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Por que é impossível ser um vegetariano

Caso você tenha esquecido a seção da teia alimentar da biologia da escola, aqui vai um rápido lembrete.

As plantas compõem a base de todas as cadeias alimentares da teia alimentar (também chamada de ciclo alimentar). As plantas usam a luz solar disponível para converter água do solo e dióxido de carbono do ar em glicose, que dá a elas energia que precisam para viver. Diferentemente das plantas, os animais não podem sintetizar seu próprio alimento. Eles sobrevivem comendo plantas ou outros animais.

Claramente, os animais comem plantas. O que não está tão claro desse quadro é que as plantas também comem animais. Elas prosperam neles, de fato (procure no Google “emulsão de peixe”). Em meu novo livro “Uma crítica da defesa moral do vegetarianismo”, chamo isso de transitividade de comer. E argumento que isso significa que ninguém pode ser vegetariano.

Uma propriedade transitiva diz que se um elemento em uma sequência se relaciona de certa maneira a um segundo elemento, e o segundo elemento se relaciona da mesma forma a um terceiro, então o primeiro e o terceiro elementos se relacionam também.

Pegue a frase “você é o que você come”. Vamos dizer, ao invés disso, que somos “quem” comemos. Isso torna a afirmação mais pessoal e também implica que os seres que compõem nossos alimentos não são apenas coisas.

Como seu alimento vive e morre importa. Se somos quem comemos, nosso alimento é quem eles comem também. Isso significa que somos o que nossos alimentos comem em igual medida.

As plantas adquirem nutrientes do solo, que é composto, entre outras coisas, de plantas decompostas e restos de animais. Então, mesmo aqueles que assumem que subsistem somente de uma dieta à base de planta na verdade comem restos de animais também.

Por isso, é impossível ser vegetariano.

Para registro, fui “vegetariano” por cerca de 20 anos e quase “vegan” por seis. Eu não me oponho a essas práticas de consumo. Não é esse meu ponto. Mas eu acho que muitos “vegetarianos” e “vegans” poderiam começar a prestar atenção nas experiências dos seres que compõem nosso alimento.

Por exemplo, muitos vegetarianos citam a senciência dos animais como razão para se abster de comê-los. Mas há uma boa razão para acreditar que as plantas são sencientes, também. Em outras palavras, elas estão bastante cientes e são responsivas ao seu entorno, e respondem, em espécie, a experiências agradáveis e desagradáveis.

Confira o trabalho dos cientistas especialistas em plantas Anthony Trewavas, Stefano Mancuso, Daniel Chamowitz e František Baluška se você não acredita em mim. Eles mostraram que as plantas compartilham nossos cinco sentidos – e têm algo como 20 mais. Elas têm um sistema de processamento de informação hormonal que é homólogo à rede neural dos animais. Elas exibem claros sinais de consciência e intencionalidade. E elas podem até mesmo aprender e ensinar.

É também importante estar ciente de que “vegetarianismo” e “veganismo” não são sempre amigáveis ao meio-ambiente. Veja as pegadas de carbono de seu café da manhã ou quanta água é requerida para produzir as amêndoas que você aprecia como lanche da tarde.

Eu suspeito como alguns biólogos podem responder: primeiro, as plantas não comem realmente, uma vez que comer envolve ingestão – através de mastigação e deglutição – de outras formas de vida. Segundo, embora seja verdade que as plantas absorvam nutrientes do solo e que esses nutrientes podem ter vindo de animais, eles são estritamente inorgânicos: nitrogênio, potássio, fósforo e quantidades traço de outros elementos. Eles são os constituintes de minerais reciclados, desprovidos de quaisquer vestígios de animalidade.

Para a primeira preocupação, talvez ajudaria se eu dissesse que as plantas e os animais fazem uso ou consomem, ao invés de usar a palavra “comer”. Acho que não sou exigente sobre como mentalizo o que comer significa. O ponto é que as plantas ingerem dióxido de carbono, luz do sol, água e minerais que são, então, usados para construir e sustentar seus corpos. As plantas consomem à medida que produzem e não são nem um pouco específicas sobre as origens dos minerais que adquirem.

Com relação à segunda preocupação, por que deveria importar que os nutrientes usados pelas plantas de animais são inorgânicos? O ponto é que eles uma vez tiveram um papel essencial em facilitar a vida de animais. Somos quem comemos somente se comermos a matéria orgânica dos seres que se tornaram nosso alimento? Confesso que não entendo porque isso deve ser assim. Privilegiar a matéria orgânica parece-me um viés de biólogo.

Então, há o argumento de que a reciclagem mineral limpa os nutrientes de sua animalidade. Essa é uma afirmação controversa e eu não acho que isso é um fato que importa. Isso vai para o centro da forma como vemos nossa relação com nosso alimento. Você pode dizer que há questões espirituais em jogo aqui, não somente uma questão de bioquímica.

Vamos ver nossa relação com nosso alimento de uma forma diferente: levando em conta o fato de que somos parte de uma comunidade de seres vivos – plantas e animais – que habitam o local que fizemos de casa.

Somos comedores, sim, e também somos comidos. É isso mesmo, somos parte da teia alimentar, também! E o bem-estar de cada um é dependente do bem-estar de todos.

Dessa perspectiva, o que o autoproclamado “farmosopher” [filósofo acadêmico aposentado que deseja ser um pensador em tempo integral em um ambiente produtivo sumbiótico, agrícola e psicocultural] Glenn Albrecht, chama de sumbiotarianismo (da palavra grega sumbioun, viver junto) tem claras vantagens.

A sumbiocultura é uma forma de permacultura, ou agricultura sustentável. É uma forma orgânica e biodinâmica de produção agrícola, consistente com a saúde de ecossistemas inteiros.

Os sumbiotarianos comem em harmonia com seu ecossistema. Então, eles encarnam literalmente, a ideia de que o bem-estar de nosso alimento – ou seja, nosso próprio bem-estar – é uma função da saúde da terra.

Para que nossas necessidades sejam cumpridas, as necessidades e interesses da terra precisam vir primeiro. E em áreas onde é proibitivamente difícil obter as gorduras essenciais que precisamos somente de óleos, essas podem incluir formas de uso animal – para carne, esterco e assim por diante.

Falando de forma simples, viver a sustentabilidade em determinada área – seja em New England ou na Austrália – pode implicar depender de animais para alimentação, pelo menos, de uma forma limitada.

Toda a vida é ligada entre si em uma teia complexa de relações interdependentes entre indivíduos, espécies e ecossistemas inteiros. Cada um de nós empresta, usa e retorna nutrientes. Esse ciclo é o que permite que a vida continue. Um solo rico e preto é tão fértil, porque é cheio de restos adubados dos mortos junto com resíduos dos vivos.

De fato, não é incomum para pessoas indígenas identificar a veneração de seus ancestrais e sua terra ancestral com a celebração da personagem que dá a vida, a terra. Veja o que diz a ecologista cultural e ativista indígena, Melissa Nelson:

Os ossos de nossos ancestrais se tornaram o solo, no solo cresce nosso alimento, o alimento alimenta nossos corpos, e nós nos tornamos um, literal e metaforicamente, com as nossas terras e territórios.

Sinta-se livre para discordar de mim, é claro. Mas é interessante notar que o que proponho tem raízes conceituais que podem ser tão antigas quanto a própria humanidade. E provavelmente vale a pena tomar algum tempo para digerir isso.

Por Andrew Smith, professor assistente de inglês e filosofia da Drexel University, para o site The Conversation.

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