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‘Ombro a ombro’ já é passado em frigoríficos

Quando o primeiro caso do novo coronavírus foi confirmado no Brasil, em 26 de fevereiro, a BRF disparou um plano de contingência que começara a ser desenvolvido em janeiro, a partir das notícias que chacoalhavam Wuhan, na China, mas pareciam distantes da América do Sul. Com a chegada da covid-19 a São Paulo, o nível de alerta na maior exportadora global de frango aumentou. Imediatamente, visitas de funcionários da sede às 34 unidades do grupo no país foram suspensas. 

Em meio a incertezas e desinformações – pouco se sabia sobre o comportamento da doença e o uso de máscaras ainda não era um consenso médico -, começava ali um complexo protocolo de segurança para dar conta da dupla responsabilidade da indústria frigorífica. Afinal, como conciliar a saúde dos trabalhadores e garantir o abastecimento de alimentos? 

Cinco meses depois, os trabalhadores de abatedouros país afora não passaram incólumes – e autoridades chegaram a apontá-los como facilitadores da interiorização da doença. Mas quando se considera a dimensão dessa indústria, com cerca de 500 mil funcionários apenas nas unidades processadoras de frangos e suínos, o Brasil aparece em melhor situação que os EUA, que sofreram um baque significativo em abril, quando dezenas de frigoríficos fecharam por causa da contaminação massiva entre funcionários. 

Se a maior gravidade do problema americano está associada ao grau de concentração da indústria – poucas unidades respondem pela produção de carnes, ao contrário do que ocorre no Brasil -, também é verdade que os frigoríficos brasileiros adotaram antes medidas de precaução, muitos deles assessorados por infectologistas e consultorias. 

Ontem, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) divulgou vídeo institucional sobre as medidas adotadas, citando protocolo de 256 páginas aprovado pelo Hospital Albert Einstein. A estratégia de comunicação, em parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), é parte de um esforço setorial para mostrar o rigor do controle aos importadores – sobretudo da China, que suspendeu compras de seis frigoríficos brasileiros (dois da BRF, dois da JBS, um da Marfrig e um da Minuano).

“Não sei se em algum lugar do mundo se fez o que o Brasil fez, e o que a BRF fez”, disse ao Valor o CEO da dona das marcas Sadia e Perdigão, Lorival Luz. O Brasil nunca chegou nem perto de sofrer com a restrição de oferta que atingiu os EUA, que viram a produção de carnes cair à metade no auge da crise. 

Para Luz e outros executivos do segmento, a indústria brasileira se saiu melhor que a de países concorrentes justamente por causa do protocolo adotado. Houve surtos do vírus e algumas plantas foram fechadas por decisões judiciais ou de prefeituras, mas o número foi pequeno e o abastecimento não foi afetado. 

Conforme relatório do Ministério da Agricultura divulgado em 15 de julho, nove frigoríficos sob inspeção federal estavam paralisados até 3 de julho por causa de covid-19 entre os funcionários. E é preciso ponderar que os frigoríficos não estão isolados do país, o que torna o desafio de conter a doença mais delicado já que no Brasil em geral não foi adotada uma estratégia de contenção bem-sucedida. Pelo contrário. A condução da pandemia no país é criticada por especialistas de todo o mundo. 

À reportagem, o CEO da BRF detalhou as medidas tomadas pela companhia para proteger os funcionários, e os resultados dessas ações. “Hoje, não há nenhum pico. Está bem mais tranquilo. Chegamos a ter alguns picos no Rio Grande do Sul, depois em Santa Catarina e em Goiás. Mas agora os indicadores estão muito baixos”, afirmou Luz, batendo três vezes na madeira para que a situação continue assim. 

Desde o início, a BRF afastou, de forma remunerada, os trabalhadores dos grupos de risco. Foram 5 mil pessoas de um quadro de 80 mil pessoas que atuam no chão de fábrica. No total, a empresa tem cerca de 90 mil colaboradores. Para que a produção fosse mantida, o grupo fez contratações temporárias – e o ritmo indica como a BRF foi aprimorando os planos. Em março, a empresa previu a contratação de 2 mil funcionários, número que passou a 5 mil poucos meses depois. 

Segundo Luz, 6,7 mil pessoas já foram contratadas. O número de temporários cresceu porque, ao realizar o processo de busca ativa – afastando preventivamente aqueles que tiveram contato com colegas contaminados -, a empresa viu que tinha que ampliar a reposição para preservar o nível de produção. Os afastamentos preventivos chegaram a 8 mil funcionários, afirmou Luz. 

Mesmo assim, nem sempre foi possível manter o nível de produção, também porque há um processo de aprendizagem entre os novos funcionários. No pior momento, que durou alguns dias e já foi superado, a BRF só conseguiu produzir 85% do que esperava, disse o executivo. 

Paralelamente à gestão de pessoal, a BRF reforçou medidas de higiene e distanciamento, tarefa delicada dada as características de um abatedouro – espaço onde os funcionários trabalham, em alguns setores, ombro a ombro. O transporte, com a contratação de mais 400 ônibus, e a entrada nas fábricas também mudaram, já que a aglomeração era o “velho normal”. 

Para implementar as medidas, a BRF instalou 18 mil metros quadrados de acrílico, sendo 10 mil para a separação nos refeitórios e o restante para o ambiente interno das fábricas, criando uma barreira onde o distanciamento físico não era viável. 

Os uniformes também ficaram mais rigorosos, com o uso de capacetes com viseiras e máscaras de pano. Por mês, a BRF passou a higienizar 230 toneladas de máscaras. Para ajudar a fiscalizar o cumprimento das regras, a empresa contratou 400 vigilantes, além de outras 500 pessoas para atuar na higienização. 

Luz não revelou quanto foi investido – o montante será conhecido na divulgação do balanço trimestral, em 12 de agosto -, mas ressaltou que os gastos foram “significantes”. 

A se considerar os investimentos feitos pela JBS, que divulgou o valor em comunicado ao mercado na quarta-feira, é possível dimensionar a magnitude do protocolo. Com 130 mil funcionários no país, o grupo gastou R$ 100 milhões no segundo trimestre com as medidas de saúde e segurança. Além disso, contratou mais de 10 mil pessoas para repor os trabalhadores de grupos de risco. 

Fonte: Valor Econômico.

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