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Possíveis contribuições da pecuária de corte para o combate às mudanças climáticas

Desta forma, fica claro que uma gestão mais eficiente do uso do solo por pastagens se trata de uma importante linha de ação no que se refere ao combate aos impactos da pecuária bovina de corte brasileira, à luz das mudanças climáticas. Um aumento da taxa de ocupação destas áreas poderia levar, mesmo com o aumento do contingente de animais, à liberação de terras para outros usos, como cultivo de lavouras para abastecimento interno, exportação ou mesmo destinação à regeneração da vegetação nativa. Por Giuseppe Cernicchiaro Palermo.

A partir do fim do nomadismo e com o surgimento das primeiras aglomerações humanas fixas, as atividades agropecuárias se tornaram essenciais à sobrevivência destes agrupamentos. Atualmente, os rebanhos de alguns países já atingem níveis industriais, como é o caso do Brasil, que se destaca por possuir o maior contingente de bovinos do planeta, com cerca de 205 milhões de cabeças em 2009. Segundo dados do IBGE, entre 1970 e 2006, os rebanhos destes animais aumentaram em mais de 118%, a uma taxa média de 3,3% ao ano.

Devido às características peculiares da forma de manejo deste contingente no país, as áreas de pastagens, quase que exclusivamente ocupadas por gado bovino, somam 196 milhões de hectares. Assim, percebe-se que a atividade se caracteriza por uma baixa eficiência em termos de ocupação do solo, com 1,08 cab/ha, resultante do baixo nível tecnológico predominante nos pastos brasileiros.

A lógica desta conversão no Brasil é explicada pelo fato da substituição de florestas por pastagens ser considerada, pela legislação brasileira, um uso eficiente da terra, sendo esta prática realizada também para garantir a propriedade da mesma. Como os grandes proprietários (principalmente os da Região Amazônia) estão, muitas vezes, mais interessados em garantir a posse da terra do que na criação bovina propriamente dita, o tipo de pecuária implantado é o mais barato e menos eficiente em termos de ocupação do terreno (mais extensivo). Assim, uma pecuária de relativamente baixo desenvolvimento tecnológico e baixa densidade (1,08 cab/ha) acaba sendo a forma predominante no país. A esta dinâmica soma-se a especulação da terra: uma área “limpa”, desmatada, vale cerca de 5 a 10 vezes mais do que uma coberta com vegetação original amazônica, o que serve de incentivo aos grandes proprietários, cujo objetivo final é muitas vezes a revenda da mesma.

O impacto de criação destes animais sobre os biomas que originalmente cobriam o país é preocupante, visto que ela é considerada uma das alavancas do desenvolvimento nacional atual. A pecuária tem participado com aproximadamente 7,3% do PIB Brasileiro nos últimos 10 anos, mostrando sua importância na economia do país.

A atividade vem sendo baseada em conceitos e incentivos econômicos e fiscais equivocados, característicos de uma percepção de que a floresta era problema e acreditava-se na hegemonia sobre o território por meio da ocupação. A resultante desta conduta é a dimensão do desmatamento dos biomas brasileiros, que sofrem ainda com a expansão da pecuária bovina extensiva, citando-se a Amazônia, cuja maior parte da área desmatada, até 2008, 62,2%, foi destinada a pastos.

A importância deste impacto sobre a emissão de gases de efeito estufa decorre do fato de que tipologias vegetais capazes de estocar até 200 toneladas de carbono por hectare (ton C/ha) em biomassa são substituídas por gramíneas, que em um estado pouco degradado são capazes de estocar somente 8 ton C/ha.

Chama-se atenção para o fato de a maior parte das emissões nacionais de gases de efeito estufa corresponder a Mudança do Uso da Terra e Florestas (Fig. 1). Apesar desta fonte estar agrupada em outro subsetor, sua relação com a pecuária (setor Agricultura) é evidente.

Em estudo recente, profissionais do INPE, EMBRAPA e Universidade de Brasília contabilizaram as emissões, em CO2eq, resultantes da conversão dos biomas Cerrado e Amazônia para pastagens no período de 2003 a 2008 para o Brasil. Para o ano de 2005, percebe-se que esta conversão correspondeu a uma parcela expressiva das emissões nacionais, de cerca de 37% (816,5 Mton CO2eq) do total emitido pelo país (2,2 Gton CO2eq) em 2005.

Desta forma, fica claro que uma gestão mais eficiente do uso do solo por pastagens se trata de uma importante linha de ação no que se refere ao combate aos impactos da pecuária bovina de corte brasileira, à luz das mudanças climáticas. Um aumento da taxa de ocupação destas áreas poderia levar, mesmo com o aumento do contingente de animais, à liberação de terras para outros usos, como cultivo de lavouras para abastecimento interno, exportação (evitando a expansão da atividade sobre áreas florestadas) ou mesmo destinação à regeneração da vegetação nativa.

No caso a regeneração florestal em áreas de pastagens, os biomas brasileiros são capazes de retirar da atmosfera, em média, de 27 a 190 ton C/ha, a taxas que variam de 1,75 a 7,23 ton C/ha ao ano (tabela 1), somente em termos de biomassa vegetal viva, considerando uma densidade média de carbono em pastos de 8,05 ton C/ha.

Tabela 1: Incremento anual médio por regeneração e densidades totais médias de carbono na biomassa vegetal viva acima e abaixo do solo nos biomas brasileiros

As formas alternativas de manejo que permitiriam este aumento de eficiência variam desde o simples consorciamento de pastagens com leguminosas (onde há aumento de produção de matéria seca da ordem de 50%, em média), o piqueteamento e rotacionamento (como o conhecido sistema Voisin) até o confinamento do animal, bastante comum nos EUA e na Europa. Com relação a este último, é justificado principalmente pelo inverno rigoroso, sendo necessária a proteção dos animais e a estocagem de alimentos para os mesmos para consumo durante tal estação.

Já para o caso nacional, as alternativas mais interessantes seriam aquelas em que há manutenção dos animais em pastagens, com maiores taxas de lotação. As principais razões para isso são os preços proibitivos da criação em confinamento, principalmente para os pequenos produtores, e o falso conceito de que se trata da alternativa mais eficiente em termos de uso do solo, além da ausência de inverno definido na maior parte do país. Este conceito não leva em consideração as áreas de lavouras necessárias para a alimentação do animal, uma vez que não há mais pastejamento das gramíneas que crescem no solo sob o animal. Quando esta área é considerada, torna-se uma opção menos atraente, como se pode ver na tabela 2.

Tabela 2: Custos de produção por arroba engordada, de infra-estrutura do confinamento e de implementação de digestores anaeróbicos e motogeradores utilizados.

Com relação à remoção de carbono da atmosfera, um aumento de eficiência em 50% da ocupação das pastagens poderia representar um potencial de remoção teórico de mais de 700 Mton CO2eq/ano (700 x 106 ton CO2eq/ano) nos 10 primeiros anos, assumindo a regeneração dos biomas nas áreas liberadas. Esse potencial é ainda maior quando se considerada o piqueteamento e rotacionamento: usando um valor médio de 6 cab/ha (o sistema Voisin é conhecido por possibilitar lotações de até 10 cab/ha, quando associado à fertilização do pasto), esse potencial pode chegar a mais de 1.700 Mton CO2eq/ano. Já o confinamento não é tão interessante, uma vez que seu potencial se equipara ao do consorciamento, porém com um custo muito mais elevado.

Vale a pena chamar atenção para os valores mostrados no parágrafo anterior: eles correspondem a cerca de 32 a 77% do total de emissões nacionais de gases de efeito estufa (ano base 2005). E estes potenciais não dizem respeito à redução de emissões (por desmatamento) propriamente dita, mas a compensação destas emissões, por remoção da atmosfera, através do crescimento de matéria vegetal. Quando considerados juntamente com os potenciais de redução do desmatamento, maior responsável pela emissão destes gases no país, seria possível, em teoria, ter um país carbono neutro ou até um país sumidouro – aquele no qual suas emissões são negativas, ou seja, há remoção de gás de efeito estufa da atmosfera.

 

 

 

 

 

Artigo de Giuseppe Cernicchiaro Palermo, Consultor Ambiental, Biólogo (bacharel em ecologia – UFRJ), M.Sc. em Planejamento Ambiental (PPE/COPPE/UFRJ).

 

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Dissertação de M.Sc., PPE/COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

 

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