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Recomendações para redução no consumo de carnes vermelhas e gorduras do guia dietético americano têm base científica? – por Nina Teicholz – Parte 1/2

O Guia Dietético para Americanos tem um grande impacto na dieta dos cidadãos americanos e na das pessoas da maioria das nações ocidentais, então, por que os especialistas que aconselham as recomendações dietéticas dos Estados Unidos não levam em consideração todas as evidências científicas? Nina Teicholz, autora do livro “The Big Fat Surprise: Why Butter, Meat and Cheese Belong in a Healthy Diet”, responde.

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O relatório de especialistas que apoia o próximo Guia Dietético para Americanos, dos Estados Unidos, falha em refletir grande parte da literatura científica em suas revisões sobre os tópicos cruciais e, dessa forma, corre o risco de passar uma imagem enganosa, mostrou uma pesquisa do The BMJ. As omissões parecem sugerir uma relutância pelo comitê por trás do relatório e considerar qualquer evidência que contradiga os últimos 35 anos de aconselhamento nutricional.

Lançado a cada cinco anos, o guia tem uma grande influência na dieta dos Estados Unidos, determinando educação nutricional, rotulagem de alimentos, prioridades de pesquisa do governo no Instituto Nacional de Saúde, e programas de nutrição públicos, que são usados por cerca de um quarto dos americanos a cada ano. O guia, que foi primeiramente lançado em 1980, também direciona a política de nutrição mundialmente, com a maioria das nações ocidentais subsequentemente adotando conselhos similares.

As recomendações são baseadas em um relatório produzido por um comitê de aconselhamento – um grupo de 11-15 especialistas que são escolhidos para revisar as melhores e mais atuais informações científicas para fazer recomendações nutricionais que possam promover a saúde e combater doenças. O último relatório do comitê foi publicado em fevereiro e está sob revisão das agências de saúde e de agricultura do governo, que finalizarão as recomendações no outono americano.

A preocupação sobre o relatório desse ano é sem precedentes, com alguns dos 29.000 comentários públicos enviados, comparado com somente 2000 a em 2010. Nos últimos meses, à medida que os oficiais do governo convertiam o relatório científico em recomendações, o Congresso tem procurado intervir. Em junho, propôs um requerimento de que as recomendações sejam baseadas exclusivamente em ciência “forte” e também que foquem nas preocupações nutricionais sem consideração da sustentabilidade. Outros tópicos debatidos incluem reduções recentemente propostas no consumo de açúcar e carnes vermelhas.

Essas questões provavelmente virão à tona na audiência do Congresso sobre as diretrizes nesse mês, quando dois secretários de gabinete deverão testemunhar.

O BMJ também descobriu que o relatório do comitê usou padrões científicos fracos, revertendo os esforços recentes do governo de fortalecer o processo de revisão científica. Este retrocesso parece ter tornado o relatório vulnerável à polarização interna, bem como a agendas externas.

O relatório de 2015 afirma que o comitê abandonou métodos estabelecidos para a maioria de suas análises. Desde sua origem, o processo de recomendações dietéticas sofreu de uma falta de métodos rigorosos para revisão da ciência de nutrição e doenças, mas um esforço importante foi feito em 2010 para implementar revisões sistemáticas dos estudos para trazer rigor científico e transparência para o processo de revisão. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estabeleceu a Nutrition Evidence Library (NEL) para ajudar a conduzir revisões sistemáticas usando um processo padronizado para identificar, selecionar e avaliar estudos relevantes.

Entretanto, em seu relatório de 2015, o comitê disse que não usou as revisões do NEL para mais de 70% dos tópicos, incluindo alguns dos mais controversos em nutrição. Ao invés disso, o comitê confiou em revisões sistemáticas feitas por associações profissionais externas, quase que exclusivamente a Associação Americana do Coração (AHA) e a Faculdade Americana de Cardiologia (ACC), ou procedidas a uma análise an hoc da literatura científica sem um critério sistemático bem definido para como os estudos ou os documentos de revisão externos foram identificados, selecionados ou avaliados.

O uso de revisões externas por associações profissionais é problemático, porque esses grupos conduzem revisões de literatura de acordo com diferentes padrões e são apoiados por companhias de alimentos e medicamentos. O ACC reportou que recebeu 38% de suas receitas da indústria em 2012, e a AHA reportou que 20% de sua receita veio da indústria em 2014. Os potenciais conflitos de interesse incluem, por exemplo, décadas de suporte de processadores de óleos vegetais, cujos produtos a AHA promoveu por muito tempo para a saúde cardiovascular. Essa confiança em grupos apoiados pela indústria claramente prejudica a credibilidade do relatório do governo.

Gorduras saturadas

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Sobre as gorduras saturadas, por exemplo, o comitê não pediu ao NEL para conduzir uma revisão formal da literatura dos últimos cinco anos, embora esse assunto claramente merecesse uma reavaliação. Quando o comitê começou seu trabalho em 2012, havia vários estudos proeminentes, incluindo meta-análises e duas importantes revisões (uma sistemática) que falharam em confirmar uma associação entre gorduras saturadas e doenças cardíacas.

As restrições das gorduras saturadas têm sido a base da política de nutrição desde as primeiras recomendações em 1980 e têm tido um papel dominante na determinação de quais alimentos, como lácteos com baixo teor de gordura e carnes magras, são considerados “saudáveis”. Ao invés de requerer uma nova revisão do NEL da literatura recente sobre esse tópico crucial, entretanto, o comitê em 2015 recomendou a extensão do atual teto para gorduras saturadas, de 10% das calorias, baseado em uma revisão da AHA e da ACC, em uma revisa da NEL de 2010 e uma seleção ad hoc do comitê em 2015 de sete estudo de revisão.

A revisão sistemática da NEL sobre gorduras saturadas em 2010 cobre somente a literatura publicada de 2004 a 2009, período em que o comitê tinha sido solicitado a revisar. Menos de 12 pequenos estudos foram citados e nenhum apoia a hipótese de que as gorduras saturadas causam doenças cardíacas.

Mais significativo ainda, essa revisão omite um grande estudo controlado, o Women’s Health Initiative, que incluiu quase 49.000 pessoas, e que teve uma ingestão significativamente menor de gorduras saturadas no grupo de intervenção, comparado com o controle, e não observou benefícios para esse grupo na incidência de doenças cardíacas fatais e não fatais e nas doenças cardiovasculares no total, incluindo derrame.

Estudos sobre gorduras saturadas publicados desde 2010 foram cobertos pela revisão ad hoc do comitê, que não usou um método sistemático para selecionar ou avaliar os estudos. Uma das meta-análises citadas foi sem dúvida inapropriadamente incluída, porque considerou óleos vegetais poliinsaturados ao invés de gordura saturada. Outra análise citada em grandes detalhes já tinha sido coberta pela revisão da NEL de 2010, de forma que incluí-la novamente acabou dobrando seu peso. Três meta-análises conduzidas concluíram que as gorduras saturadas não aumentam a mortalidade cardiovascular, mas o comitê minimizou essas descobertas. E duas outras meta-análises incluídas tiveram resultados mistos: gorduras saturadas geralmente pareceram mais aterogênicas do que as gorduras poliinsaturadas, mas menos aterogênicas do que os carboidratos ou gorduras monoinsaturadas. Apesar dessas evidências conflitantes, entretanto, o relatório do comitê conclui que a evidência da relação entre consumo de gorduras saturadas a doenças cardiovasculares é “forte”.

Talvez mais importantes são os estudos que nunca tinham sido revisados sistematicamente por nenhum comitê de recomendação dietética. Esses incluem grandes estudos controlados e aleatórios financiados pelo governo sobre gorduras saturadas e doenças cardíacas dos anos sessenta e setenta. Juntos, esses estudos acompanharam mais de 25.000 pessoas, algumas por até 12 anos. Esses são alguns dos estudos mais ambiciosos e bem controlados sobre nutrição já realizados. Esses estudos mostraram resultados mistos para gorduras saturadas, mas revisões críticas iniciais, incluindo uma feita pela Academia Nacional de Ciências, que alertou contra o estado inconclusivo das evidências sobre gorduras saturadas e doenças cardíacas, foram recusadas pelo USDA quando lançou as primeiras recomendações dietéticas em 1980. Subsequentes comitês de recomendações nunca voltaram atrás para revisar sistematicamente esses estudos, mas, ao invés disso, confiaram em outros relatórios do governo.

Dietas com baixo carboidrato

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Outro importante tópico que foi revisado de forma insuficiente é a eficácia de dietas com baixo carboidrato. Novamente, o comitê de 2015 não requereu uma revisão sistemática da NEL da literatura dos últimos cinco anos. O relatório informa que isso foi porque, após conduzir “buscas exploratórias” da literatura desde 2000, o comitê descobriu “somente evidências limitadas sobre dietas com baixo carboidrato e saúde, particularmente evidências derivadas de populações dos Estados Unidos”.

O relatório não fornece documentação sobre essas “buscas exploratórias”, ainda que muitos estudos sobre restrição de carboidratos tenham sido publicados em desde 2000, quase todos em populações dos Estados Unidos. Esses incluem nove estudos piloto, 11 estudos de caso, 19 estudos observacionais e pelo menos 74 estudos aleatórios controlados, 32 dos quais duraram seis meses ou mais. Uma meta-análise e uma revisão crítica concluíram que dietas com baixo carboidrato são melhores do que outras abordagens nutricionais para controlar diabetes tipo 2, e duas meta-análises concluíram que uma dieta com quantidade moderada ou baixa de carboidratos é altamente eficaz para obter perda de peso e melhorar os fatores de risco para a maioria das doenças cardíacas em curto prazo (seis meses). Os benefícios para perda de peso nas diferentes dietas tenderam a se convergir durante o longo prazo (12 meses), de acordo com várias revisões, mas uma meta-análise recente descobriu que se os carboidratos são mantidos “muito baixo”, a perda de peso é maior do que com uma dieta com baixo teor de gordura mantida por um ano. Considerando o alto preço dessas considerações e a falta de estratégias existentes para fazer progressos significativos no combate à obesidade e diabetes até agora, era de se esperar que o comitê de recomendações desse as boas vindas às novas e promissoras estratégias dietéticas. É também surpreendente que esses estudos listados acima tenham sido considerados insuficientes para justificar uma revisão.

Novas estratégias

A abordagem do comitê às evidências sobre as gorduras saturadas e as dietas com baixo carboidrato refletem uma falha aparente para resolver qualquer evidência que contradiga o que tem sido o aconselhamento nutricional oficial pelos últimos 35 anos. O fundamento desse conselho tem sido recomendar consumir menos gordura e menos produtos de origem animal (carnes, lácteos, ovos), enquanto mudam a ingestão de calorias para mais produtos vegetais (frutas, vegetais, grãos e óleos vegetais) para uma boa saúde. E nas últimas décadas, esse conselho permaneceu virtualmente sem mudanças.

Como as recomendações obviamente não levaram a uma melhor saúde, entretanto, pode haver uma necessidade de encontrar novas estratégias para lidar com as doenças relacionadas à nutrição. A nova proposta do comitê para um teto de consumo de açúcar é uma ideia. A mudança mais significativa do comitê, que começou em 2010, entretanto, tem sido redobrar seus esforços em direção a enfatizar uma dieta à base de vegetais. Isso pode ser visto de várias formas no relatório de 2015, nenhum deles apoiado por fortes evidências.

Novas propostas para o relatório de 2015 incluem não somente deletar a carne da lista de alimentos recomendados como parte de suas dietas saudáveis, mas também, ativamente aconselhar a redução nas “carnes vermelhas e processadas”. Esse conselho tem sido alvo de muito debate, que os apoiadores das recomendações têm caracterizado de forma bem sucedida como um conflito entre o interesse próprio da indústria de carnes versus os esforços virtuosos para proteger a saúde (e o meio-ambiente). Mesmo enquadrado dessa forma, o debate falha em responder a questão fundamental para a nutrição: a redução do consumo de carnes levará a uma saúde melhor? A consulta da NEL para uma revisão sobre esse assunto leva a um fato surpreendente: uma revisão sistemática sobre a saúde e as carnes vermelhas não foi feita. Apesar de várias análises terem usado “produtos de proteína animal”, essas revisões incluem ovos, peixes e lácteos e, dessa forma, não isolaram os efeitos para a saúde das carnes vermelhas nem de carne de qualquer tipo.

É importante notar que algumas das descobertas do relatório também contradizem o conselho do comitê dietético sobre carnes vermelhas. Por exemplo, para apoiar a ideia de que as carnes vermelhas prejudicam a saúde, o comitê cita repetidamente um grande estudo aleatório conduzido na Espanha. Entretanto, esse estudo não tem a intenção de reduzir o consumo de carnes vermelhas e processadas no grupo experimental, comparado com o grupo controle, de forma que não pode-se dizer que apoia o conselho do comitê. Além disso, o único diagrama sobre carnes vermelhas do relatório do comitê, que plota dados de estudos observacionais, mostra um número aproximadamente igual de benefícios para a saúde associados com dietas ricas em carnes vermelhas que com dietas com menos carnes vermelhas.

Fonte: TheBMJ, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.

1 Comment

  1. Christian Drumond disse:

    Excelente texto !

    Certamente existem interferências de muitas “forças ocultas” ! O que acredito e faço é equilibrar uma dieta saudável que inclui carnes suculentas, horas de exercicio por semana, controle do peso e da mente!
    Parabéns por aprofundarem com excelência em uma questão polêmica e controversa.

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