Brasília e Pequim negociam um protocolo de regras para prevenir a contaminação por covid-19 nos frigoríficos brasileiros que exportam à China para evitar a disrupção no comércio bilateral, de acordo com fontes que acompanham a situação.
Desde junho, com um novo foco do vírus em Pequim, a China suspendeu importações de seis estabelecimentos brasileiros (uma sétima unidade foi vetada pelo Ministério da Agricultura), além de frear compras em vários países. Agora, a detecção de traços do vírus, em Shenzen, em embalagens de asas de frango brasileiro, está sendo monitorada.
A China tem o claro objetivo de impor “risco zero” às importações, em meio ao pavor em relação ao vírus. Mas, no Brasil, há uma diferença entre o que o Ministério da Agricultura pode legalmente fazer e o “risco zero” exigido pelos chineses.
A China insiste, por exemplo, numa regra de auto-suspensão das exportações em caso de problemas com a covid-19 em frigoríficos, que em Brasília alguns avaliam como legalmente complicada. E quer detalhes precisos sobre qual protocolo o Brasil vai seguir no caso de contaminação de funcionários de plantas.
Em junho, com um novo foco do vírus em Pequim, pesquisadores do Centro para Prevenção e Controle de Doenças (CPDC) levantaram a hipótese de que a contaminação podia ter ocorrido por meio de salmão importado. Embora pescados não possam ser vetores da doença, o argumento em Pequim foi de que o produto poderia ter sido contaminado durante a captura ou transporte. A China freou então toda a importação de salmão do Chile e de outros países. Em seguida, foram suspensas importações de frigoríficos de suínos da Alemanha, Holanda e Dinamarca, e de camarão do Equador.
Curiosamente, o mistério para quem acompanha a situação na China é o fato de os EUA, campeões de infecções e mortes pela covid-19, não terem sofrido até agora nenhuma suspensão de venda no mercado chinês. Mas ao menos uma unidade da Tyson Foods foi auto-suspensa pelo governo americano.
Especificamente em relação à detecção de traços de vírus em embalagem de asa de frango brasileiro, anunciada na semana passada, não está claro qual impacto pode ter nas vendas para a China. O caso foi descoberto pela fiscalização sanitária municipal em Shenzen. Na sexta-feira, autoridades chinesas receberam informações do Ministério brasileiro da Agricultura, em chinês, sobre o frigorífico exportador. O ministério diz estar monitorando a situação.
Por causa desse problema, as Filipinas anunciaram, também na sexta-feira, a suspensão temporária das importações de carne de frango do Brasil. Mesmo sem ter sido notificado, o governo brasileiro garantiu que vai acionar as Filipinas na Organização Mundial do Comércio (OMC). Na avaliação do Ministério da Agricultura, a medida é protecionista, já que ainda não há sequer confirmação sobre a suposta contaminação em embalagens do produto exportado para a China – e nem os chineses bloquearam as compras até o momento.
“Foi feito um pedido de esclarecimento sobre os motivos que teriam embasado a decisão, encaminhado ao governo das Filipinas, à OMC em Genebra e à embaixada filipina no Brasil”, afirmou Orlando Ribeiro, secretário de Comércio e Relações Internacionais da Pasta, ao Valor. “Se os filipinos não voltarem atrás, colocaremos uma Preocupação Comercial Específica no Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC”. A medida é uma espécie de reclamação oficial contra o descumprimento de acordos comerciais.
O Brasil responde por 20% das importações anuais de frango das Filipinas, mas o país asiático é pouco relevante para os exportadores brasileiros – entre janeiro e julho, os embarques de carne de frango às Filipinas renderam US$ 31,4 milhões, menos de 1% das exportações totais, que somaram US$ 3,6 bilhões.
Para a ABPA, que representa a indústria exportadora de carne de frango, a medida das Filipinas não tem “fundamentação técnico-científica”. A entidade lembrou que, segundo órgãos como a OMS, não há evidências científicas de que carnes transmitam o vírus. A decisão das Filipinas gera temor de que outros países adotem a mesma postura
Fonte: Valor Econômico.