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O papel da nutrição na prevenção da anemia por deficiência de ferro em bebês, crianças e adolescentes

A anemia por deficiência de ferro ou anemia ferropriva é a principal causa de morbidade e mortalidade de bebês em todo o mundo (1). Vários estudos demonstraram que mesmo a anemia moderada (hemoglobina < 100 g/L) está associada com depressão no desenvolvimento mental e motor em crianças, o que pode não ser reversível (2-4). Devido à possível irreversibilidade desta condição, a prevenção primária é a meta mais apropriada do que o tratamento. No Canadá, 4%-5% das crianças em idade pré-escolar sofrem de anemia por deficiência de ferro (5-7). Em países em desenvolvimento, entretanto, a prevalência de anemia atinge - e em alguns casos passa - a marca de 50% em crianças de um ano de idade (8). Fatores que aumentam os riscos de anemia

As condições ambientais que são normalmente encontradas quando a prevalência de anemia por deficiência de ferro é alta estão presentes na Tabela 1, bem como seu impacto no status de ferro. Dependendo da idade e das circunstâncias individuais da criança, cada condição afetará o status em graus variados. A transferência do ferro da mãe ao feto ocorre em grande parte durante o último trimestre de gestação e o ferro é estocado principalmente no fígado e na medula óssea.

Dessa forma, a quantidade de ferro presente ao nascimento depende da duração do período gestacional e do peso do bebê. Como nascem cerca de 13 milhões de bebês prematuros ou com baixo peso no mundo por ano, esses fatores têm um grande papel no aumento da predisposição para anemia. Durante os primeiros meses de vida, o leite humano (que contém 0,2-0,3 mg/L de ferro) não fornece quantidade suficiente de ferro para suprir as demandas da rápida eritropoiese, de forma que os estoques de ferro são mobilizados para suprir os requerimentos dos bebês (9).

Geralmente os estoques de ferro se esgotam aos seis meses de idade, mas dos quatro aos 12 meses após o nascimento o volume de sangue do bebê dobra. Sendo assim, nessa idade, fontes dietéticas de ferro se tornam críticas para manter esta rápida taxa de síntese de células vermelhas do sangue (10).

Tabela 1: Condições que afetam o status de ferro


A quantidade dietética recomendada para o ferro durante a infância e a adolescência está mostrada na Tabela 2 (11). Para evitar o desenvolvimento de anemia, a Sociedade Pediátrica Canadense e a Academia Americana de Pediatria recomendam a amamentação exclusiva durante pelo menos quatro meses e a introdução de alimentos complementares contendo ferro e alimentos contendo ácido ascórbico, que aumenta a absorção do ferro, dos quatro aos seis meses (12,13). A escolha de alimentos complementares neste estágio influencia acentuadamente o status de ferro.

Os alimentos tipicamente fornecidos aos bebês nesta fase, à base de grãos e arroz, são fontes pobres de ferro e podem conter ácido fítico que é um potente inibidor da absorção de ferro (14). Para aumentar a quantidade de ferro encontrada nesses alimentos à base de grãos, os cereais infantis comerciais são altamente fortificados com ferro, o que foi demonstrado que ajuda a evitar a anemia ferropriva (15,16).

Tabela 2: Quantidade dietética recomendada (QDR) de ferro para ambos os sexos do nascimento aos 18 anos


Efeitos adversos da anemia

Mesmo a anemia moderada (hemoglobina < 100 g/L) tem consistentemente mostrado estar associada com um menor desenvolvimento mental e motor em crianças (Quadro 1) (2-4). Apesar de o mecanismo pelo qual o ferro influencia o desenvolvimento não ser totalmente entendido, pesquisas antigas identificaram o papel do ferro na função neurotransmissora do sistema nervoso central e, trabalhos mais recentes, mostraram que o ferro cerebral é essencial para a mielinização normal (17-19). Estudos longitudinais indicaram que crianças que eram anêmicas no início da infância continuaram com baixo desenvolvimento cognitivo e motor e baixo desempenho escolar no meio da infância (4). Para crianças anêmicas de menos de dois anos de idade, existem boas evidências de estudos aleatórios controlados de que o tratamento com ferro ajuda seu desenvolvimento cognitivo e motor (2). Para crianças acima de dois anos, o tratamento de curto prazo está associado com a melhora na cognição, mas não no desempenho escolar. Os estudos sobre a função cognitiva e o status de ferro foram expandidos para crianças mais velhas e adolescentes. Em uma pesquisa aleatória controlada, meninas adolescentes com estoques esgotados de ferro que receberam suplementos de ferro tiveram uma melhora em seus escores em um teste de memória e aprendizado verbal comparado com o grupo tratado com placebo (20). Outro grande estudo com pré-adolescentes e adolescentes descreveu uma associação entre o status de ferro e os escores matemáticos padronizados (21). Aqueles com anemia ferropriva ou com deficiência de ferro sem anemia tiveram 2,3 e 2,4 vezes mais chances de apresentar baixos escores matemáticos do que aqueles sem deficiência de ferro. Quadro 1: Efeitos adversos da anemia


Intervenções para prevenir a anemia

Existem três intervenções que, se implementadas com sucesso, podem prevenir a anemia. Essas incluem a diversificação dietética para alimentos com mais ferro biodisponível; fortificação dos alimentos voltados para bebês e crianças; e suplementação individual.

Com relação à diversificação da dieta, envolve a promoção do consumo de alimentos que naturalmente contêm ferro, especialmente carnes vermelhas, carnes brancas e peixes (Tabela 3). Esses alimentos têm um alto teor de ferro heme altamente biodisponível e, desta forma, são os mais apropriados para bebês e crianças acima de seis meses de idade. Apesar de estes alimentos estarem amplamente disponíveis, não são muito utilizados (possivelmente devido ao sabor e odor inapropriados de alguns produtos comerciais) ou diluídos antes do uso (por exemplo, a carne é rica em ferro, mas o caldo da carne não é).

Uma pesquisa canadense recente indicou que 57% das adolescentes do sexo feminino não consomem o número mínimo de porções do grupo de “carnes e alternativas” (22). Um número cada vez maior de adolescentes está seguindo dietas vegetarianas e, desta forma, restringindo sua ingestão de fontes de ferro heme.

Tabela 3: Alimentos que contêm ferro heme23


Conclusões

A anemia por deficiência de ferro em crianças e adolescentes está associada com sérias conseqüências adversas que podem não ser reversíveis. Os bebês que nascem prematuramente, os bebês que são alimentados exclusivamente com leite materno por um período prolongado e as meninas adolescentes que estão menstruando e restringindo sua ingestão de alimentos são grupos particularmente em risco. Isso pode ser prevenido através do uso de alimentos naturalmente contendo ferro altamente biodisponível, como carnes vermelhas.

Referências bibliográficas

1. World Health Organization. Malnutrition: the global picture. Geneva: The Organization; 2000.

2. Grantham-McGregor S, Ani C. A review of studies on the effect of iron deficiency on cognitive development in children. J Nutr 2001;131:649S-668S.

3. Pollitt E. Iron deficiency and cognitive function. Ann Rev Nutr 1993;13:521-37.

4. Lozoff B, Jimenez MD, Hagen J, Mollen E, Wolf AW. Poorer behavioral and developmental
outcome more than 10 years after treatment for iron deficiency in infancy. Pediatrics 2000;105:E51.

5. Zlotkin SH, Ste-Marie M, Kopelman H, Jones A, Adam J. The prevalence of iron depletion and iron-deficiency anaemia in a randomly selected group of infants from four Canadian cities. Nutr Res 1996:729-33.

6. Willows N, Dewailly E, Grey-Donald K. Anemia and iron status in inuit infants from Northern Quebec. Can J Public Health 2000:91;407-10.

7. Willows N, Morel J, Grey-Donald K. Prevalence of anemia among James Bay Cree infants of Northern Quebec. CMAJ 2000:162(3);323-6.

8. Yip R. The challenge of improving iron nutrition: limitations and potentials of major intervention approaches. Eur J Clin Nutr 1997;51:516-24.

9. Dallman PR. Changing iron needs from birth through adolescence. In: Fomon SJ, Zlotkin SH, editors. Nutritional anemias. Nestle Nutrition Workshop Series. New York: Vevey/Raven Press; 1992. p. 29-38.

10. Saarinen UM. Need for iron supplementation in infants on prolonged breastfeeding. J Pediatr 1978;93:177-80.

11. Food and Nutrition Board, Institute of Medicine. Dietary reference intakes for vitamin A, vitamin K, arsenic, boron, chromium, copper, iodine, iron, manganese, molybdenum, nickel, silicon, vanadium and zinc. Washington: National Academy Press; 2001.

12. American Academy of Pediatrics, Committee on Nutrition. Iron supplementation for infants. Pediatrics 1976;58:765-8.

13. Statement of the Joint Working Group: Canadian Paediatric Society, Dietitians of Canada and Health Canada. Nutrition for healthy term infants. Ottawa: Ministry of Public Works and Government Services; 1998. Highlights available: www.hc-sc.gc.ca/hppb/childhood-youth/cyfh/homepage/nutrition/index.html (accessed 2002 Nov 18).

14. Gibson RS. Ferguson EL, Lehrfeld J. Complementary foods for infant feeding n developing countries: their nutrient adequacy and improvement. Eur J lin Nutr 1998;52:764-70.

15. Walter T, Dallman PR, Pizarro F, Velozo L, Pena G, Bartholmey SJ, et al. ffectiveness of iron-fortified infant cereal in prevention of iron deficiency anemia. Pediatrics 1993:91;976-82.

16. Zlotkin SH, Beaton GH, Tanaka P, Anderson GH, Menon IA, Yeung DL. Double blind trial of iron fortification of infant cereals: effect on growth and haematologic status. Pediatr Res 1993:33:113A.
17. Youdin MBH. Neuropharmacological and neurobiochemical aspects of iron deficiency. In: Dobbing J, editor. Brain, behaviour and iron in the infant diet. London: Springer-Verlag; 1990. p. 83-106.

18. Roncagliolo M, Garrido M, Walter T, Peirano P, Lozoff B. Evidence of altered central nervous system development in infants with iron deficiency anemia at 6 mo: delayed maturation of auditory brainstem responses. Am J Clin Nutr 1998;68:683-90.

19. Angulo-Kinzler RM, Peirano P, Lin E, Garrido M, Lozoff B. Spontaneous motor activity in human infants with iron deficiency anemia. Early Hum Dev 2002;66:67-79.

20. Bruner AB, Joffe A, Duggan AK, Casella JF, Brandt J. Randomized study of 21. Halterman JS, Kaczorowski JM, Aligne A, Auinger P, Szilagyi P. Iron deficiency and cognitive achievement among school-aged children and adolescents in the United States. Pediatrics 2001;107:1381-6.

22. Jacobs Starkey L, Johnson-Down L, Gray-Donald K. Food habits of Canadians: comparison of intakes in adults and adolescents to Canada’s Food Guide to Healthy Eating. Can J Dietetic Practice Res 2001;62:61-7.

23. United States Department of Agriculture (USDA) nutrient database for standard reference: release 14. Beltsville (MD): Nutrient Data Laboratory, Human Nutrition Research Center of the Agricultural Research Service (ARS); 2001. Available: www.nal.usda.gov/fnic/foodcomp/Data/SR14/sr14.html (accessed 2002 Nov 18).

Baseado no artigo “The role of nutrition in the prevention of iron deficiency anemia in infants, children and adolescents”, de Stanley Zlotkin, publicado no Canadian Medical Association Journal (CMAJ – JAN. 7, 2003; 168 (1)).

0 Comments

  1. José Maria da Costa disse:

    Este artigo, confirma e nos remete, à importância que as mães e avós dão à alimentação de crianças recém-nascidas, principalmente no interior. Quando fazem aquelas papinhas com fígado de frango caipira, sempre reservados para elas (crianças).

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