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Perguntas e respostas sobre Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB)

Por Pedro Eduardo de Felício1

Perguntas e respostas sobre Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB), popularmente conhecida como “doença da vaca louca”.

P: O que é EEB?
R: EEB é a sigla em português utilizada por grandes jornais, como Estadão e Folha de São Paulo, e também pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), do governo brasileiro, para referir-se à doença Encefalopatia Espongiforme Bovina, que é internacionalmente conhecida pela sigla em inglês BSE – Bovine Spongiform Encephalopathy.

P: E como se pode definir a Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB)?
R: Trata-se da doença popularmente conhecida como “mal da vaca louca”, nome este bastante equivocado, tendo em vista que os bovinos (geralmente vacas leiteiras) atingidos pela enfermidade não ficam raivosos, mas sim extremamente sensíveis, assustados, e com dificuldade de locomoção.

A doença é do tipo neurológica degenerativa, crônica, transmissível, fatal, que pertence a uma família de doenças, que é denominada pela sigla, em inglês, TSEs – Transmissible Spongiform Encephalopathies, ou, em português, EETs – Encefalopatias Espongiformes Transmissíveis.

P: Quais espécies animais são atingidas pelas EETs?
R: Várias espécies podem ser atingidas pelas Encefalopatias Transmissíveis, como ovinos e caprinos, pela doença Scrapie (nome científico: paraplexia enzoótica dos ovinos). Cervos e alces pela CWD – Chronic Wasting Disease, ou doença emagrecedora crônica. Felinos pela “EET dos felinos”. Homens pelo kuru, do povo da tribo Fore, de Papua Nova Guiné, que foi encontrada, em 1932, vivendo como na idade da pedra e praticando o canibalismo; entre 1957 e 1975 a doença kuru matou 2500 indivíduos da tribo, na sua maioria mulheres e crianças que comiam os cérebros, enquanto os homens deixavam a “iguaria” para agradá-las, comiam a carne humana e não adoeciam.

P: Outras espécies de animais também podem ser infectadas?
R: O que se sabe é que algumas espécies podem ser infectadas experimentalmente por uma ou mais inoculações com o agente da EEB em caldo de cérebro. É o caso de suínos, de primatas (símios e lemuróides), martas, e cabras. As galinhas não desenvolveram a doença após inoculações por injeção ou exposição oral. E não há relatos de estudos ou ocorrências espontâneas em cães e eqüinos.

P: Há outras dessas EETs que afetam seres humanos?
R: Sim, a seguir encontram-se as mais citadas na literatura especializada:
– A doença de Creutzfeldt-Jakob (CJD), na forma clássica, que atinge um ou dois indivíduos de mais de 65 anos a cada um milhão de seres humanos; também chamada CJD esporádica, somente no Reino Unido, entre 1990 e 31 de janeiro de 2004, causou a morte de 692 pessoas (Unidade de Monitoramento do Mal de Creutzfeldt-Jakob no Reino Unido;).

– A chamada “nova variante CJD”, ou simplesmente vCJD, doença verdadeiramente trágica que atinge jovens e adultos e que é atribuída à infecção pelo agente da EEB por via oral pela ingestão de carne bovina, e derivados, contendo resíduos de sistema nervoso central (cérebro, medula e grandes nervos das proximidades da coluna vertebral).

– A “GSS – Gertsmann-Straussler-Scheinker Syndrome, que está associada a um gene autossômico dominante, e é caracterizada por ataxia crônica progressiva e demência terminal, com duração clínica variando entre dois e 10 anos. Segundo a Unidade de Monitoramento do Mal de Creutzfeldt-Jakob no Reino Unido, de 1992 a 2003, morreram 21 pessoas da doença naquele país”.

– A Fatal Familial Insomnia ou, em português, insônia familiar fatal, que ocorre em indivíduos da mesma família e está associada com mutações no gene PrP, que comanda a síntese de uma proteína específica do tecido nervoso, a mesma envolvida na EEB. Segundo a fonte citada no item anterior, morreram 40 pessoas da doença no Reino Unido, entre 1991 e 2003.

P: Qual é e como é o agente causador das EETs?
R: O agente responsável por essas doenças, que também já foram encontradas em animais selvagens mantidos em cativeiro, que tinham sido alimentados com miúdos de vacas ou ovelhas, tem a natureza de uma misteriosa partícula infectante, que não é vírus, nem bactéria, nem fungo ou protozoário. Trabalha-se hoje com a principal hipótese, dentre duas ou três outras, de que se trata de um Prion (do inglês proteinaceous infectious particle, onde se troca a letra i pela letra o), também abreviada como PrP (Prion Protein), isto é, uma proteína codificada pelo organismo hospedeiro que sofre uma modificação, possivelmente na sua conformação química, e adquire o poder de transformar outras moléculas normais da mesma proteína do sistema nervoso central. Quando se trata da PrP de cérebros normais, abrevia-se PrPc, com c de celular, ou seja normal, mas em cérebros de animais com EEB, abrevia-se PrPsc, com sc de Scrapie, a doença das ovelhas que deu origem aos estudos sobre o tema.

Esta, que hoje é muito mais uma teoria do que uma hipótese, foi desenvolvida e publicada pelo Dr. Stanley Prusiner, da Universidade da Califórnia em San Francisco. Seu artigo intitulado Novel Proteinaceus Infectious Particles Cause Scrapie saiu na revista Science, no dia 9 de abril de 1982, três anos antes do diagnóstico da doença em bovinos. Por este e muitos outros estudos, sobre o “novo princípio biológico de infecção”, o Dr. Prusiner foi agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, em 1997.

Para o referido cientista, o Prion é uma partícula protéica infecciosa resistente à inativação pelos procedimentos usuais de sanificação. Ela é capaz de se multiplicar, promovendo um automorfismo de proteínas normais do sistema nervoso central. É a única molécula orgânica existente no planeta, sem DNA ou RNA, capaz de se auto-replicar. É a mesma proteína PrP das células nervosas que, após uma modificação na sua conformação ou dobradura – uma espécie de “origami molecular sinistro” – adquire a propriedade de modificar a conformação das demais PrPs e faz com que essas, ao invés de desempenharem seu papel estrutural normal, venham a se aglomerar formando placas no tecido nervoso do cérebro e medula.

P: Explique em mais detalhes a EET que atinge seres humanos jovens.
R: Em março de 1996, o governo britânico admitiu que a CJD – Doença de Creutzfeldt-Jakob – que atinge idosos na proporção de um a dois para um milhão – tinha feito 10 vítimas entre adolescentes e adultos no Reino Unido, tendo sido logo denominada vCJD (variante da CJD clássica), por infectar e levar à morte somente indivíduos de até 40 anos de idade. Sabe-se, agora, que um ano antes três pessoas já tinham morrido da doença. Como a EEB, a vCJD é doença degenerativa que afeta o sistema nervoso central e é fatal. Acredita-se que a infecção do ser humano se dê por ingestão de SRMs (tecidos de risco, como cérebro e medula espinhal) de bovino com EEB. O agente da vCJD foi estudado em laboratório, tendo sido verificado que é semelhante ao da EEB até o nível molecular. A vCJD também vitimou pessoas nos seguintes países: França, Itália, República da Irlanda.

Segundo a UK Creutzfeldt-Jakob Disease Surveillance Unit (Unidade de Monitoramento do Mal de Creutzfeldt-Jakob no Reino Unido), da Universidade de Edinburgo, na Escócia, entre 1995 e 31/01/2004, houve no Reino Unido 139 mortes por vCJD, sendo 103 confirmadas, 35 sem confirmação neuropatológica, e uma aguardando confirmação. Também há sete casos de pessoas atingidas pela doença que ainda estavam vivas em janeiro deste ano.

Sabe-se que não há tratamento para a vCJD, no entanto, consta do site da Unidade de Monitoramento de Edinburgo (www.cjd.ed.ac.uk/TREAT.htm), já mencionada, que o grupo do Dr. Prusiner, na Universidade da Califórnia, em San Francisco, estaria recomendando um possível tratamento à base de quinacrina e clorpromazina, entre outras drogas, que poderiam ter algum efeito sobre o Prion, porque são capazes de ultrapassar a barreira cerebral e têm sido empregadas há muitos anos no tratamento de malária. Consta também do mesmo texto que uma jovem de 20 anos, sofrendo de vCJD, teria sido tratada em San Francisco, Califórnia, nos EUA, e seus sintomas neurológicas teriam melhorado.

P: Já que o Prion é resistente à sanificação comum, o que se pode fazer contra ele?
R: O Prion é de fato muito resistente à inativação, seja por processos químicos ou físicos. Por exemplo, congelamento, dessecação, radiação Ultra Violeta, enterramento, digestão por enzimas proteolíticas, e desinfecção química ou pelo calor.

Na publicação “Disease Strategy – BSE, Version 3.0, 2003, Primary Industries Ministerial Council of Austrália and New Zealand“, que pode ser encontrada no site da OIE, consta que os desinfetantes comuns como etanol, formalina, peróxido de hidrogênio, compostos iodóforos e fenólicos, e gases como óxido de etileno e formaldeído, não são efetivos contra o agente da EEB, sendo recomendados os seguintes métodos:
– Hipoclorito de Sódio em solução contendo 2% (20.000 ppm) de íon cloro disponível por mais de uma hora a 20oC. Fazer a desinfecção de equipamentos de um dia para o outro.
– Hidróxido de Sódio 2 M (80 g por litro) por mais de uma hora a 20oC. Esse método pode ser efetivo se a relação álcali /tecido for alta.
– Somente para amostras histológicas pode-se usar ácido fórmico a 96% por uma hora. Mesmo assim, recomenda-se incinerar todo material a ser dispensado.

P: Como a EEB (“mal da vaca louca”) se espalha nos rebanhos bovinos?
R: Não há comprovação científica de que a EEB possa ser contagiosa horizontalmente, ou seja, pelo contato entre animais adultos da mesma espécie ou entre espécies. Também não foi comprovada experimentalmente a possibilidade de contágio vertical, da vaca para o bezerro, ou via embriões transferidos.

No caso da epidemia de EEB no Reino Unido, os levantamentos epidemiológicos sugeriram que a infecção deve ter ocorrido a partir da ingestão de farinha de carne e ossos proveniente de carcaças de ovelhas com a doença Scrapie, conhecida há mais de 200 anos naquele país, porém, sem qualquer registro de cruzamento da barreira entre espécies até recentemente.

Uma outra possibilidade, cada dia mais lembrada, é de que a doença já existiria no gado bovino em níveis tão baixos que não chegavam a ser detectados, ou que o período de incubação era tão longo que o gado era abatido antes de apresentar sintomas. Em ambas as hipóteses, a disseminação teria ocorrido a partir do consumo pelos bovinos, de rações com farinha de carne e ossos contendo resíduos de tecido nervoso de ruminantes afetados por uma EET. Em sua conferência na reunião do Prêmio Nobel, de 1997, o Dr. Prusiner demonstrou-se muito mais favorável à hipótese da farinha de carne e ossos de ovelhas, e apresentou argumentos contrários à da existência prévia da doença no gado bovino.

P: Então, a farinha de carne e ossos é o principal fator na transmissão da EEB?
R: De fato, no caso da doença nos bovinos, a transmissão se dá através do consumo de rações contendo o agente da EEB, enquanto em outras espécies animais há outras possibilidades de contágio, como a transmissão vertical nas ovelhas com a EET Scrapie. Na epidemia da doença, a partir de 1986, no Reino Unido, felinos de zoológico daquele país contraíram a doença comendo tecidos de bovinos afetados, que não estavam sendo devidamente destruídos, isto é, incinerados e enterrados.

P: O que teria mudado na farinha de carne e ossos, que antes não causava doença?
R: É interessante notar que a prática de utilizar farinha de carne e ossos na ração de animais vem da década de 40, mas esta só se tornaria um veículo de transmissão da doença neurológica a partir de uma modificação no processamento – de sebo e das farinhas de subprodutos não-comestíveis – feita ao final dos anos 70. Consta que teria sido eliminado o processo de extração de gorduras das farinhas, com solventes, seja por razões econômicas, seja por questões de segurança dos trabalhadores.

Provavelmente, nunca se saberá se foi por essa modificação no processamento, ou porque, de repente, foi transformado em farinha algum tecido nervoso central com alta capacidade infectante, que talvez não ocorresse até então, e o processo de aquecimento, com ou sem a fase de extração por solventes, não foi capaz de inativar o agente infectante.

P: Como se dá a contaminação do bovino pelo agente da EEB?
R: O relatório da Austrália e Nova Zelândia, mencionado neste trabalho, afirma que a infecção da grande maioria do gado que adoece ocorre nos seis primeiros meses de vida, porém, como o período de incubação é muito longo (em média cinco anos), 90% das ocorrências se deram em gado de 3-8 anos de idade e 10% em animais de 9 ou mais anos de idade; apenas três tinham menos de 30 meses.

P: Quais sintomas os animais doentes, com a EEB, apresentam?
R: Os animais afetados apresentam alterações do comportamento (nervosismo e agressividade), grande sensibilidade à luz, ao som e ao toque, dificuldades de coordenação motora e para ficar em pé, diminuição do leite, perda de peso; a doença sempre evolui para a morte, ou é preciso sacrificar os bovinos enfermos num prazo de dois a seis meses após o surgimento dos sintomas. Não existe tratamento para a enfermidade, nem vacina capaz de preveni-la.

O período de incubação, isto é, o tempo entre a infecção e o aparecimento de sintomas, é de dois a oito anos, em média cinco anos. No Reino Unido, a EEB atingiu principalmente vacas leiteiras com idade variando entre três e seis anos.

A EEB raramente ocorre com manifestação de sintomas, ou como fonte de materiais infectantes, em bovinos de menos de 30 meses.

Ainda não existe um teste laboratorial para detectar a doença no animal vivo, portanto, não se sabe quantos animais foram infectados num rebanho até que manifestem sintomas. A comprovação do diagnóstico é feita na fase post mortem pelo exame microscópico do cérebro ou pela detecção de uma forma alterada de Prion (o PrPsc), parcialmente resistente à proteinase (enzima utilizada nas análises para digerir proteínas), em técnicas imuno-histoquímicas e imuno-químicas; a confirmação é feita por inoculação em camundongos.

P: Outros países, além do Reino Unido, Canadá e EUA, tiveram casos de EEB?
R: Sim, a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) registra os seguintes países que tiveram de um a 13 casos nos últimos 10 anos, sendo que a maioria veio a ter ocorrências a partir de 2000. São eles (no de casos): Áustria (1); Canadá (2); República Tcheca (8); Dinamarca (13); Finlândia (1); Grécia (1); Israel (1); Japão (9); Liechtenstein (2); Luxemburgo (2); Polônia (9); Eslováquia (12), e Eslovênia (3).

Os seguintes países tiveram um ou dois casos, mas em animais importados: Ilhas Falkland (1 em 1989); Oman (2 em 1989) e EUA (1 em 2003).

Os seguintes países apresentaram um grande número de casos após 1990: Bélgica (121); França (849); Alemanha (295); República da Irlanda (1325); Itália (88); Holanda (70); Portugal (847); Espanha (378); Suíça (451). Todos esses países importaram MBM (“meat and bone meal”, em inglês, farinha de carne e ossos, em português), ou animais do Reino Unido, mas principalmente MBM, que foi ministrada a gado jovem.

P: Há recomendações especiais para quem visita países que tiveram casos de EEB?
R: É importante salientar que a situação de cada país vai mudando com o passar do tempo e com as medidas mais ou menos rigorosas que são tomadas pelas autoridades sanitárias, mas uma regra geral, obviamente sujeita a revisão conforme recomendações médicas, seria, na parte alimentar, evitar o consumo de embutidos e congelados de carnes vermelhas. E na parte médica, evitar transfusões de sangue e de hemoderivados em geral. Isto deveria ser observado pelo menos nos países de alta prevalência, como já foi detalhado na pergunta anterior.

Vale destacar novamente, no que diz respeito à saúde sua e de seus familiares, consulte sempre um médico da sua confiança para melhor se informar sobre a prevenção de doenças.

P: Justifica-se alguma preocupação com outros alimentos como o leite?
R: Até onde se sabe, o leite de vaca já foi muito testado, mas nunca foi encontrado qualquer indício de que pudesse estar contaminado pelo Prion das EETs. Entretanto é consenso entre as autoridades sanitárias de que não se deve utilizar o leite de vacas claramente doentes, suspeitas ou de risco. As gelatinas já foram bastante estudadas também, mas nada foi encontrado devido às extremas variações de pH no processo de fabricação. Quanto à utilização da pele bovina (para colágeno usado em cosméticos e produtos farmacêuticos) e de proteína hidrolisada (para diversos fins), recomendam-se as boas práticas de fabricação, a análise de perigos e pontos críticos, e a rastreabilidade individual.

P: Quais são as principais medidas preventivas contra a EEB?
R: As medidas preventivas adotadas pelos países que tiveram casos da doença em seus rebanhos, principalmente o Reino Unido, onde tudo começou e ganhou proporções epidêmicas, são bastante conhecidas, destinadas a proteger os animais e o ser humano da doença. Entre elas destacam-se:

1) A proibição do uso de farinhas protéicas de origem animal nas rações de ruminantes; inicialmente falava-se apenas nas farinhas provenientes de ruminantes, mas em vista do risco de contaminação cruzada de uma farinha a outra, é melhor que se excluam todas as farinhas protéicas de origem animal da ração de ruminantes. No Reino Unido, o uso de farinha de carne e ossos de ruminantes para ruminantes foi banido em 1988, mas foi só em 1996 que o governo britânico decidiu banir todas as farinhas de mamíferos para qualquer espécie animal. No Brasil, a proibição oficial de uso da farinha de carne e ossos de ruminantes para ruminantes é de 1996.
2) A proibição do comércio e utilização para fins alimentícios (de seres humanos e animais de qualquer espécie) de miúdos – cérebro, medula espinhal, gânglios do sistema nervoso ao longo da coluna vertebral, intestino delgado e cabeça exceto a língua – oriundos do abate de bovinos, ovelhas e cabras. Esses tecidos são denominados SRBs – Specific Risk Materials, ou em português, materiais de risco específico. A medida é necessária sempre que exista uma possibilidade real de o agente infectante estar presente nos rebanhos do país ou região.
3) Cremação (incineração ou queima de cadáveres) de animais doentes ou suspeitos de terem sido contaminados e, também dos SRBs (tecidos ou órgãos de risco). O enterramento das cinzas em local apropriado, conforme recomendações oficiais, é necessário. Também vale para bovinos que tenham sido importados de países onde ocorreu, ou veio a ocorrer a doença, permitindo-se que vivam sob vigilância governamental até o final da vida reprodutiva.
4) Obrigatoriedade de comunicação a autoridades governamentais sobre a morte ou o término da vida produtiva de animais importados de países onde a doença já ocorria ou passou a ocorrer após a importação dos mesmos.
5) O fechamento de fronteiras, entre países ou regiões, para ruminantes e produtos ou subprodutos derivados de ruminantes, sempre que houver suspeita de presença do agente da doença em qualquer país de onde são feitas ou que se pretende fazer importações.
6) A vigilância constante sobre a produção e utilização – cadastramento e certificação do processo – de carne mecanicamente separada (CMS) de ruminantes na fabricação de alimentos humanos como congelados (p.ex. hambúrgueres) e embutidos (salsichas e mortadelas p.ex.). Vigilância enquanto não houver nenhum caso suspeito ou confirmado no país, e proibição quando houver um ou mais casos.
7) A montagem e operação de sistemas de rastreamento individual de animais e carne.

P: Há outras medidas necessárias mesmo nos países de baixo risco, como o Brasil?
R: Outras medidas que vêm sendo adotadas por diversos países, inclusive aqueles que se encontram na situação do Brasil, de risco (GBR – Geographical Risk of BSE) I, que diz ser “altamente improvável” que o gado esteja – clínica ou pré-clinicamente – infectado com o agente da EEB, são:
– Treinamento de médicos veterinários para reconhecer a doença e ser capaz de fazer o diagnóstico clínico.
– Treinamento também para fazer diagnóstico histopatológico da EEB.
– Ampla distribuição de material sobre a enfermidade a médicos veterinários, zootecnistas, engenheiros agrônomos e produtores rurais, como parte de campanhas de divulgação para que haja colaboração com as autoridades na prevenção da doença.
– Formação de uma rede de veterinários privados, escolas de veterinária e laboratórios de diagnóstico do governo para o sistema de vigilância.
– Proibição de utilização de cama de frango (material utilizado para forrar o piso dos galpões de engorda de aves) na alimentação de ruminantes.
– Controle do processo de fabricação de farinhas de carne e ossos, mantendo registros de temperatura, pressão e tempo, e certificação do processo.
– Rastreamento e monitoramento de todos os animais importados do Reino Unido e Irlanda antes da proibição e de outros países, como a Bélgica, Canadá e Estados Unidos, depois de ter sido detectada a doença em seus territórios.
– Exame laboratorial de EEB em tecido nervoso enviado para diagnóstico de raiva, porém negativo para essa patologia (vigilância passiva).
– Exame laboratorial de EEB em bovinos que chegam ao matadouro sem condições de locomoção e outros bovinos, principalmente os idosos, em más condições de saúde (vigilância passiva), tomando-se o cuidado de não liberar a carne para consumo ou industrialização até que saia o resultado do exame.
– Exame laboratorial de EEB em amostras aleatórias de bovinos de mais de 30 meses de idade (1 para 10 mil a 1 para 100 mil animais , segundo a OIE – Organização Mundial de Saúde Animal), que significa fazer vigilância ativa.

P: É comprovado mesmo que não existe EEB no Brasil?
R: Sim, é certo. Segundo o Comitê Científico Central (SSC – Scientific Steering Committee), da União Européia, em Bruxelas, Bélgica, que é quem elabora as análises de risco geográfico mediante solicitação de governos dos diversos países, o RGB (risco geográfico de EEB) do Brasil, publicado em abril de 2001 e confirmado em abril de 2003, é I, isto é, “altamente improvável” que o rebanho bovino do país esteja – clínica ou pré-clinicamente – infectado pelo agente da EEB. O SSC ressaltou que essa avaliação depende completamente da qualidade das informações enviadas pelas autoridades brasileiras quanto ao destino dos animais importados do Reino Unido e de outros países afetados pela EEB. E a título de prognóstico, afirma que o GBR continuará sendo I (“altamente improvável”) desde que não ocorram “desafios externos” (importação de farinhas de origem animal contaminadas, ou bovinos de países onde a EEB esteja ocorrendo no rebanho), porque em vista da “baixa estabilidade” do sistema, qualquer desafio externo poderia desencadear um “desafio interno” (probabilidade, e quantidade, do agente da EEB estar presente e circulando numa área geográfica específica num determinado período de tempo).

P: O que disse o SSC sobre o “desafio externo” ao sistema sanitário brasileiro?
R: O Comitê Científico de Bruxelas considerou que é desprezível o desafio externo, mesmo sabendo que, de 1980 a 2000, o Brasil importou 6.810 bovinos de países de risco, dos quais 254 vieram do Reino Unido. Para o SSC, isto representaria um desafio externo alto, porém como o governo brasileiro informou que “apenas uma pequena parcela” (?) desse gado poderia ter entrado na cadeia alimentar, decidiu-se minimizar o desafio representado pelas importações.

A partir do dia 13/02/2001, pela Instrução Normativa no 8, o Ministério da Agricultura proibiu a comercialização, transferência para outro local e abate de bovinos importados de países onde houve registro de ocorrência de EEB, ou considerados de risco da doença, sem prévia autorização do serviço oficial de defesa sanitária animal. A mesma IN dispõe sobre o destino a ser dado a esses animais quando descartados ou aos cadáveres quando vierem a óbito.

Depois da ocorrência de um caso no Canadá, em maio de 2003, e outro nos EUA, em dezembro do mesmo ano, deve ter havido um grande aumento no “desafio externo”, do Brasil, por conta da importação de 4.658 bovinos desses dois países entre 1995 e meados de 2003, sendo que desse total 2.782 animais não haviam sido rastreados até o final do ano, conforme entrevista da Revista DBO Rural (n.278, p.108-109, dez. 2003) com o responsável pelo Programa de Controle da Raiva em Herbívoros e outras Encefalopatias, do Mapa.

P: Por que é baixa a estabilidade do sistema sanitário brasileiro para a EEB?
R: Um sistema completamente estável não permite a reciclagem do agente (partindo de rações contaminadas para bovinos e desses novamente para farinhas e rações, fechando o ciclo). Mas o sistema brasileiro foi considerado “extremamente instável”, de 1980 até 10 de abril de 2003 (data de publicação da última avaliação), o que significa que o agente da EEB, se chegasse ao país, atingiria os rebanhos de bovinos e seria reciclado e multiplicado.

Esta avaliação do SSC (Comitê Científico Central, da UE em Bruxelas) levou em conta:
– As possibilidades de contaminação cruzada de rações, enquadrando o país na categoria “não OK”, até fevereiro de 2001, que melhorou desde então, para a categoria “razoavelmente OK”.
– Que os parâmetros do processo de fabricação de farinha de carne e ossos não satisfaziam a condição necessária de 133oC/20min./3bar, daí o enquadramento na categoria “não OK”, nesse quesito.
– Que a remoção de SRMs (tecidos de risco, como cérebro e medula espinhal), no Brasil, é “não OK” porque os SRMs são transformados em farinhas e sebo, mesmo do gado que chega ao matadouro incapaz de se locomover.
– Que o programa sanitário de vigilância de EEB, até o início de 2001, era apenas passivo, com base nos exames que davam negativo para raiva, mas que, em fevereiro de 2001, passou a fazer vigilância ativa também.

Portanto, até o início de 2001, o sistema era incapaz de detectar uma baixa de incidência de EEB caso ela estivesse presente no rebanho.

P: Se o Brasil não tem EEB, por que o governo canadense decretou o embargo à carne bovina brasileira no início de 2001?
R: Há opiniões divergentes a respeito da crise motivada pela atitude radical do governo canadense que decretou o bloqueio, no dia 02 de fevereiro de 2001, das importações de carne brasileira, no que foi seguido pelos EUA e México, países membros do Nafta que, por sinal, não importam carne “in natura” resfriada ou congelada do Brasil. Importam apenas cooked frozen beef (carne cozida congelada), e corned beef (carne pré-cozida e esterilizada nas latas). O Canadá importa algo em torno de cinco milhões de dólares ao ano deste produto, o que é uma cifra diminuta diante do total das exportações do país.

O governo brasileiro, e a imprensa de modo geral, trataram a crise como uma disputa entre as fabricantes de aviões, a nacional Embraer e a canadense Bombardier. Entretanto, no dia 17 de fevereiro, o jornal O Estado de São Paulo publicou entrevista com o chefe da missão técnica do Nafta, que veio verificar documentos sanitários do Ministério da Agricultura do Brasil, o diretor executivo da CFIA – Canadian Food Inspection Agency (Agência Canadense de Inspeção de Alimentos), Dr. Brian Evans, que afirmou: “Nunca dissemos que a carne brasileira ou o gado brasileiro estivesse infectado. Ao tomar a decisão do embargo, nós sabíamos que seria muito difícil que os brasileiros aceitassem isso. Mas, insisto, a decisão foi tomada quando nós recebemos informações que sugeriram um entendimento diferente do que tínhamos até então sobre as importações feitas pelo Brasil de animais da Europa. Tomei a decisão sem nenhuma pressão sob a perspectiva comercial. Simplesmente porque minha obrigação é proteger a saúde animal e a segurança alimentar do Canadá”.

Não há motivo para suspeitar que o reconhecidamente competente e sério médico veterinário da CFIA não estivesse dizendo a verdade. Nenhum profissional, com uma reputação a zelar como ele tem, cederia a pressões de empresários ou políticos.

Agora, por mais irônico que pareça, o Brasil está numa situação que exige vigilância constante, não mais por ter importado bovinos da Europa, a que se referiu o Dr. Evans, mas por ter importado mais de quatro mil e quinhentas cabeças do Canadá e EUA nos últimos oito anos.
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1Pedro Eduardo de Felício é professor-associado da Faculdade de Engenharia de Alimentos, da Unicamp. É membro do conselho técnico da ACNB (Associação de Criadores de Nelore do Brasil) e da diretoria da ABCC (Associação Brasileira de Ciência de Carnes).

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