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Rabobank: permanecem os riscos de outro escândalo de carne de cavalo na Europa

Apesar de as notícias na mídia terem desaparecido – o escândalo de carne de cavalo que surgiu na Europa no começo de 2013 está –  na verdade, em andamento, novos casos suspeitos de carne de cavalo substituindo carne bovina foram reportados em 2014. Embora o escândalo seja centrado na rotulagem errada da carne de cavalo como um ingrediente em produtos de carne, a causa subjacente era a busca incessante por menores preços em curto prazo para insumos em todos os níveis da cadeia de fornecimento, que, em alguns casos, levaram a aparas nas arestas para se alcançar lucros estáveis nos negócios.

Enquanto o foco se estreita sobre o preço, a pressão na margem na cadeia de fornecimento de carne e a falta de segurança na cadeia de fornecimento continua ocorrendo, as chances são de que o escândalo da carne de cavalo não acabará. As soluções são possíveis, mas não simples. Para os processadores de carne e varejistas, a solução está no fortalecimento das cadeias de fornecimento, criando um valor mútuo entre fornecedores e compradores. O modelo dedicado da cadeia de fornecimento é uma forma de fazer isso; garantindo segurança e integridade do produto e distribuindo riscos e benefícios ao longo da cadeia.

Excesso de capacidade de “ampulheta” da cadeia de fornecimento aumenta a pressão

O escândalo da carne de cavalo, que começou no começo de 2013, impactou principalmente a indústria de processamento de carnes da Europa devido à sua indústria específica e às características de mercado. Existem cerca de 13.000 pequenas e médias companhias nessa indústria de 85 bilhões de euros (US$ 116,53 bilhões). Essas companhias predominantemente orientadas ao mercado local são geralmente tomadoras de preços devido ao excesso de capacidade e base de clientes consolidada.

A rápida consolidação do varejo, incluindo o crescimento de lojas de desconto e cadeias de serviços de fast food/rápidos nas últimas décadas produziu uma cadeia de fornecimento na maioria dos países da União Europeia (UE) com uma forma de ampulheta, com uma cintura muito estreita. Em muitos países, os varejistas até se uniram para formar organizações de compras, apertando ainda mais a ampulheta (Figura 1). Por exemplo, na Alemanha, existe cerca de 20 compradores varejistas, com os cinco maiores varejistas tendo uma participação de mercado de 75% em 2013, um aumento de 50% desde 1980. Na Holanda, o número de organizações de compras já declinou para somente cinco.

Figura 1

Além disso, os mercados consumidores geralmente maduros na Europa resultam em forte competição para a participação no mercado varejista. Como resultado, os preços de venda tornaram-se cada vez mais um fator essencial de competição para atrair os consumidores. De acordo com o professor, Chris Elliot, que está conduzindo uma revisão sobre a integridade e garantia das redes de fornecimento de alimentos em benefício do Governo do Reino Unido, “a cultura de compras antagônicas de produtos na cadeia de fornecimento contribuiu para a crença de que quanto menor o preço, melhor”.

Esse é especialmente o caso de produtos alimentícios e de carne processados, de marcas privadas dos supermercados, que são normalmente contratados/licitados por um preço fixo por um período de até um ano. Isso contrasta com os produtos frescos, que são negociados apenas com preços à vista. Além disso, quando as margens do varejista/estabelecimento de foodservice estão sob pressão, os requerimentos de contrato são simplesmente ajustados para baixo com o processador não tendo chance, a não ser ficar ou largar.

Devido à forte competição, as companhias de carnes processadas são requeridas a se adaptar rapidamente a quaisquer faltas, problemas de mercado e/ou flutuações de preços. Para garantir um nível adequado de matéria-prima a um preço acessível, as companhias de carnes processadas tendem a mudar seus fornecedores muitas vezes durante o ano e comprar de diferentes países. Combinado com o uso cada vez maior de matérias-primas homogêneas, volumes relativamente pequenos sendo comprados e rápida mudança entre os fornecedores tornam a indústria altamente vulnerável a “erros” que poderiam ocorrer em qualquer estágio, particularmente devido à falta relativa de transparência na cadeia de fornecimento. Além disso, esse processo reduz o poder de controle da cadeia do processador ou até mesmo demanda de informações sobre a origem para quase nada.

Escândalo da carne de cavalo direcionado pela busca por proteger as margens

Apesar de o escândalo da carne de cavalo ser recente, a busca por preços baixos e o aumento da pressão por mudanças na cadeia de fornecimento estão ocorrendo há muito tempo. Isso levanta a pergunta de por que o escândalo da carne de cavalo, ou da mistura intencional de diferentes ingredientes, não ocorreu até recentemente. Quando se analisa as circunstâncias nos anos antes do escândalo, fica claro que a pressão sobre as margens na indústria de carne processada aumentou desde 2010 devido à redução no consumo de carne. Os fatores subjacentes – crise econômica e aumento dos preços da matéria-prima, que poderia somente ser parcialmente repassado ao consumidor – parecem estar ocorrendo há algum tempo.

Crise econômica acelerou o declínio estrutural no consumo de carnes

Após anos de crescimento, o consumo de carnes da UE declinou de 2007 em diante. Além do declínio estrutural, a combinação de crescente popularidade de alimentos convenientes – que contêm menos carne –, o aumento da conscientização sobre saúde e a redução dos tamanhos das porções, e o impacto da crise econômica alcançando os bolsos dos consumidores resultaram em uma redução clara de 3,8% no consumo total de carnes da UE entre 2007 e 2013 (Figura 2).

Figura 2

Altos custos dos alimentos animais pressionaram os preços da matéria-prima

A combinação do aumento rápido da demanda por carnes da Ásia, crescente produção de biocombustíveis e menor produção induzida pela seca resultaram no aumento dos custos dos alimentos animais desde 2007 (Figura 3). Os altos custos dos alimentos animais levaram a um declínio na produção de carnes da UE e ao aumento dos preços da carne. Entre 2007 e 2013, os preços dos bovinos, suínos e frangos da UE aumentaram em 34,8%, 26,1% e 8,8%, respectivamente, pressionando para cima os custos das matérias-primas dos processadores de carne (Figura 4).

Figura 3

 

Figura 4

Aumento dos preços das carnes repassado somente parcialmente aos consumidores

Os processadores sentem a maioria da pressão do aumento dos preços da matéria-prima à medida que esses custos poderiam somente ser parcialmente repassados aos consumidores. Os maiores preços podem claramente ser vistos pelo desenvolvimento de preços médios nas fazendas e no varejo no Reino Unido e podem, também, ser observados em toda a UE. Entre 2007 e 2013m os preços médios ao produto no Reino Unido aumentaram em 87% para bovinos, 77% para cordeiros e 53% para suínos, enquanto os preços médios varejistas correspondentes para carne bovina, carne de cordeiro e carne suína frescas aumentaram em 48%, 37% e 29%, respectivamente (Figura 5).

Figura 5

A situação para produtos processados é ainda pior. Na Europa ocidental, os preços varejistas de alimentos processados, carnes vermelhas processadas e refeições prontas se moveram dentro de uma faixa de apenas 0,60 euros (US$ 0,82) entre 2003 e 2013. Os preços varejistas aumentaram dos baixos valores de 2009 para valores altos em 2012 em somente 4,6% para alimentos processados, 9,6% para carnes vermelhas processadas e 7,2% para refeições prontas (Figura 6). Isso é claramente menor do que o aumento de preço a nível de fazenda, destacando o caminho que a pressão está construindo na cadeia de fornecimento.

Figura 6

A pressão combinada do menor consumo e dos maiores custos das matérias-primas parece ter impactado nas margens das companhias europeias de carne suína, bovina e carne processada. Comparado com 2007, as margens ebitda  (Lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização) foram claramente menores em 2012 para companhias de carne suína (-0,7%), carne bovina (-0,7%) e especialmente carne processada (-2,5%) (Figura 7).

As margens ebitda na indústria de carne de frango ficaram mais ou menos estáveis devido aos menores preços de venda dos frangos, o que é uma vantagem em tempos em que os consumidores estão se voltando a produtos mais baratos e a carne de frango se adapta melhor em produtos convenientes. Margens ebitda  mais apertadas podem refletir uma série de mudanças na indústria, incluindo uma menor capacidade dos processadores de repassar os efeitos dos maiores custos da matéria-prima em um ambiente varejista competitivo.

Figura 7

A forte pressão nas margens, especialmente para companhias de carnes processadas, forçou os processadores a aumentar seu foco na eficiência e nos custos menores possíveis dos preços da matéria-prima/origem. Isso aumentou a tentação para algumas poucas companhias mais pressionadas de possivelmente melhorar os lucros misturando ingredientes mais baratos na carne que era destinada ao processamento. A mistura de carne bovina moída de vários países, bem como o uso de carne fornecida por plantas não aprovadas ou o uso de carne mecanicamente separada, podem gerar um lucro maior aos processadores do que usar 100% carne moída britânica.

Na visão do Rabobank, o direcionamento implacável em direção ao menor preço possível em todos os níveis da cadeia de fornecimento, combinado com uma estrutura complexa da indústria e uma forte margem de preço ao longo da cadeia de fornecimento desencadearam o escândalo da carne de cavalo. Isso não mudará tão cedo, aumentando os questionamentos sobre o que deveria ser feito para evitar outro escândalo similar.

Todas as companhias têm interesse em uma cadeia de fornecimento “segura”

Logo após o começo do escândalo da carne de cavalo, os governos, junto com as indústrias de alimentos e de carnes, prometeram ações para restaurar a confiança nos produtos de carne e reduzir as chances de outra crise alimentícia.

As ações do governo incluíram execução mais rígida de procedimentos existentes e uma reação mais rápida quando algo parece estar errado. Isso resultou na identificação de alguns novos incidentes suspeitos de rotulagem errada, rastreamento incorreto e uso de matérias-primas proibidas. Apesar do fato de essas ações serem bem vindas, os governos estão cientes de que interferir em um setor já sob pressão deve ser feito cuidadosamente e somente quando está claro que algo está realmente errado, podendo e devendo ser consertado.

Novas regulamentações foram discutidas, mas ainda não foram introduzidas na Europa. A mais importante são os requerimentos de rotulagem do país de origem pela Comissão Europeia para carne suína, de frango e produtos de carne processada, o que seria adicional à regulamentação existente de rotulagem do país de origem para carne bovina fresca. Isso requereria a rotulagem do país do nascimento, criação, abate e processamento. Apesar do atraso da implementação porque o Parlamento Europeu não concordou com os detalhes da proposta da Comissão, a regulamentação deverá entrar em efeito em 2015.

A rotulagem, clara do país de nascimento, criação, abate e processamento certamente aumentará a transparência. Entretanto, à medida que o escândalo começou com a mistura deliberada de carne de cavalo e carne suína, regulamentações mais rígidas do governo e verificações não prevenirão um novo escândalo; isso pode somente reduzir as chances de isso acontecer.

Escândalos somente poderão ser prevenidos onde as companhias também tomarem atitudes

A prevenção de outro escândalo seria direcionada por mudanças implementadas pelas companhias. Se a indústria não toma ações proativas, os regulamentadores serão direcionados a implementar regulamentações mais rígidas que podem ter um impacto maior na indústria. Além disso, cada escândalo resulta em uma perda da confiança dos consumidores e com o consumo de carnes já em declínio estrutural em toda a Europa, a perda de cada consumidor prejudica toda a indústria.

Cada companhia, seja do setor de varejo, foodservice ou de processamento, deve tomar ações apropriadas para resolver os problemas que podem levar ao escândalo, ao invés de simplesmente resolverem os sintomas. Muitas companhias reagiram ao começo do escândalo da carne de cavalo anunciando passos para prevenir uma repetição. Os mais importantes foram:

  • requerimentos mais rígidos dos fornecedores com relação à qualidade do produto, rastreabilidade, etc.
  • testes de DNA nas matérias-primas mais frequentes
  • obtenção local para aumentar a certeza da cadeia de fornecimento e as avaliações envolvidas;
  • determinação de cadeias fixas de fornecimento através do contrato de produtores.

O principal desafio para as companhias será manter essas abordagens ao longo da cadeia de fornecimento, ao longo do tempo, e controlar qualquer aumento de custos.

Modelos de cadeias de fornecimento usados por companhias “vencedoras” servem como um bom exemplo sobre como suprir esses desafios. As companhias vencedoras são aquelas que não foram afetadas de forma adversa pelo escândalo da carne de cavalo; algumas foram capazes de promover a integridade garantida de seu produto e, em alguns casos, assumir posições no fornecimento de companhias impactadas.

As companhias vencedoras geralmente têm um controle claro da cadeia de fornecimento e uma estratégia de obtenção que aumenta seu controle sobre a oferta. Em casos excepcionais, isso envolve integração vertical, tanto envolvendo a produção como o processamento de valor agregado e até mesmo a distribuição e a venda de produtos. Entretanto, dada a pressão sobre as margens o setor de proteínas animais na última década, poucas companhias nesse setor têm uma solidez no balanço para comprar ou desenvolver uma cadeia de fornecimento totalmente integrada.

Companhias vencedoras buscaram fortalecer suas cadeias de fornecimento através de melhora nas relações fornecedor-comprador, apoiadas pela mudança no foco de busca de preços para agregar valor através da cadeia de fornecimento. Um modelo dedicado da cadeia de fornecimento é um exemplo dessa abordagem saindo do tradicional modelo de origem livre. Cadeias de fornecimento dedicadas permitem que companhias de alimentos e agronegócios aumentem o controle da oferta e, como resultado, controlem melhor a pressão e a complexidade (Figura 8).

Figura 8

Cadeias de fornecimento dedicadas dependem de cooperação formalizada e próxima de uma ponta da cadeia à outra, acordos de fornecimento de vários anos e um foco na agregação de valor. As cadeias de fornecimento mais fortes que resultam dessa abordagem também tendem a se caracterizar por melhores fluxos de informações e atributos de transparência que mudam o perfil de riscos associados com as falhas na cadeia de fornecimento que levaram ao escândalo da carne de cavalo.

Acordos de fornecimento de vários anos não são necessariamente baseados em um preço fixo. É normal para esses acordos incluírem uma fórmula que permite que os preços sejam ajustados de acordo com as condições do mercado, permitindo que os aumentos nos custos de produção sejam repassados onde for possível.

As oportunidades para agregar valor estão em cinco áreas bem conhecidas:

  • Redução de riscos. Reduzir a exposição à volatilidade de preços do mercado durante os vários anos e acordos mais estáveis de preços, além da melhora da resiliência aos choques de mercado;
  • Melhora na produtividade. Otimizar a produção através de mais certeza nos fluxos e melhorar o processo de inovação através de melhores percepções sobre as necessidades da cadeia;
  • Melhora do acesso ao capital. Melhorar as oportunidades de investimento através de fluxos de caixa mais estáveis e acordos de fornecimento de longo prazo, e acesso a novos modelos que fornecem uma alavancagem dos parceiros;
  • Acesso a novos mercados. Melhorar a inovação de produtos através do trabalho com redes parceiras para garantir que a oferta atenda as oportunidades;
  • Melhorar a reputação e a marca. Trabalhar com cadeias parceiras para fornecer outros atributos do produto requeridos, como segurança alimentar, integridade do produto e sustentabilidade.

Em uma abordagem de cadeia de fornecimento dedicada, elementos adicionais que serão abordados incluem:

  • Clareza pela qual a companhia assume a responsabilidade, aceita os riscos e recompensa por garantir que a cadeia de fornecimento cumpre com todos os critérios referentes à origem do produto, segurança alimentar e bem-estar animal;
  • Alinhamento claro de incentivos para parceiros da cadeia de fornecimento para trabalhar juntos;
  • Resolver questões de pressão de preços na cadeia de fornecimento.

Os benefícios de fortalecer as cadeias de fornecimento e melhorar as relações de compradores-fornecedores devem estar claros. Na visão do Rabobank, companhias de alimentos e agronegócios envolvidas na cadeia de fornecimento de carnes não devem adotar uma resposta de “não fazer nada” ao escândalo da carne de cavalo. Os benefícios específicos de tomar uma atitude, além das oportunidades genéricas acima mencionadas para agregar valor, são três: reduzir os riscos de outro escândalo de carne de cavalo para um nível aceitável e manejável, evitando, assim, perdas associadas; reduzir os riscos de uma maior intervenção reguladora em um mercado que já está sob pressão, por exemplo, expandindo os requerimentos de rotulagem do país de origem para incluir o país de nascimento; e minimizar os riscos de mais reduções no consumo de carne na Europa, à medida que os consumidores que perdem a confiança na cadeia de fornecimento de carnes se voltam a fontes alternativas de proteínas.

Conclusões

O tumulto e as reações que ocorreram imediatamente após o escândalo de carne de cavalo ofereceram uma oportunidade para uma mudança fundamental na forma como as cadeias de fornecimento de carne são criadas e gerenciadas. Entretanto, com o impacto do escândalo diminuindo, alguns mercados quase retornaram a seu comportamento de antes do escândalo. O direcionamento implacável em direção ao menor preço possível por todos os membros da cadeia, incluindo consumidores, retornou. Mesmo as medidas rígidas de rotulagem propostas pelos governos não reduzirão a pressão sobre a margem ao longo da cadeia.

Para evitar de se envolver diretamente no próximo escândalo, todos os membros da cadeia de fornecimento precisam agir. Somente companhias que montam cadeias de fornecimento em que a segurança e a integridade dos produtos são garantidas, os riscos e as recompensas são justamente compartilhados, e os compradores e fornecedores trabalham juntos para agregar valor, podem se manter confiantes sobre evitar escândalos futuros. Na ausência da ampla adoção dessas medidas, o Rabobank acredita que os riscos de outra crise na cadeia de fornecimento de carnes da Europa permanece por perto.

Fonte: Rabobank, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.

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