e de criação pecuária, embora já tenham sido parte da atração desses locais, rapidamente se tornaram sujeitas a críticas por seus impactos ambientais pelas novas pessoas que chegam. O potencial da indústria de carnes e de criação pecuária para a redução de suas pegadas ambientais depende de pesquisas rurais e dos líderes de comunidades rurais priorizarem a pesquisa ambiental, estimulando programas dedicados a lidar com a questão dos animais e o ambiente.

Competição pelo uso da terra

Uma das principais questões que a indústria de carnes enfrenta no sul da Austrália é a competição pelo uso da terra. Isso é um problema ambiental comum para produtores nos Estados Unidos, Canadá e Europa. O acesso a regiões costeiras ou lagos e parques nacionais é outra característica comum de locais desejáveis para pessoas urbanas ricas, que buscam um descanso da cidade. Infelizmente, as empresas de carnes e de criação pecuária, embora já tenham sido parte da atração desses locais, rapidamente se tornaram sujeitas a críticas por seus impactos ambientais pelas novas pessoas que chegam.

Com o aumento da povoação e a maior riqueza dos que chegam, novos confortos e atividades estão sendo desenvolvidas que, algumas vezes, estão em divergência com algumas práticas agrícolas, como pulverização ou até desmame. As pessoas rurais, incluindo os pecuaristas, que têm terras nessas zonas de competição, podem de fato requerer mais ajuda com complexo social, política, problemas legais e econômicos do que com aspectos técnicos da produção agrícola. A existência de uma classe média urbana que tem aumentado os gastos para apreciar os “confortos naturais” das áreas rurais próximas das capitais acrescenta outra dimensão de dificuldade para as questões ambientais enfrentadas pelas comunidades rurais.

Em toda a Austrália, existe um crescente interesse em preservar ambientes naturais para recreação e isso cria tensão com aqueles que usam essas regiões para práticas agrícolas tradicionais. Em particular, mais cidadãos estão preocupados com a preservação da biodiversidade e controle de nutrientes em cursos d’água.

Escassez de água

A Austrália é o continente mais seco habitado, de forma que a escassez de água e a seca não são um fenômeno novo. Entretanto, na última década tem se visto seca severa e prolongada em grande parte do lado oriental e do sul do país. De fato, partes significantes do Hemisfério Sul, incluindo o sul da Austrália, têm se tornado mais secas desde os anos sessenta. No sudoeste da Austrália, as chuvas anuais totais declinaram em cerca de 15-20%. No sul de Victoria e partes adjacentes da Austrália do Sul, as chuvas anuais têm sido particularmente baixas desde o meio dos anos noventa. Tem havido um declínio significante nas chuvas de abril-julho no sul da Austrália desde os anos cinquenta. As mudanças nas chuvas têm ocorrido abruptamente e coincidem com um fortalecimento do cinturão de alta pressão em latitudes médias do Hemisfério Sul, durante o outono e começo do inverno.

No Sudoeste de Western Australia, um decréscimo de 10% nas chuvas desde 1970 resultou em uma redução de 40% na correnteza (11). Consequentemente, o sudoeste de Western Australia tem visto um decréscimo nas quantidades de armazenamento e um aumento na dependência de fontes subterrâneas, e dessalinização enquanto as zonas do norte de Western Australia, de acordo com muitas zonas sub-equatoriais e equatoriais, têm apresentado maiores chuvas.

O sudoeste de Western Australia tem sistemas de produção pecuária baseados em pastagens anuais. Cada vez mais esses sistemas têm se degradado, particularmente através dos maiores níveis d’água e da maior salinização. Sistemas de produção pecuária mais sustentáveis estão sendo desenvolvidos e podem ajudar a resolver a degradação de terras através do uso lucrativo de pastagens permanentes. EverGraze é um desses projetos que visam aumentar o lucro rural em 50% enquanto reduz o re-carregamento das águas subterrâneas em 50% nas zonas de altos níveis de chuvas (>600 mm) do sul da Austrália.

O Future Farm CRC está planejando novos sistemas de pastagens em zonas de produção mista de agricultura e pecuária no sudoeste de Western Australia em resposta à seca, mudança climática e baixas perspectivas econômicas para as colheitas. Os novos sistemas serão baseados em plantações permanentes nativas, que significarão uma mudança substancial nos sistemas de produção nessa zona, onde as plantações permanentes atualmente não têm um papel substancial.

O principal efeito do decréscimo nas chuvas no sul da Austrália tem sido a pressão no uso de água fresca para agricultura. Se a indústria de carnes e criação de animais quiser responder adequadamente à escassez de água fresca, então precisa ter uma base razoável para calcular o custo da água fresca para produzir produtos animais. Até agora, calcular o custo de água fresca para cada quilo de bife bovino produzido nunca foi mais urgente ou mais controverso.

A quantidade diária de água de beber para bovinos de corte é calculada em um alcance de 5-10% de seu peso corpóreo por dia, ou seja, 20-40 litros por dia para novilhos de 400 quilos (13). O atual debate sobre a quantidade de água requerida para a produção animal cita valores como 50.000 litros (14) ou 100.000 litros (15) por quilo de carne bovina ou 170.000 litros por quilo de lã limpa (16). Os cálculos de Meyer (1998) são baseados na taxa de evapotranspiração das pastagens, medida como 15 milhões de litros por hectare (16) e então avaliada contra peso nominal, mas razoável, de bife (300 kg) por hectare.

Claramente, esses cálculos colocarão os produtos de origem animal bem acima dos cereais (isto é, 1000 litros por quilo de milho) em termos de requerimentos de água. Entretanto, deve-se questionar se é biologicamente e ambientalmente razoável calcular o consumo de água de animais de pastoreio pela metodologia de Meyer. Se o cálculo é baseado somente na água consumida por um novilho de 300 quilos em uma base diária (isto é, 15-30 litros), então a ingestão anual é de 5.400-10.800 litros. Esse novilho deve produzir aproximadamente 150 quilos de peso carcaça com aproveitamento de 65%, o que significa um total de 97,5 quilos de bife.

Por essa metodologia, a água usada por quilo de bife seria de 5.400 ou 10.800/97,5 = aproximadamente 55-111 litros por quilo de bife, isto é, três ordens de magnitude a menos do que os valores citados por Pearce ou Meyer. Naturalmente, esse tipo de metodologia não leva em contra o total de água usada pela empresa ou a água retornada como urina, nem a água que entra no metabolismo ou é produzida durante o metabolismo de energia.

A nível ambiental, mais do que o nível de produção, a água desviada dos cursos d’água para a produção animal deve ser levada em consideração. Obviamente, o uso líquido da água pelos animais é uma importante lacuna no conhecimento para avaliar as pegadas ambientais da indústria da carne e de criação animal.

Essa questão deve ser avaliada em pesquisas futuras via modelagem do uso da água em produção animal, à medida que a escassez futura de água será determinada em grande medida pela forma que a água é manejada e usada na agricultura. Os vegetarianos argumentam que, em um país como a Austrália, a produção de uma dieta vegetariana requer cerca de metade do consumo de água do que em dietas típicas onívoras contendo carne. O debate futuro centrará no tipo de agricultura que melhor mitiga a taxa de aumento nos gases de efeito estufa. Esse debate terá a eficiência no uso da água como um dos principais fatores mitigadores.

Sustentabilidade de sistemas de alimentação

A eficiência nutricional da proteína usada pelos animais também afeta a sustentabilidade da pastagem ou de sistemas de alimentação. A nutrição de proteínas influencia a produtividade, a lucratividade e a eficiência do uso de nitrogênio (N). A ineficiência no uso de N na agropecuária está se tornando uma importante preocupação ambiental nos Estados Unidos (17).

Na Austrália, o uso de N é uma importante preocupação ambiental durante as exportações de bovinos e ovinos vivos (18). O aumento na eficiência no uso de N, especialmente da eficiência do uso de N absorvido, por unidade de carne produzida, pode ser um importante desafio para as empresas de produção pecuária no futuro. De uma perspectiva do produtor, o custo econômico de perder produção devido à proteína de baixa nutrição excede bastante o custo de fornecer excesso de proteína, como uma margem de segurança.

Entretanto, o excesso de N impacta diretamente no ambiente via eutrofização de rios e áreas pantanosas. O fósforo de fertilizantes para pastagens e colheitas tem um efeito similar de eutrofização especialmente poluindo rios e estuários. Essas são as principais preocupações ambientais que requerem mais pesquisas para otimizar a eficiência nutricional em sistemas pecuários intensivos em particular e pode requerer intervenção legislativa adicional como um direcionador final para redução no impacto ambiental.

Equilibrando preocupações nutricionais e ambientais

A qualidade nutricional da carne na dieta humana não deve ser perdida no debate sobre os impactos ambientais da indústria de carnes e de criação pecuária na Austrália. A carne é uma fonte de proteína de alta qualidade e uma excelente fonte de ferro e zinco biodisponível.

Esses dois minerais essenciais são muito difíceis de serem encontrados em cereais e vegetais, porque estão presentes em pequenas quantidades ou com baixa disponibilidade, ou os dois. Por exemplo, a biodisponibilidade relativa de zinco de fontes animais é de cerca de 100%, enquanto a disponibilidade desse mineral de grãos ou de legumes é altamente variável, ficando em média em 60-70% (19). Além disso, qualquer consideração de redução na produção de carnes vermelhas (e consumo) na Austrália por razões ambientais deve reconhecer nossa necessidade nutricional desses minerais.

Nesta consideração, é necessário levar em conta o impacto ambiental da produção dos alimentos alternativos à carne, usados para preencher a lacuna nutricional. Esse provavelmente seria comparável, se não maior do que na produção de carne. Em segundo lugar, a viabilidade de mudança no uso da terra é problemática – locais de pastagem são tipicamente inadequados para agricultura, principalmente devido à topografia, entre outros fatores. Se essa terra não fosse usada para pastagem, colocaria uma pressão ainda maior na produção de alimentos e no meio-ambiente em mais terras cultiváveis.

Finalmente, com a produção global de carnes devendo dobrar durante os próximos 50 anos, o impacto ambiental dos sistemas de produção de carne da Austrália e as necessidades tecnológicas precisam ser consideradas contra aqueles sistemas de produção de carne menos sofisticados nos países em desenvolvimento.

Pesquisas futuras

O potencial da indústria de carnes e de criação pecuária para a redução de suas pegadas ambientais depende de pesquisas rurais e dos líderes de comunidades rurais priorizarem a pesquisa ambiental, estimulando programas dedicados a lidar com a questão dos animais e o ambiente. Organizações financiadoras, como o Meat and Livestock Australia (MLA), devem avaliar o escopo das interações animal-ambiente e as variações regionais quanto a sua natureza e extensão. Ao mesmo tempo, o MLA deve identificar áreas de conflitos e prioridades para desenvolvimento de pesquisas. O MLA também deve avaliar a extensão em que pode fazer pesquisas relacionando produção de carne e meio-ambiente nas áreas de mudanças climáticas, proteção da biodiversidade, água, degradação das terras que cruzam as fronteiras.

Com isso, o MLA pode ser o líder nacional em propor diretrizes, documentos políticos e ferramentas de suporte às decisões para mitigar os impactos ambientais do setor pecuário; especificamente, o MLA pode explorar oportunidades para facilitar os esquemas nacionais de certificação em suporte à produção sustentável de animais.

Finalmente, o MLA e outras organizações rurais pecuárias devem explorar ligações com outras organizações, por exemplo, Greening Australia, que já estão planejando suas oportunidades de negócios no comércio de carbono para explorar novas oportunidades de negócios na produção pecuária sustentável. Reduzir os impactos ambientais da indústria de carnes e pecuária pode levar a novas formas de sustentar a lucratividade da indústria.

Referências bibliográficas

1 Food and Agriculture Organisation (FAO) Committee on Agriculture. Managing Livestock-Environment Interactions. COAG 2007/4. Rome: FAO, 2007.

2 Food and Agriculture Organisation (FAO). Livestock´s Long Shadow. Environmental Issues and Options. Rome: FAO, 2006.

3 Asner GP, Elmore AJ, Olander LP, Martin RE, Harris AT. Grazing systems, ecosystems responses, and global change. Ann Rev Environ 2004; 29: 261-99.

4 Stern N. The Economics of Climate Change: The Stern Review. Cambridge: Cambridge University Press, 2006. ISBN-13: 9780521700801.

5 Australian Greenhouse Office. National Greenhouse Gas Inventory 2005. Canberra: Commonwealth of Australia, 2007. ISBN: 978-1-921297-22-9.

6 Wright A-DG, Williams AJ, Winder B, Christophersen CT, Rodgers SL, Smith KD. Molecular diversity of rumen methanogens from sheep in Western Australia. Appl Environ Microbiol 2004; 70: 1263-70.

7 Landsberg J, James CD, Maconochie J, Nicholls AO, Stol L, Tynan R. Scale-related effects of grazing on native plant communities in an arid rangeland region of South Australia. J Appl Ecol 2002; 39: 427-44.

8 McIntyre SK, Heard M, Martin TG. The relative importance of cattle grazing in subtropical grasslands: does it reduce or enhance plant biodiversity? J Appl Ecol 2003; 40: 445-57.

9 Robertson AI, Rowling RW. Effects of livestock on riparian zone vegetation in an Australian dryland river. Regulated Rivers Res Manage 2000; 16: 527-41.

10 Jansen A, Robertson AI. Relationships between livestock management and the ecological condition of riparian habitats along an Australian floodplain river. J Appl Ecol 2001; 38: 63-75.

11 Australian Greenhouse Office. Topic 9: what is causing the rainfall declines over southern Australia-ozone, climate variability or climate change? In: Hot Topics in Climate Change Science. Australian Greenhouse Office, Department of the Environment and Heritage, 2005; 000-00. (Cited 6 June 2007.) Available from URL: http://www.greenhouse.gov.au/science/hottopics.

12 Sanford R, Young J, Ryan J. EverGraze-Development of Profitable and Sustainable Livestock Systems for the High Rainfall Zone of Western Australia. Proceedings of the Australian Agronomy Conference, Australian Society of Agronomy, 13th Australian Agronomy Conference 10-15 September 2006, Perth, WA.

13 Beatty DT, Barnes A, Taylor E, Pethick D, McCarthy M, Maloney SK. Physiological responses of Bos taurus and Bos indicus cattle to prolonged, continuous heat and humidity. J Anim Sci 2006; 84: 972-85.

14 Meyer WS. Water for Food-the Continuing Debate , 1998. (Cited 6 June 2007.) Available from URL: http://www.clw.csiro.au/publications/water_for_food.pdf

15 Pearce F. Thirsty meals that suck the world dry. New Sci 1997; 2067: 7.

16 Meyer WS, Dugas WA, Barrs HD, Smith RCG, Fleetwood RJ. Effects of soil type on soybean crop water use in weighing lysimeters. 1. Evaporation. Irrig Sci 1990; 11: 69-75.

17 VandeHaar MJ, St-Pierre N. Major advances in nutrition: relevance to the sustainability of the dairy industry. J Dairy Sci 2006; 89: 1280-91.

18 Costa ND, Accioly J, Cake M. Determining Critical Atmospheric Ammonia Levels for Cattle, Sheep and Goats. Brisbane: Meat & Livestock Australia Ltd, 2003. ISBN 1 74036 296 9.

19 Baker DH, Ammerman CB. Zinc Bioavailability. In: Ammerman CB, Baker DH, Lewis AJ, . Bioavailability of Nutrients for Animals. San Diego, CA: Academic Press, 1995; 375.

Artigo baseado no trabalho de Nick D Costa chamado “Reducing the meat and livestock industry´s environmental footprint”, Nutrition & Dietetics, Volume 64, Issue s4, Pages S185-S191, de agosto de 2007.

0 Comments

  1. Alessander R Vieira disse:

    Parabéns a Juliana pelo artigo,

    Em visita técnica a Austrália uma das coisas que mais nos chamou a atenção foi a escassez de água, existem poços sub-terrâneos a mais de 700 m de profundidade. Caso a sua fazenda queira aumentar o número de cabeças, você tem que comprar o direito de uso de água de um vizinho, você não pode simplesmente passar a usar mais água, isso impõe um limite ao aumento de produção.

    Avaliando apenas este aspecto, a disponibilidade de água que temos hoje no Brasil, ainda é uma grande vantagem comparativa em relação ao potencial de aumento de Produção.

    Temos que ficar atentos para usar esse recurso de forma racional.

plugins premium WordPress