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O manejo e as alterações no comportamento dos bovinos

Por Mateus J.R. Paranhos da Costa1

Há vários recursos e estímulos que são necessários para que os bovinos se encontrem em boas condições de bem-estar, como: o espaço em si, permitindo que os animais mantenham suas atividades em um contexto social equilibrado; os abrigos, para que possam se proteger dos rigores do clima; e os alimentos, incluindo as forragens, a água e os suplementos. Existem particularidades que definem o grau de necessidade de cada um desses recursos, dependendo das características genéticas e ambientais, como por exemplo, a necessidade por sombra depende da capacidade de adaptação do animal ao calor. Portanto, os maiores riscos para diminuição do bem-estar de animais mantidos em pasto, ocorrem na ausência ou deficiência de um ou mais dos recursos necessários, que resulta no aumento da competição entre os animais, com prejuízos óbvios para os submissos (Paranhos da Costa e Cromberg, 1997).

De maneira geral, podemos dizer que os bovinos são bem modestos em suas necessidades em qualquer um desses itens e, portanto, elas podem ser atendidas sem muitas dificuldades.

Todavia, quando manejamos os bovinos, conduzindo-os geralmente para os currais, produzimos uma desorganização em suas atividades sociais, dificultando a manutenção do espaço individual e provocando a quebra do equilíbrio na hierarquia de dominância, sendo difícil minimizar esses efeitos dados os equipamentos e as estratégias que usamos rotineiramente.

Vamos concentrar nossa discussão sobre o manejo em si, tecendo comentários sobre as instalações apenas quando necessário ou conveniente.

Muitas vezes, lidamos com o gado como verdadeiros predadores, galopamos, gritamos e acuamos, às vezes agredindo os animais fisicamente. Nessas condições, que reação podemos esperar dos animais? Medo!!! Levando-os a fugir ou a atacar quando acuados.

O problema vai além, o gado tem boa memória e capacidade de reconhecer pessoas (ou grupo de pessoas), tornando-se cada vez mais difícil de ser manejado, devido a ações violentas, que resultam em experiências negativas. Para exemplificar: em um de nossos estudos passávamos 12 horas por dia com o gado nos pastos, estudando seu comportamento. No início, as vacas nos estranhavam, mas com poucos dias não se importavam mais com a nossa presença (nós apenas as observávamos) e quando chegávamos ao pasto, cedo pela manhã, elas nos olhavam por alguns segundos e voltavam a pastar. Entretanto, quando os vaqueiros da fazenda entravam no pasto a cavalo (eles andavam uniformizados e se distinguiam facilmente de outras pessoas), todos os animais paravam de comer, ficavam observando e, logo em seguida, corriam, fugindo. Não é necessário dizer que esses vaqueiros, de quem o gado fugia, lidavam com os animais de forma muito violenta.

Esse tipo de reação se dá através de uma forma de aprendizado, o condicionamento (ou aprendizado associativo), pelo qual os animais estabelecem ligações entre determinadas situações (envolvendo lugares, pessoas, etc..) e sensações. Se as sensações forem negativas, o gado procura evitar as situações associadas a elas, fugindo, lutando, enfim, dificultando o manejo; já no caso delas serem positivas, o manejo pode ser facilitado. Por exemplo: se nós levarmos o gado para o curral, manejando-o com tranqüilidade, sem gritos, chicotadas e correrias, e, além disso, fornecermos ração, nós estaremos reforçando o comportamento de ir ao curral, facilitando a realização desse mesmo trabalho em momentos subseqüentes. O raciocínio inverso também se aplica, ou seja, maus tratos dificultarão o manejo futuro, inclusive levando a um aumento na distância de fuga dos animais em relação ao homem. Ao considerar esses princípios de aprendizado no manejo de bovinos poderemos melhorar sua eficiência, além de diminuir os riscos de acidentes.

Assim, uma estratégia interessante para melhorar as “relações” entre os vaqueiros e gado é aumentar as interações “positivas” entre eles; ou seja, o vaqueiro deve se tornar íntimo dos animais, passando mais tempo com eles, tanto a pé como a cavalo, e fornecendo rações e suplementos. Com isto o gado se habituará a presença do homem e estabelecerá uma relação positiva com ele.

Com essas medidas os problemas de gado refugando na entrada do curral ou na seringa provavelmente irão diminuir, mas, se as instalações ou equipamentos não forem adequados, tanto na forma como na dimensão, provavelmente pouco adiantará. Estudos sobre a forma e dimensionamento de currais de manejo têm sido realizados pela Dra. Temple Grandin, da Universidade do Colorado, EUA (para detalhes ver Grandin, 1993b). Tais desenhos levam em conta aspectos do comportamento e da estrutura biológica dos bovinos, por exemplo: dado o posicionamento de seus olhos, os bovinos têm um ângulo de visão muito amplo, mas também têm alguns pontos cegos. O manejo de condução do gado será facilitado se considerarmos esta característica, caso contrário, poderemos dificultá-lo, como ilustrado na Figura 1. Por exemplo: se invadirmos um de seus pontos-cego o animal provavelmente irá parar para olhar para trás, tentando enxergar o vaqueiro, atrasando todo o deslocamento. Imagine o tempo que perdemos se isto se repetir com cada animal que estivermos conduzindo para o tronco ou para o brete.

Um outro exemplo interessante está relacionado com o tipo de cercados que usamos nos currais e demais áreas de manejo, com tábuas intercaladas por espaços abertos. Este tipo de desenho permite que o gado se distraia ou se assuste com acontecimentos ou pessoas que estão do lado externo; fazendo com que os animais parem, recuem e tentem saltar, atrasando a conclusão do trabalho, ao vedar esses espaços na seringa podemos diminuir o tempo de entrada dos animais no tronco, além de ocorrer maior uniformidade das respostas.

Um outro aspecto importante é a condução dos animais para ambientes que eles desconhecem, como os caminhões, por exemplo, nós queremos que o embarque seja feito de forma rápida e tranqüila, mas nem sempre isso é possível. Dependendo do temperamento dos animais e do sistema de manejo que usamos, o gado pode ficar muito relutante em entrar no caminhão (ou em qualquer outro tipo de instalação que é desconhecida para ele); geralmente os animais abaixam a cabeça, cheirando o chão ou piso, e se locomovem muito lentamente, às vezes com relutância (avançando alguns passos e recuando em seguida). Na expectativa de acelerar o processo de embarque (ou de entrada em bretes ou troncos), geralmente estimulamos os animais com cutucões, choques elétricos e, não raras vezes, com pancadas fortes. Tais atitudes irão estressar ainda mais os animais, que ficarão mais nervosos, aumentando a agressividade e os riscos de acidentes (eles podem se atirar contra as grades do caminhão, pular sobre outros animais, escorregar, cair, atacar os outros animais com cabeçadas e coices, etc..).

Figura 1 – Entendendo a zona de fuga e os ângulos de visão dos bovinos durante o manejo (adaptado de Grandin, 1993a).

Como já relatamos antes, dado o processo de aprendizado associativo, tais respostas (tentar fugir, agredir outros animais, atacar os vaqueiros) podem se tornar comuns sempre que os animais forem submetidos a situações semelhantes de manejo ou quando detectarem a presença daquelas pessoas (ou grupos de pessoas) que os agrediram.

Do ponto de vista prático, as conseqüências do manejo agressivo são dificuldades no trabalho com o gado (retardando-o), lesões nos animais (fraturas, cortes, hematomas, etc..), danos nas instalações e riscos de acidentes para os trabalhadores. A intensidade dependerá das circunstâncias.

Para finalizar, convém lembrar que no manejo pré-abate as etapas mais críticas são as de embarque e de desembarque dos animais. No caso de manejo agressivo nesse momento, os animais ficarão mais estressados, resultando em prejuízos para a carcaça (hematomas) e qualidade da carne (cortes escuros – “dark-cutting”), lembrando que tais prejuízos podem ser decorrentes da ação direta do homem, ao bater ou acuar os animais contra cercas, porteiras, etc., ou indireta, com a formação de lotes novos nessa etapa final da produção, desrespeitando os seus padrões de organização social e aumentando as interações agressivas entre os animais.

Assim, para melhorarmos o manejo dos bovinos de corte, é necessário ampliar o conhecimento sobre a biologia do gado bovino, em particular dos zebuínos. Só assim poderemos melhorar as nossas interações com esses animais, minimizando riscos de acidentes e garantindo melhores desempenhos pelos animais e qualidade do produto obtido.

No que diz respeito ao manejo, que define muito do ambiente psicológico dos bovinos, precisamos contar com: a) instalações adequadas, dentre as quais estão incluídos o próprio pasto – no sentido mais amplo, com cercas, cochos, bebedouros, vegetação, etc.., bem como os currais, bretes, troncos e balanças; b) pessoal convenientemente treinado, conhecedores das necessidades dos animais e das técnicas de condicionamento, de forma a lidar com o gado sem a necessidade do uso de violência; c) animais com nível adequado de reatividade, selecionando-os e amansando-os, para diminuir as reações agressivas durante o manejo; d) supervisão das atividades, para avaliar a adequação das instalações e garantir a eficiência no treinamento e no programa de seleção.

Quanto ao aspecto físico, devemos ter em conta, além das necessidades dos bovinos, a preservação dos recursos naturais, a economia e a praticidade do sistema de produção. Não acreditamos ser útil priorizar um desses itens em relação aos outros, pois, ao nosso ver, eles estão intimamente ligados. Análises econômicas de curto prazo podem trazer uma visão equivocada da mensagem que queremos passar aqui, afinal os custos decorrentes da degradação ambiental geralmente só são notados depois que os problemas de degradação se tornam muito severos. Felizmente, grande parte dos produtores já está consciente desse problema, e sabe muito bem quanto custa formar ou renovar pastagens degradadas. Assim, antes de desenvolver um projeto sobre a arquitetura dos pastos, devemos analisar com cuidado a topografia do terreno, as características do solo e a distribuição dos recursos naturais necessários aos bovinos (basicamente água e sombra), para, a partir daí, definir como e onde serão construídas as cercas e instaladas as porteiras, cochos e bebedouros (quando necessários). Por exemplo, um simples erro na definição da posição da porteira, decorrente da falta de planejamento ou em busca apenas de praticidade no manejo do gado, pode resultar em erosão, trazendo sérios problemas, dentre eles o aumento de despesas.

Assim, julgamos prudente sempre enfatizar que as estratégias de criação só devem ser definidas após uma análise das características ecológicas do ambiente de criação, das necessidades dos animais a ser criados (Paranhos da Costa e Cromberg, 1997) e dos contextos econômico e social nos quais a atividade pecuária se insere (Joandet e Cartwright, 1975).

Referências Bibliográficas:

Grandin, T. (1993a). Behavioural principles of cattle handling under extensive conditions. In: T. Grandin (ed). Livestock handling and transport, CAB International: Wallingford-UK, p. 43 – 57.

Grandin, T. (1993b) Livestock handling and transport, CAB International: Wallingford-UK, 320 pp.

Joandet, G.E. and Cartwright, T.C. (1975). Modelling beef production systems. Journal of Animal Science, 41 (4): 1238 – 1246.

Paranhos da Costa, M.J.R. and Cromberg, V.U. (1997) Alguns aspectos a serem considerados para melhorar o bem-estar de animais em sistemas de pastejo rotacionado. In: Peixoto, A. M.; Moura, J.C. e Faria, V.P. (ed.). Fundamentos do pastejo rotacionado. FEALQ: Piracicaba, p. 273-296.
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1Mateus J.R. Paranhos da Costa, ETCO – Grupo de Estudos e Pesquisas em Etologia e Ecologia Animal, Departamento de Zootecnia, Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias/UNESP

0 Comments

  1. João Carlos de Campos Pimentel disse:

    Muito bom este artigo. Excelente, na verdade. Parece que agora a Etologia chega com força à pecuária brasileira.

    Era uma das abordagens científicas que, na minha opinião, estava faltando.

    Números são muito importantes na tomada de decisão. Podemos imaginar uma determinada quantidade de peso adicionalmente ganho em função de existirem sombra nas pastagens. Esse ganho adicional, multiplicado pelo número de animais, pela quantidade de dias e pelo valor do kg de peso vivo fornece um valor monetário. Esse valor pode ser comparado com o custo de plantar árvores de sombra nas pastagens e usado an tomada de decisão.

    Minha pergunta é: o senhor conhece algum estudo que mostra relação quantitiva entre ganho de peso e sombra nas pastagens em gado bovino (Nelore e europeu) que tenha sido conduzido de forma a separar os efeitos da disoponibilidade de alimentação?

    Cordialmente,

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