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O manejo dos bovinos

Acredito que poucas vezes paramos para analisar como lidamos com os bovinos. Geralmente consideramos imutável a forma de lidar com o gado, realizada com mais ou menos qualidade de acordo com as habilidades dos funcionários disponíveis na fazenda. E infelizmente, quando pensamos sobre como é a lida tradicional com os bovinos no Brasil, a primeira imagem é a de um trato desnecessariamente agressivo. Claro que há algumas honrosas exceções.

Não é o caso, absolutamente, de denegrir a imagem de quem trabalha diretamente com o gado. Essas pessoas, em sua maioria, devem ser objeto de admiração tanto pela sua habilidade na lida diária com os animais, como pela sua disposição para o árduo trabalho que realizam dia após dia, independentemente do clima, estações do ano, etc. Contudo, muitas vezes quem trabalha com os animais não tem visão de outras formas mais produtivas de manejo do que a tradicional.

Como primeiro passo para avaliar o manejo dos animais nas nossas fazendas – assim como no transporte, nos frigoríficos, nas leiloeiras, nas exposições etc – é interessante conhecer a origem histórica dessas práticas na nossa pecuária. Essa origem deve ser buscada muito antes do tempo de nossos pais e avós, deve ser buscada na cultura dos países colonizadores.


A influência das antigas metrópoles na lida com o gado pode ser observada se compararmos, nas Américas, as formas de manejo nas regiões de colonização espanhola com aquelas nas regiões de colonização inglesa. As atitudes do homem em relação ao animal na América Latina e no Sul dos Estados Unidos são diferentes daquelas usuais no norte das Américas.

O manejo do gado na Espanha e na Inglaterra era diferente principalmente em relação ao grau de agressividade e de individualização com que os bovinos eram tratados. Essas diferenças se devem tanto aos ambientes físicos destes países, como a suas culturas. Ambas sociedades eram machistas (Smith, 1998), mas na Espanha (e Portugal) isso era mais pronunciado do que na Inglaterra. Essa dominação do homem era exercida não só nas relações pessoais, mas também nas relações com os animais domésticos.

Entretanto, de acordo com alguns historiadores (Harris, 1974; Smith, 1998), o ambiente físico dos países colonizadores teve papel mais preponderante do que as suas características culturais. No ambiente úmido e fértil do norte europeu e Inglaterra, era comum maior densidade populacional e rebanhos menores nas fazendas. O animal era considerado como indivíduo, pois representava uma grande parcela da riqueza da família. A interação entre o homem e o animal era forte, e cada um contribuía diretamente para o bem-estar do outro.

Contrastando com essas regiões, a Espanha era bem mais árida, constituída de muitas áreas com menos de 600 mm de chuva anual, e uma grande área sujeita a inverno úmido e longo verão quente e seco. Devido a essas características geográficas, o gado era criado extensivamente. Além disso, foi longa a ocupação da região pelos Berberes, povo seminômade acostumado a lidar com grandes rebanhos. Já que o rebanho era grande e a criação, extensiva, os animais eram tratados como grupo, e não como indivíduos (Smith, 1998).

De acordo com Grandin (1988), o manejo do gado nos países escandinavos, Canadá e norte dos USA é geralmente melhor que no sul dos USA e México. Curtis e Guither (1983) relatam que nos países do sul da Europa existe menos interesse no bem-estar animal do que nos do norte. Kellert (1978, 1980) também observa que em cada região prepondera determinada atitude em relação aos animais. Pessoas com a “atitude de macho” são mais propensas a tentar dominar o animal pela força do que pelo bom senso.

É interessante observar que em alguns países no exterior aumentou a contratação de mulheres para lidar com o gado em confinamentos, frigoríficos e leilões (Grandin, 2000) por serem aquelas, em geral, mais cuidadosas e atenciosas com os animais. No Brasil podemos observar o mesmo em algumas fazendas de gado de leite, especialmente no trato dos bezerros. Já se constatou que a forma de interação com os animais tem influência considerável no seu comportamento e bem-estar (Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare, 2001).

Nos dias de hoje é cada vez mais comum que o bovino seja tratado como indivíduo. Isso se dá por razões econômicas – valor de venda do animal e necessidade de alta performance produtiva – e éticas. Também melhores estruturas de manejo na fazenda como pastos menores, corredores e bons currais facilitam o trabalho com o gado.

Portanto, atualmente nem o fator cultural, nem as características naturais do ambiente são empecilhos no desenvolvimento de um manejo menos agressivo com os animais. Se este puder ser melhorado, quer na forma da lida dos animais e nas instalações de manejo, quer nas condições de trabalho dos funcionários (moradia, benefícios etc), deve-se pensar seriamente em investir nessa melhoria. Mas para isso é fundamental a mudança de atitude daqueles que são responsáveis pelo gerenciamento do trabalho de lida, contratados ou proprietários. Mudanças “culturais” nunca são fáceis, mas neste caso elas não seriam tão difíceis, principalmente porque trariam grandes vantagens econômicas.

Referências bibliográficas

Curtis, S.E. e Guither, H.D. (1983). Animal welfare: an international perspective. In: Baker, F.D. (ed.) Beef Cattle Science Handbook. Westview Press, Boulder, Colorado, pp. 1187-1191.

Grandin, T. (1988). Behaviour of slaughter plant and auction employess towards animals. Anthrozoos 1, 205-213.

Grandin, T. (2000). Introduction: management and economic factors of handling and transport. In Grandin, T. (ed.) Livestock handling and transport (2nd ed.). CAB International, Wallinford, UK, pp 1-14.

Harris, M. (1974). Cows, Pigs, War and Witches: The Riddle of Culture. Vintage Books.

Kellert, S. (1978). Policy Implications of a National Study of American Attitudes and Behavioural Relationships With Animals. Stock No. 024-101-00482-7, US Fish and Wildlife Service, US Department of the Interior, US Government Printing Office, Washington, DC.

Kellert, S. (1980). Americans attittude towards, and knowledge of animal: an update. International Journal for the Study of Animal Problems (Humane Society of the US, Washington, DC) 1(2), 87-119.

Scientific Committee on Animal Health and Animal Welfare, (2001). The Welfare of cattle kept for Beef Production. European Comission, Health & Consumer Protection Directorate-General, Unit C2 – Management of scientific committees, EU.

Smith, B. (1998). Moving ‘Em – A Guide to Low Stress Animal Handling. The Graziers Hui, Greencastle, IN.

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