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Painel sobre Mudança Climática recomenda redução no consumo de carne

“A terra já está sob crescente pressão humana e a mudança do clima aumenta a pressão”. Com essa mensagem clara começa a nota à imprensa do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, no lançamento do novo relatório sobre Clima e Terra.

Para manter o aquecimento global bem abaixo dos 2º C, como no compromisso do Acordo de Paris, é preciso incluir a redução nas emissões de gases-estufa na produção agrícola e na gestão da terra, segue o relatório. A meta “só pode ser conseguida reduzindo as emissões em todos os setores, incluindo o uso da terra e a produção de comida”, diz o comunicado do braço científico das Nações Unidas.

O resumo do relatório dirigido a formuladores de políticas públicas foi lançado nesta quinta-feira, em Genebra, depois de ter sido aprovado por delegados de 195 governos. Traz um resumo dos mais recentes estudos científicos sobre o tema produzidos por pesquisadores do mundo todo.

Uma das questões controversas nas discussões de aprovação do texto foi como tratar a mudança da dieta das populações. Países desenvolvidos defendiam que o relatório incluísse que o consumo de carne deva cair drasticamente em função das emissões de gás metano dos rebanhos. Metano é um dos mais nocivos gases do efeito estufa.

O ponto é sensível para países em desenvolvimento como o Brasil, grande produtor de carne global, e também para nações africanas e do sudoeste asiático, que sequer têm acesso a dietas de alta proteína.

Segundo reportou a agência Reuters, a conclusão do embate foi escolher uma linguagem mais cuidadosa no texto e exigir grandes mudanças na agricultura e nos hábitos alimentares para limitar o impacto do crescimento da população e a pressão sobre o solo e os recursos hídricos.

“Há certos tipos de dietas que têm pegada de carbono menor e colocam menos pressão sobre a terra”, disse à Reuters Jim Skea, professor do Imperial College de Londres. “Mas o IPCC não recomenda as dietas das pessoas”, disse aos jornalistas. Ele lembrou que o uso da terra pode ser tanto fonte quanto sumidouro de CO2, o principal gás do aquecimento global.

A melhor gestão da terra ajuda a combater a crise climática, disse o IPCC, mas não é a única solução. “Cortar as emissões de todos os setores é essencial. A janela para fazer estas mudanças está se fechando rapidamente. Se houver mais atraso na redução das emissões, perderemos a oportunidade de administrar com sucesso a transição”, continuou.

É a primeira vez que o IPCC produz um relatório do gênero. “É a primeira vez que a maioria dos autores de um relatório do IPCC – 53% – é de países em desenvolvimento”, disse Hoesung Lee, o presidente do Painel.

O relatório conclui que os impactos climáticos sobre a terra já são severos. Lembra que as ondas de calor e secas tornaram-se mais frequentes e intensas em algumas regiões e que a segurança alimentar já foi prejudicada. O clima afeta o rendimento das colheitas.

O texto alerta que o aumento da temperatura tem como ameaça a crise alimentar, principalmente em regiões tropicais e subtropicais. Com 1,5º C de aquecimento, os incêndios florestais se tornam de alto risco.

O relatório sugere que a ampla transformação exigida da agricultura e do uso da terra, além de necessária para que se atinjam as metas do Acordo de Paris, também precisa estar encaminhada até 2040.

O climatologista Johan Rockström, diretor do instituto climático alemão de Potsdam, o PIK, disse que o relatório “confirma que estamos diante de uma emergência planetária, que a janela para tomar ações decisivas está se fechando rapidamente e que os custos da inação serão catastróficos.”.

“Enquanto o relatório traça um quadro sombrio do que poderia acontecer, também aponta um caminho a seguir, incluindo oportunidades imediatas de ação”, afirma Rockström. “A ação da próxima década, que deve ser liderada pelos governos, irá determinar se podemos ou não emergir da emergência transformando nossa economia global com melhor equilíbrio entre nossa resposta climática, a proteção da biodiversidade e o desenvolvimento”.

O físico Paulo Artaxo, professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e um dos autores do relatório, lembra que o aumento da temperatura não é homogêneo. Em áreas continentais, como no Brasil ou nos Estados Unidos, o aumento da temperatura que se verifica no período pós Revolução Industrial é maior que a média global.

“Há regiões em que já estamos próximos de aumento de 1,5º C, que é o que o IPCC recomenda como limite, até o fim do século, para evitar maiores danos”, diz Artaxo.

A produção de alimentos e o desmatamento produzem 23% das emissões de gases-estufa induzidas pelo homem, diz o IPCC.

Pelo relatório, o potencial global de redução de emissões da agropecuária é de 4 bilhões de toneladas de CO2 equivalente até 2030, se forem adotadas boas práticas e bom manejo de solo.

“A mensagem mais importante do relatório é que tanto a degradação ambiental quanto as mudanças climáticas estão atuando juntas”, disse ao Valor Humberto Barbosa, professor e coordenador do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélites da Universidade Federal de Alagoas e coordenador do capítulo de degradação ambiental.

O relatório, que começou a ser produzido há dois anos, tem sete capítulos que contemplam desde o processo de desertificação à gestão de riscos.

Barbosa, que esteve em Genebra, lembrou a importância dos biocombustíveis para mitigar emissões, mas a dificuldade de sua produção em condições de estresse climático. “A cana-de-açúcar precisa de dez litros de água para gerar um litro de etanol. Nos cenários climáticos com temperaturas mais altas e chuvas diminuindo, haverá deficiência de nutrientes e a produtividade cairá”, continua.

“Teremos que ter uma agricultura mais sustentável e mais eficiente tecnologicamente. Teremos que produzir mais, sem ameaçar os ecossistemas”, segue Barbosa.

“Sem um uso sustentável da terra e produção agrícola sustentável, não se consegue enfrentar a crise climática”, diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 40 organizações não-governamentais que trabalham com a questão climática.

“Mas se reduzirmos o desmatamento, restaurarmos florestas e tivermos práticas sustentáveis na produção de alimentos, isso será bom para a redução de emissões, a adaptação e resiliência às mudanças do clima e segurança alimentar”, continua.

“Nossa agricultura é muito eficiente e tecnológica em alguns setores e menos em outros”, diz Barbosa. “Nossa pecuária ainda não é eficiente. Ocupa muito espaço e degrada ecossistemas”, registra. O relatório do IPCC, contudo, não é prescritivo e não sugere políticas, lembra o professor.

“Conectando isso com o momento que estamos vivendo no Brasil, é preciso ver que estamos perdendo uma série de oportunidades”, segue Rittl.

“Estamos perdendo vantagens comparativas, pelo desmatamento e pela expansão da agropecuária em bases muito menos sustentáveis que a nossa capacidade, em especial a pecuária. O Brasil é um país-chave para os objetivos de longo prazo e corremos o risco de jogar tudo para baixo da esteira do trator por falta de visão estratégica e de senso de urgência em relação à dimensão da crise climática”, afirma.

“A preocupação, no Brasil, é que estamos em uma onda negacionista em vários sentidos. Em negar a mudança do clima [causada pelo homem], em dizer que não desmatamos. Ao fazer isso, viramos as costas para a crise e para as oportunidades. Corremos o risco de nos tornarmos um pária global”, diz Rittl. “Não só por emitir gases-estufa e destruir florestas, mas colocando por água abaixo a nossa reputação.”

Povos indígenas

Pela primeira vez um relatório do IPCC inclui e faz seguidas referências às contribuições dos povos indígenas e das comunidades locais para enfrentar a crise climática e se adaptar aos seus impactos. A referencia ocorre sete vezes no sumário para formuladores de opinião.

“Baseado no conhecimento indígena e de comunidades locais, a mudança climática está afetando a segurança alimentar”, menciona o relatório, referindo-se a terras áridas da África e de regiões montanhosas na Ásia e América do Sul.

O fortalecimento dos direitos dos povos indígenas e de comunidades locais foi destacado para enfrentar a crise climática. “Práticas agrícolas que incluem indígenas e conhecimento local podem contribuir para superar desafios combinados da mudança climática, conservação da biodiversidade e no combate à desertificação e à degradação da terra”, diz o texto.

Líderes indígenas das Américas, África e Ásia escreveram uma declaração apoiando o reconhecimento dos governos do papel que os povos tradicionais desempenham no combate à mudança do clima. Pedem o reconhecimento de seus direitos e acabar com a criminalização dos povos indígenas.

A declaração representa lideranças indígenas e de comunidades em 42 países, abrangendo 1,6 bilhão de hectares de terra habitualmente usados ou administrados por eles e responsáveis por mais de 76% das florestas tropicais do mundo, segundo dizem no texto.

“Nossos conhecimentos tradicionais e administração sustentável das terras e florestas do mundo são fundamentais para reduzir as emissões globais para limitar o aumento da temperatura global a 1,5 graus até 2030”, diz a declaração. “Cuidamos de nossas terras e florestas – e da biodiversidade que elas contêm – há gerações. Com o apoio certo, podemos continuar a fazer isso por muitas outras gerações.”

“Gerenciamos pelo menos 22% (218 gigatoneladas) do carbono total encontrado em florestas tropicais e subtropicais (incluindo fontes acima e abaixo do solo). Pelo menos um terço desse carbono – e provavelmente muito mais – está em áreas onde não temos o reconhecimento formal de nossos direitos à terra”, diz a declaração.

“A falha em reconhecer legalmente nossos direitos deixa nossas florestas vulneráveis a projetos ambientalmente destrutivos que devastam as florestas e liberam grandes quantidades de carbono na atmosfera. Reconhecer legalmente nossos direitos à terra e apoiar nossas iniciativas é vital para o sucesso dos esforços globais para mitigar as mudanças climáticas”, diz a declaração.

Fonte: Valor Econômico.

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