Síntese agropecuária BM&F – 30/09/2006
30 de setembro de 2006
Exportações in natura: US$ 2766/ton de preço médio
3 de outubro de 2006

O papel fundamental do confinamento no sistema de produção de carne da África do Sul

Recentemente tivemos a oportunidade, à convite da Elanco, de conhecer o sistema de produção de carne da África do Sul. Vários aspectos da cadeia produtiva deste país chamaram a atenção. Dentre estes, destacamos o papel fundamental dos confinamentos, os quais fornecem cerca de 80% de toda carne consumida anualmente no país.

Recentemente tivemos a oportunidade, à convite da Elanco, de conhecer o sistema de produção de carne da África do Sul. Vários aspectos da cadeia produtiva deste país chamaram a atenção. Dentre estes, destacamos o papel fundamental dos confinamentos, os quais fornecem cerca de 80% de toda carne consumida anualmente no país.

O rebanho comercial Sul Africano é de cerca de 8 milhões de animais, sendo abatidos anualmente 1.750.000, número bastante reduzido quando levamos em consideração a população de 47 milhões de habitantes e a demanda desta por carne bovina. A África do Sul é, portanto, um país importador de carne, visto que a produção anual de 417 mil toneladas não é suficiente para atender o consumo interno, o qual oscila em torno de 14 kg/habitante/ano. Os principais fornecedores de carne são Austrália, Nova Zelândia, Namíbia, Botsuana e Europa.

O sistema de produção é intensivo, caracterizando-se por um período muito restrito de recria a pasto com suplementação (cerca de 60 dias) para os bezerros mais leves, que não atingiram 190 kg de peso vivo, ou a recria/engorda em confinamento imediatamente após a desmama. Na verdade é como se quase toda a carne fosse produzida no sistema superprecoce, conhecido de todos nós. Predominam nos confinamentos animais cruzados com raças britânicas, Limousin, Simental e Bonsmara. Encontramos também bezerros cruzados com zebu, especialmente com Brahman, mas estes são considerados de menor valor pelos produtores locais.

Fato de destaque também é a união entre os produtores. Os confinamentos estão organizados em uma associação, a SAFA (South African Grainfed Beef) que reúne 96% dos confinamentos do país e é responsável pelo abate de 1.350.000 animais/ano (77% de todos animais abatidos passam pelo confinamento!). Um dos associados, o Grupo Karan Beef, possui confinamento para 80.000 animais constantemente alojados (o maior do hemisfério sul), frigorífico próprio que abate 1.000 animais/dia e faz toda a distribuição da carne com a sua marca. Aliás, muitas unidades de engorda pertencem à frigoríficos e distribuidoras de carne. Ou seja, inúmeros confinamentos comercializam suas próprias marcas de carne.

Vale aqui um breve comentário sobre a carne comercializada: o mercado só aceita carne com muito pouca cobertura de gordura (1 a 2 mm, o que equivale a teores de 11 a 15% de gordura na carcaça). Isto elimina a maior dificuldade de produção de superprecoces, que é o acabamento da carcaça. Em função disso, e para nossos parâmetros, a carne consumida, de maneira geral pareceu seca, exigindo o preparo acompanhada de molhos, diferente de nosso hábito de consumo na forma de churrasco. No entanto, essa característica é valorizada no mercado local e a carne comercializada nos supermercados é “diferenciada” por inscrições na embalagem que destacam o fato de ter sido originada de animais terminados em confinamento em dietas à base de concentrados (grainfed beef).

Outra particularidade importante é que em todos os confinamentos visitados (e provavelmente em todo o país) utilizam-se implantes anabólicos e agonistas beta adrenérgicos. Tanto bezerras como bezerros castrados ou inteiros são manejados desta forma. Destaca-se o efeito dos agonistas sobre o desenvolvimento dos bezerros, os quais recebem o produto apenas nos últimos 30 dias de terminação, e apresentam grande deposição de músculo no quarto traseiro e lombo principalmente.

As dietas utilizadas na fase de engorda são com alta inclusão de concentrados, em média 90% da matéria seca total. Há grande participação de subprodutos de milho, laranja e algodão. A inclusão de milho é pequena, em média 15% da matéria seca total da dieta, devido aos altos preços do grão, cerca de R$ 400,00/tonelada. Como fontes de fibra utilizam silagem de milho, feno de gramínea, casca de algodão e bagaço de cana cru. É muito comum também o fornecimento de melaço de cana líquido como fonte de energia ou como veículo para macro e microminerais, monensina e beta agonistas. Em média são fornecidas cinco dietas durante o período de confinamento, sendo duas para adaptação, uma de crescimento e duas para terminação (na realidade a mesma dieta com e sem beta agonistas).

Na Tabela 1 são apresentados dados de desempenho médio em confinamento.

Tabela 1. Dados médios de desempenho em confinamentos Sul Africanos


O grande gargalo para o sistema de produção Sul Africano reside na compra do bezerro. Os rebanhos de cria são reduzidos e a escassez de oferta faz com que os preços da reposição sejam muito elevados. Existe uma verdadeira “guerra” pela compra dos bezerros. Não é raro confinadores buscarem reposição em países vizinhos como a Namíbia. Um bezerro desmamado com 180 kg de peso vivo chega a ser comercializado por R$ 1.000,00, ou R$ 5,55/kg vivo!

Em termos de custos de produção, os gastos com dieta e custos operacionais são superiores aos do Brasil, mas o ganho de peso elevado e o rendimento de carcaça superior possibilitam que o custo final da @ engordada no confinamento seja bastante viável frente ao preço pago pela mesma (R$ 90,00/@ na época da viagem).

Fazendo um exercício de simulação (Tabelas 2 e 3) fica claro que o confinamento na África do Sul é bastante viável. Considerando o sistema como um todo, incluindo as @ do bezerro, a margem de lucro dos produtores sul africanos fica evidentemente reduzida.

Tabela 2. Custos de produção de novilhos terminados em confinamento


Tabela 3. Custos de produção considerando o valor do bezerro


A África do Sul poderia ser um grande parceiro comercial do Brasil no mercado de carne bovina, pois possui um déficit anual de cerca de 240 mil toneladas, das quais boa parte ou até mesmo a totalidade poderia seria abastecida por nós (desde que atendidas as características de carne exigidas pelos consumidores locais). Além disto, o mercado de animais vivos, como bezerros para reposição, poderia muito bem ser fomentado, prática que já fazemos para países como Angola e Líbano, abrindo mais opções para nossa pecuária. Tudo isto seria possível se a febre aftosa fosse tratada com seriedade em nosso país.

Por mais que existam diferenças marcantes em relação ao sistema Sul Africano, podemos retirar bons exemplos para o Brasil, como o valor do confinamento dentro da cadeia produtiva, valorizando a carne e, na realidade, viabilizando economicamente o sistema de produção, bem como a união dos produtores, a qual fortalece o segmento produtivo dentro da cadeia.

0 Comments

  1. José Luiz Viana Coutinho Filho disse:

    Muito bom o artigo, direto e com muitas informações de interesse geral. Poderia ter comentado mais a respeito da cobertura de gordura (1-2 mm), isto é, como o frigorífico realiza o manejo das carcaças com esse nível de gordura?

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