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Qualidade total no manejo de bovinos de corte: sonho ou realidade?

Por Mateus J.R. Paranhos da Costa1, Eliane Vianna da Costa e Silva2, Marcos Chiquitelli Neto3 e Marcelo Simão da Rosa3,4

Introdução

A bovinocultura de corte tem se desenvolvido rapidamente nos últimos anos, todavia as pesquisas têm sido direcionadas quase que estritamente às áreas de nutrição, melhoramento genético e reprodução. Apesar dessas abordagens contribuírem muito, trazendo inúmeros benefícios para o setor da carne, o animal acaba sendo comparado com uma “máquina”, dependendo essencialmente da nutrição para responder aos anseios da produção. Essa situação demonstra despreocupação com a biologia do bovino, o que tem limitado o entendimento de algumas respostas encontradas nos trabalhos de pesquisa direcionados ao aumento de produção e/ou à melhoria da qualidade da carne.

Além disso, a implementação de programas de qualidade de carne geralmente têm como ênfase apenas a obtenção de produtos com alta qualidade. Entretanto, tais programas devem considerar mais do que a qualidade intrínseca do produto, orientando o processo produtivo com compromissos com desenvolvimento social e preservação ambiental. Enfim, devem oferecer um produto seguro, nutritivo e saboroso, produzido de forma sustentável com o compromisso de promover o bem-estar humano e animal, sem perder de vista a lucratividade do produtor.

Neste cenário, o estudo do comportamento pode propiciar uma nova perspectiva para o modelo convencional de abordagem científica zootécnica, trazendo luz a situações não consideradas ou mal compreendidas.

A Etologia assume assim, papel importante para a compreensão das necessidades do bovino, bem como das nossas (seres humanos) relações com esses animais. Nesse sentido a literatura sobre a biologia dos bovinos é ainda escassa.

Os programas de qualidade utilizados nas empresas nacionais ou internacionais preconizam inicialmente a compreensão, no sentido mais amplo, das interações existentes entre clientes e fornecedores. Além disso, o conhecimento do conceito processo é um ponto determinante na implementação de qualquer programa de qualidade. Mas, qual a relação existente entre comportamento animal e esses conceitos empresariais?

O conceito de processo diz respeito ao conjunto de fatos e/ou operações interligadas entre si que estão em movimento causando efeitos ou gerando resultados. Destacando-se a grande relevância das ações e decisões tomadas em cada processo nas atividades que o seguem. Como exemplo, podemos citar a grande dependência existente entre as etapas que compõem a cadeia produtiva da carne.

A qualidade do bife que comemos, é diretamente influenciada pelo acondicionamento da carne na prateleira do supermercado que por sua vez é influenciado pelo processo de abate, que sofre interferência do manejo pré abate, que é conseqüência do processo de recria e engorda que é oriundo do processo de cria. Devemos entender ainda, que cada processo é composto por sub-processos e que quanto mais conhecemos os detalhes destes, melhor poderemos interagir para alcançar os resultados desejados.

Esta relação entre processos e sub-processos deve ser interpretada como uma relação entre cliente e fornecedor de maneira a caracterizar o processo anterior como o fornecedor e o processo posterior como o cliente, e que quando melhoramos a qualidade de um processo, necessariamente favoreceremos a qualidade do processo seguinte.

Com um enfoque voltado ao processo produtivo, do nascimento até o abate do bovino, devemos ainda compreender que a definição de cliente e fornecedor pode ir além da relação entre processos e que a caracterização do sujeito pode ser alterada nas diferentes situações. O cliente das nossas ações (aquele que adquire bens ou serviços) é, na maioria das vezes, o próprio gado que recebe a ação, ou seja, recebe a alimentação e recebe o cuidado sanitário, sendo criado segundo as condições ambientais que nós fornecemos.

Nesse contexto, nós somos caracterizados como fornecedores (aquele que fornece bens ou serviços para outros). No entanto, em situações de manejo com o gado (condução dos animais), o animal estará interagindo diretamente com o homem e nesse contexto ele pode ser caracterizado tanto como cliente, recebendo o manejo, ou fornecedor, reagindo ao manejo de maneira positiva ou negativa.

Essa resposta do animal pode ser conseqüência de um conjunto de estímulos, genéticos ou ambientais, todavia a experiência anterior adquirida pelo indivíduo, pode ser um fator preponderante nessa resposta. Uma abordagem mais macroscópica nos leva a entender o bovino, no processo final de produção, após o abate, como sendo também nosso fornecedor oferecendo sua carne com os reflexos da qualidade decorrentes das nossas ações durante o processo no qual éramos fornecedores.

Com essa abordagem podemos imaginar quão preciosas são as informações que caracterizam as necessidades dos animais, neste caso o estudo do comportamento pode auxiliar a compreendê-las de forma mais efetiva e coerente, diminuindo a possibilidade de interpretações empíricas nas observações dos animais e, por conseqüência, facilitando o manejo e melhorando a sua qualidade de vida.

Assim, é importante buscarmos o pleno conhecimento da biologia da espécie bovina, definindo quais recursos são importantes para esses animais e quais as necessidades dos mesmos em relação a eles. Já existe alguma informação disponível na literatura (Phillips, 1993; Albright e Arave, 1997; Paranhos da Costa, 2000); mas ainda há muito que aprender sobre o comportamento dos bovinos e a ecologia nos ecossistemas das pastagens. Entendemos que só a partir da aquisição desse conhecimento estaremos mais bem preparados para definir técnicas de criação e de manejo dos bovinos, atendendo aos interesses econômicos, sem prejudicar o meio ambiente e o bem-estar dos animais.

A aplicação desses conhecimentos na rotina das fazendas é um desafio ainda maior, apesar de existir alguns bons exemplos, indicando que esta estratégia pode trazer ganhos diretos e indiretos para todos os segmentos envolvidos com a produção de carne, há ainda muitas barreiras a serem vencidas, tanto técnicas como culturais. Muitos reconhecem a importância de reduzir o estresse dos animais durante a rotina de manejo, sabem, por exemplo, que animais agitados durante o manejo correm maior risco de acidentes, levando ao aumento de contusões nas carcaças (Paranhos da Costa et al., 1998), além de a carne ficar mais dura e escura (Voisinet et al., 1997). Contudo, poucos reconhecem que esses riscos diminuem quando os animais são manejados com calma e tranqüilidade.

Assim, a falta de conhecimento sobre a biologia da espécie e a nossa resistência (humana) a mudanças na lida com os bovinos, são limitações que devem ser superadas na implementação de programas de qualidade da carne bovina.

Nosso grupo de pesquisa – Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal (ETCO) – tem desenvolvido uma série de pesquisas nesse sentido, contando com apoio da iniciativa privada. Destaque para o Projeto Qualidade Total no Manejo de Bovinos de Corte, desenvolvido em parceria com o Programa Garantia de Origem para a carne bovina do Carrefour, que se caracteriza pela implementação de pesquisas sobre o manejo de bovinos e de um programa de treinamento, com oferta de cursos e oficinas para vaqueiros, gerentes, técnicos, produtores, transportadores e funcionários dos frigoríficos e demais interessados. Estas ações têm recebido apoio das seguintes empresas: Allflex do Brasil, Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores – ANCP, Beckhauser – Troncos e Balanças, Belgo Bekaert Arames S.A., Carrefour Comércio e Indústria Ltda, Fazendas São Marcelo, Laboratório Homeopático Arenales, Pfizer Saúde Animal e Premix Suplementação Animal.

Referências bibliográficas

Albright, J.L.; Arave, C.W.(1997) The behaviour of cattle. CAB International, Wallingford, 305 p.

Paranhos da Costa, M.J.R.; Zuin, L.F.S.; Piovesan, U. (1998) Avaliação preliminar do manejo pré-abate de bovinos no programa de qualidade da carne bovina do Fundepec. Relatório Técnico, 21pp..

Paranhos da Costa, M.J.R. (2000). Ambiência na produção de bovinos de corte. Anais de Etologia, 18: 1-15.

Phillips, C. J. C. (1993) Cattle Behaviour. Farming Press: United Kingdom, 212p.

Voisinet, B.D.; Grandin, T.; O´Connor, S.F.; Tatum, J.D.; Deesing, M.J. (1997) Bos indicus-cross feedlot cattle with excitable temperaments have tougher meat and a high incidence of borderline dark cutters. Meat Science, 46(4): 367-377.

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Por Mateus J.R. Paranhos da Costa1, Eliane Vianna da Costa e Silva2, Marcos Chiquitelli Neto3 e Marcelo Simão da Rosa3,4

1 Depto. Zootecnia, FCAV-UNESP, 14884-900, Jaboticabal-SP (mpcosta@fcav.unesp.br).
2 Departamento de Medicina Veterinária – UFMS, Campo Grande-SP.
3 Programa de Pós-Graduação em Zootecnia – Produção Animal, FCAV-UNESP, Jaboticabal-SP
4 Escola Agrotécnica Federal de Muzambinho-MG.

0 Comments

  1. Fábio Cortez Leite de Oliveira disse:

    Gostaria de parabenizar o grupo ETCO pelo conteúdo do texto que nos aponta o futuro – próximo eu espero – da bovinocultura de corte.

    Fica o desafio de transformarmos o sonho em realidade, obtendo lucro através de processos sustentáveis com qualidade. Talvez o lucro, nesse “futuro”, só exista através disso.

    Estando a qualidade ligada ao bem-estar, a questões sociais, ambientais e de sustentabilidade, seria interessante integrar o manejo com qualidade total dos bovinos e das pastagens.

    Nas pastagens, medidas básicas de sustentabilidade como preservação do solo e da água, da matéria orgânica e da biodiversidade, entre outras, é fundamental.

    E para os bovinos as pastagens devem proporcionar seu bem-estar, com áreas de refúgio, sombra, comida farta, área de cocho etc.

    Vale lembrar que o bom senso e a boa intenção são válidos nessa “luta”, mas a qualidade só vai ser obtida com a mudança de hábitos e atitudes.

    Fica o exemplo do Grupo ETCO e dos parceiros da idéia.

    Parabéns e um abraço

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