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O negócio de alimentar a humanidade

Apesar de os seres humanos consumirem, em média, 2.868 calorias diárias, cerca de 800 milhões de pessoas sofrem desnutrição crônica. E apesar de a cifra ter se reduzido nos últimos 20 anos (segundo a FAO, agência alimentar das Nações Unidas, a porcentagem de pessoas atingidas pela fome caiu de 18,7% para 11,3%), a dimensão do problema continua enorme.

A alimentação no mundo se sustenta sobre as 570 milhões de fazendas que, segundo a FAO, existem no planeta. A imensa maioria (cerca de 80%) são pequenas explorações familiares, por isso o verdadeiro poder reside em seus maiores compradores: a indústria agroalimentar. É um setor grande (segundo um relatório do Bank of America Merrill Lynch, a indústria vale 2,3 trilhões de euros, uma cifra equivalente ao PIB do Brasil e a 3% da economia global), poderoso e longevo: as três maiores empresas do setor por receita (Nestlé, Archer-Daniels e Bunge) são centenárias. Em grande medida, a segurança alimentar do planeta no futuro dependerá do que essas grandes multinacionais fizerem hoje.

Tradicionalmente, o setor agroalimentar foi um negócio familiar, mas a solidez da indústria atraiu investidores do mundo todo. Em 2013 o mercado global de carnes viveu duas macrofusões: a compra da Hillshire pela Tyson Foods em 2013 (uma operação de 8,55 bilhões de dólares) e a da britânica Smithfields pela chinesa Shuanghui, por mais de 7 bilhões, uma operação que incluiu, em parte, a espanhola Campofrío.

Esse processo de concentração preocupa as organizações não governamentais especializadas em alimentação. “O setor está em muito poucas mãos, dos insumos até a distribuição, passando pelas grandes comercializadoras de grãos”, explica Lourdes Benavides, responsável por segurança alimentar da Oxfam Intermón. “Isso lhes dá um grande poder ao longo da cadeia, tanto de fixação de preços, como de controle de reservas, sem falar de sua influência na tomada de decisões políticas”.

Os grandes investidores buscam no setor agroalimentar um negócio sem sobressaltos, mas o futuro da indústria tem enormes e dispendiosos desafios pela frente. Segundo a FAO, alimentar os 9,6 bilhões de seres humanos que habitarão o planeta em 2050 necessita investimentos de US$ 83 bilhões, que, em sua maioria, terão de vir do caixa das empresas. “Já não concebemos alcançar qualquer meta sem o setor privado”, diz Marcela Villarreal, diretora de Associações da FAO. “É o que mais mudou de papel. No passado o considerávamos um financiador. Hoje é um ator a mais”.

E quais são os desafios? Para começar, terra e água. Só 11% da superfície terrestre do mundo é cultivável, mas isso é mais que suficiente para alimentar a toda a Humanidade. De fato, um estudo patrocinado pela Fundação Rockefeller dá por superado o peak farmland: o ponto em que mais terra foi necessária para alimentar o mundo. A desaceleração do crescimento da população e a melhora da produtividade farão essa cifra diminuir. Mas o problema é que este último dado só se confirmará se os hábitos de consumo se mantiverem como agora, o que não deve acontecer. Segundo a FAO, até 2050, a terra cultivável deverá crescer 70% para abastecer todo o mundo. Em 1961, havia 2,5 hectares de terra cultivável por habitante e em 2050 haverá menos de 0,8. Ao mesmo tempo, é preciso um incremento de 64 bilhões de metros cúbicos de água doce por ano para adequar a produção agroalimentar à demanda.

Isso se agrava com a mudança climática. O efeito é especialmente notável nas regiões tropicais e equatoriais. Na Ásia, onde a implantação de sistemas de irrigação permitiu um grande aumento da produtividade, a maior instabilidade do clima pode pôr a perder os lucros obtidos. Em alguns países africanos, a rentabilidade agrícola pode cair em 50%.

Os problemas derivados da mudança climática logo se estendem a toda a economia. “Em 2010 e 2011, os anos prévios à Primavera Árabe, houve uma grave seca em todo o norte da África: Tunísia, Líbia, Egito”, recorda Kanayo F. Nwanze, presidente do IFAD, o braço financiador da FAO.

Quais são as possibilidades de negócio nesse novo mundo? O interesse de várias instituições ou inclusive de Governos, como o da Coreia do Sul, em adquirir terras de cultivo em vários países africanos despertou muita polêmica, embora a realidade esteja se mostrando um tanto diferente: “Estamos há vários anos fazendo um acompanhamento e é difícil quantificar quanto existe em realidade, se está crescendo ou se estabilizou”, comenta Benavides. “Mas continua aí e continua regulando bastante mal. Muitas terras nem sequer são colocadas para cultivo, por isso os agricultores locais não têm acesso”.

O negócio e o futuro da produção alimentar, segundo os analistas, está nas soluções tecnológicas. “Em inglês chamamos isso de more crop per drop: mais colheitas por cada gota de água”, diz Sarbjit Nahal, estrategista do Bank of America Merrill Lynch. “Há oportunidades de negócio em tratamento, gestão, infraestrutura e fornecimento de água, assim como em sementes e produtos agrícolas tolerantes a seca, agricultura de precisão”.

Grandes empresas do setor já estão trabalhando nisso. “Os produtos para a proteção das plantas estão indo além dos fitossanitários”, comenta Carlos Vicente, diretor de Sustentabilidade da Monsanto para a Europa.

As possibilidades tecnológicas já existem. “A irrigação por aspersão utiliza muito menos água que a inundação”, explica o tecnólogo Ramez Naan em uma entrevista ao projeto Future Foods 2050, organizado pelo Instituto de Tecnologia dos Alimentos (ITF).

Também o setor do maquinário agrícola está fazendo avanços. “Todas as empresas estão trabalhando para que haja equipes mais inteligentes, tratores que possam medir o que acontece com a planta sobre a qual passam”, diz Ulrich Adam, presidente da entidade empresarial europeia CEMA.

Segundo o Bank of America Merrill Lynch, o mercado de equipamentos agrícolas passará de US$ 130 bilhões (R$ 400 bilhões) em 2013 para mais de US$ 208 bilhões (R$ 643 bilhões) em 2018, uma elevação de 60% em apenas cinco anos. Só o mercado de drones para uso agrícola já é estimado em US$ 2 bilhões de dólares.

Para a maior parte dos analistas, o aumento da produtividade passa por um uso mais intensivo da tecnologia. O desafio é levá-la aos mercados emergentes e aos pequenos agricultores. As organizações internacionais apostam na criação de cooperativas e associações de pequenos produtores rurais para obter a economia de escala necessária à mecanização. Adam, da CEMA, diz que “as novas tecnologias são caras porque exigem um investimento de capital, mas o que aconteceu na telefonia celular, que entrou muito forte no campo e agora tem uma presença enorme, pode acontecer com outras tecnologias. A revolução digital pode tornar a agricultura menos dependente de capital intensivo do que é agora”.

A tecnologia também será indispensável quando a indústria agroalimentar precisar enfrentar uma mudança no paradigma energético. O drástico aumento da produção de hidrocarbonetos por causa de uma técnica de extração de gás e petróleo chamada faturamento hídrico reduziu as pressões econômicas sobre os agricultores, mas as metas oficiais de redução das emissões de gases do efeito estufa e o barateamento das energias alternativas imporiam uma mudança dramática no setor.

A expansão do mercado de biocombustíveis foi apontada como responsável pela crescente demanda por terras em nível global, mas ela tem pouca influência se comparada ao aumento do consumo de carne. Cerca de 60% do aumento da produção de alimentos até 2025 será na forma de ração animal. Na maioria de países emergentes, o consumo de carne é um símbolo de modernidade e status: o sinal de que se chegou à classe média.

Entretanto, o desafio tecnológico mais sério talvez seja o de transportar e armazenar os alimentos. Um estudo patrocinado pela FAO estima que, na América do Norte e Oceania, até 60% das raízes e tubérculos se perdem no caminho do campo ao consumidor. No norte e centro da África, o desperdício de frutas chega a 55%.

Para desenvolver redes de transporte e cadeias de frio é necessário investir muito dinheiro. Mas essa não é a única solução possível. “Quanto mais próximas das áreas de consumo, mais eficientes e menos custosas são as produções”, reflete Carlos Vicente. “Talvez a solução seja que os agricultores devam abastecer as populações em suas zonas de origem”, acrescenta.

Tecnologias como a de fazendas urbanas poderiam impulsionar esse movimento, mas, para Adam, trata-se acima de tudo de uma questão de hábitos de consumo. “No mundo desenvolvido, a maior parte das perdas ocorre em nossos frigoríficos e durante a distribuição”, diz. “Muitas frutas e verduras, sobretudo, são jogadas fora porque não atendem aos critérios de qualidade exigidos pelos consumidores. A tecnologia pode ajudar a produzir frutas mais bonitas, mas também possivelmente seja uma questão de educar o consumidor para que não queira uma comida perfeita a todo momento.”

A qualidade dos alimentos também preocupa os consumidores, tanto nos países tradicionalmente industrializados como nos emergentes.

Por outro lado, os consumidores procuram cada vez mais variedade, cada vez mais saúde e cada vez mais autenticidade nos produtos que consomem. E o setor responde. “Hoje em dia, duas em cada três companhias da indústria alimentícia se dedicam de forma permanente a algum tipo de inovação”, diz a entidade patronal Food Drink Europe, que faz lobby junto às instituições europeias em Bruxelas. “Metade dos produtos que vemos nos supermercados hoje não estarão nas gôndolas dentro de cinco anos.” “Os mercados são muito sensíveis aos temas ambientais”, comenta Jiménez. “Cada vez se busca mais o rastro da água, se houve um uso respeitoso da água na produção”, exemplifica.

A mudança nas preferências do consumidor também fomentou o crescimento de pequenas empresas, fora dos grandes grupos empresariais, especializadas em produtos muito específicos criados com padrões dificílimos de alcançar na produção em massa.

“O investimento do setor empresarial em desenvolvimento agrícola é de até 75% do seu total”, afirma Nahal. “O investimento em pesquisa e desenvolvimento agrícola continua sendo um dos mais produtivos atualmente”, afirma. “Oferece taxas de retorno de 30 a 75%.” Para efeito de comparação, um estudo com mais de 200 projetos de irrigação do Banco Mundial entre 1960 e 1995 estima a taxa de retorno em 15%.

Para os países, há um incentivo adicional: eliminar a fome não é só um imperativo moral, mas também algo que faz sentido do ponto de vista econômico. O Bank of America Merrill Lynch calcula que a fome tenha um efeito equivalente a R$ 6,8 trilhões sobre a economia global, o que é quase o peso do setor alimentício inteiro.

Fonte: Reportagem publicada no El País, adaptada pela Equipe BeefPoint.

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