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Preconceitos contra a agropecuária brasileira: um depoimento pessoal

Ao ser gentilmente convidado por este excelente site para escrever um artigo para a seção Espaço Aberto, pensei inicialmente em faze-lo resguardado nos conhecimentos técnicos da minha profissão: economista, e aplicados à atividade rural. Mas, desculpem-me meus colegas, acho que o distinto público está meio desencantado conosco, e principalmente com a nossa linguagem, o “economês”. Cometo este artigo portanto, em termos coloquiais.

Em 1972, há exatos 30 anos atrás, eu voltava dos Estados Unidos, onde fiz Pós Graduação em Economia (em planejamento macroeconômico, para ser mais preciso). Aos 26 anos de idade, eu tinha basicamente três opções profissionais:

1. Junto com colegas, dois dos quais chegaram à presidência do Banco Central, montar empresa de consultoria econômica e financeira, ramo ainda pouco explorado na época.

2. Ou trabalhar com meu pai em sua firma de construção civil, o que me traria diversas vantagens: era uma empresa sólida e bem conceituada. E eu poderia continuar a residir no Rio de Janeiro, cidade que adoro.

3. A terceira opção, era a menos atraente (para mim) do ponto de vista profissional, financeiro e social: assumir os negócios agropecuários da família, na época espalhados em quatro estados: SP, PR, MS, MT – e mais quatro criações de gado em regime de parceria. E todos necessitando de medidas saneadoras.

De forma aparentemente contraditória, foi a terceira opção que escolhi. Lembro-me de frase de minha mãe: “Que desperdício. Pós Graduado em uma das melhores Universidades do mundo vai virar fazendeiro, e jogar a vida fora.”

O que me levou a esta decisão? Bem, eu acredito firmemente que só se faz direito, aquilo de que se gosta. E eu sempre persegui a coerência de causa e efeito. Em nenhuma outra atividade isto é tão límpido e cristalino. Tanto em atividades pecuárias quanto agrícolas, nós “plantamos, cuidamos e colhemos”. Olhando para trás, não me arrependo de minha decisão. Poderia ter ficado mais rico, sem dúvida – mas com pior qualidade de vida. Há obstáculos, é claro, mas que atividade não as tem? Se existe uma mágoa, é com o incrivelmente estúpido preconceito que se verifica nas cidades contra atividade agrícola e pecuária, principalmente contra esta última.

A começar pela declaração anual do ITR (DIAC-DIAT), onde apenas da atividade pecuária exige-se “produtividade”. Por quê? Puro preconceito, pois os burocratas imaginam que esta atividade, por ser normalmente exercida via criações extensivas, apresenta baixa produtividade, ou seja, usa mal o solo. Além do mais, não seria uma atividade socialmente útil, pois empregaria pouca mão de obra. Correto? Não, simples desconhecimento, ou, em casos extremos, má fé:

1. Em um país de dimensões continentais, como o Brasil, usar mal o solo seria produzir animais confinados, pois simplesmente o custo de produção seria maior. O Brasil possui grande população de baixa renda, e, assim, a primeira e mais importante função social do agro pecuarista é produzir barato. Nada tenho contra confinamentos, ou pastos rotacionados com cerca elétrica e adubados quimicamente. Nós usamos largamente estes sistemas na Fazenda Água Milagrosa. Estes processos de produção mais sofisticados (e caros) visam a atender nichos específicos do mercado, e não à população em geral. A pecuária de corte, pelo simples fato de ser extensiva, não é necessariamente improdutiva. E se não o for, e produzir bem e barato, estará cumprindo sua função social, de forma exuberante.

2. Outra falácia normalmente levantada contra a pecuária (principalmente a de corte), é a pequena intensidade de uso de mão de obra. Novamente: desconhecimento ou má fé. Em uma fazenda típica de pecuária de corte, realmente poucos são os empregados, embora sempre registrados e com salários acima da média no setor agrícola. Mas o que importa é a cadeia de produção como um todo que, qual uma nascente d´água, começa em uma remota fazenda do Brasil Central, e desemboca como um rio caudaloso numa residência em São Paulo, ou em um restaurante em Amsterdã. A cadeia de produção de carne utiliza mais mão de obra no Brasil que o agro negócio de soja, por exemplo.

3. A pecuária de corte extensiva é a maior inimiga do meio-ambiente. Concordo, se estivermos falando da estúpida e criminosa devastação de certas áreas da Amazônia, onde a destruição sequer é compensada por produção pecuária e agrícola de forma duradoura. Mas, na imensa maioria dos casos, a pecuária extensiva é a atividade agro pastoril que mais preserva o meio ambiente (fauna e flora). A cobertura do capim evita lixiviação e erosão; a contaminação de solo e água por uso de produtos químicos é mínima, se alguma; a compactação do solo é baixíssima, principalmente se comparada a certas culturas, como cana de açúcar; e os bovinos, por natureza, convivem com a fauna da região, sem maiores conflitos.

Se há setor que contribui para o verdadeiro desenvolvimento do Brasil, é o agropecuário: nós temos uma agricultura eficiente, apesar da alta carga de impostos internos, e de injustificáveis protecionismos externos. Nós provemos empregos, distribuímos renda, e somos o único setor da economia brasileira a gerar saldos comerciais positivos (a agropecuária brasileira exporta muito mais do que importa). Eu sou convicto que exercemos a profissão mais nobre, mais útil e mais produtiva do Brasil.

Se existe uma área onde ainda pecamos, é no melhoramento profissional e social de nossos funcionários, e de suas famílias. Veja bem, não estou dizendo que os funcionários de sítios, fazendas ou empresas rurais vivam pior que trabalhadores urbanos. Muito ao contrário, normalmente têm qualidade de vida muito superior, mesmo que recebam salários nominais mais baixos que os trabalhadores das cidades. No campo vê-se pobreza – que é a negação ao supérfluo, mas apenas em certas regiões encontra-se miséria – que é a negação ao essencial.

Podemos e devemos fazer mais. Nem que não seja por bondade, e sim por (saudável) interesse. Na Fazenda Água Milagrosa, depois que foram (com grande atraso, por culpa minha) instaurados programas sistemáticos de treinamento técnico de pessoal, acompanhados de “Manual de Procedimento”; Cursos de utilização de EPI (equipamentos de proteção individual) e prevenção de acidentes de trabalho e de doenças ocupacionais – dirigidas aos funcionários; Cursos de higiene, nutrição e prevenção de doenças – dirigidas às famílias dos funcionários; e mais outras atividades como: curso de gestão de economia doméstica; Prevenção de doenças sexualmente transmissíveis; Demonstrações dos males causados pelo tabagismo, etc. – dirigidas a todos, o que pudemos constatar foi que:

– Caiu o absenteísmo (faltas ao trabalho) de forma geral.
– Reduziram-se as faltas motivadas por algum tipo de doença ou trauma.
– Reduziu-se a rotatividade de pessoal.
– Aumentou a produtividade por funcionário.

Esta é a dívida que creio que sitiantes, fazendeiros e empresários rurais ainda têm com o país. De resto, somos credores da Nação, e não devedores.

Hoje falamos de preconceitos espúrios contra os agricultores deste país, sejam pequenos ou grandes. Se o BeefPoint me conceder outra oportunidade, gostaria de dissertar sobre certos mitos que assolam a agropecuária nacional.

Este artigo foi escrito originalmente para o site BeefPoint – beefpoint.com.br

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