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O consumo nos EUA em números, muitos números

Quando fiz o meu MBA em meados dos anos 2000, a aula inaugural do curso, dada por um renomado consultor e professor de economia, disse para não acreditarmos em tudo o que se diz por aí sobre economia e comportamento de mercado. A solução para isso? Ir atrás dos seus próprios números e das suas próprias respostas.Rancho do Vinho

Baseado nisso, fui buscar dados para transformá-los em informações e usá-las para analisar a relação entre as proteínas e o movimento do consumidor norte-americano perante todas as transformações ocorridas no mercado, crise econômica, alta do petróleo, alta no preço dos alimentos, para saber como ele se comporta e em que direção ele pode estar indo ao buscar se manter na mesma classe social, se manter como consumidor e, por vezes, para se manter vivo. Analisei vários dados, alguns dos quais disponibilizo para vocês aqui na forma gráfica, de várias fontes que pude acessar, algumas oficiais, outras nem tanto, mas que refletem o dia a dia dos negócios e podem mostrar tendências, que é importante quando analisamos dados.

Minha intenção aqui, neste artigo, não é avaliar profundamente as transformações, mas de forma sutil entender algumas dinâmicas e correlações que acontecem na vida desse consumidor e lançar possibilidades para o futuro. Mas não se iluda, caro leitor, dados e estatísticas são como os biquínis, revelam muita coisa, porém mesmo assim coisas importantes ainda ficam escondidas – você tem de se esforçar muito para ver o que ninguém enxerga através deles, dos dados e estatísticas e dos biquínis também.

Primeiramente, vamos começar entendendo quanto o consumidor tem para gastar, que é a renda média do trabalhador americano. Nesse ponto, as notícias não são boas. Analisando uma série de dados desde 2006 a 2011 do ministério do trabalho americano, dados estes obtidos por meio de uma pesquisa de gastos dos consumidores realizada em 122 mil lares americanos anualmente, vemos no Gráfico 1 (valores na coluna da esquerda) que, apesar do ganho ter subido de 2006 a 2008, ele decresce a partir desta data. Ela é reflexo da crise econômica que atinge os Estados Unidos, de forma pungente. O índice de desemprego sobe para uma média acima de 10% no país, sendo que, em algumas regiões, este número é muito maior, criando ilhas de problemas onde até cidades faliram.

Apesar de mostrar recuperação na renda a partir de 2010, esta indicação ainda está longe de mostrar uma recuperação efetiva do consumidor e da economia, como veremos mais à frente. Nessa esteira da variação da renda desse consumidor, por intermédio da pesquisa, conseguimos entender o que o americano fez para conviver com a crise e saber o que foi e o que será importante para o seu consumo diário. Para isso, analisei os gastos em dólares dos consumidores nas principais ca- tegorias de produtos, como mostra o Gráfico 2; voltaremos a ele depois.

Na pesquisa, o lar médio americano é composto de 2,5 adultos até 65 anos, 0,6 criança com menos de 18 anos, 0,3 adulto com mais de 65 anos, e de 1,9 a 2,0 veículos por lar; os trabalhadores que possuem renda correspondem a 1,3 pessoa nos lares estudados. Essa informação é importante para avaliar o consumo típico da família no seu dia a dia. Esses números não são hipotéticos, eles são reais e se mantiveram entre 2006 e 2011.

Quando olhamos o Gráfico 1, vemos que, entre 2009 e 2010, a renda líquida dos americanos – portanto, ganho depois do imposto – não acompanhou a queda da renda bruta, antes do imposto. A renda líquida foi ligeiramente superior. Isso é explicável pelo pacote de estímulo do governo federal de 2008, no qual o imposto sobre a renda foi reduzido (rebate) e, depois, seguido por várias outras reduções de impostos ou estímulos federais, visível no Gráfico 1 na linha vermelha pontilhada (valores no eixo da direita). Os impostos pessoais em 2008 e 2010 foram reduzidos acentuadamente, o que disponibilizou mais dinheiro para o cidadão poder arcar com seus gastos. Então apesar da diminuição da renda bruta, o governo ajudou a recuperar o poder de compra do cidadão americano mediante a redução de impostos, com o intuito de tentar manter o padrão de consumo ou compensar altas de preços advindas do efeito da crise econômica.

Interessante entender onde o contribuinte usou este dinheiro. Esse dado revelou que 49% dos contribuintes usaram o dinheiro para pagar dívidas, 30% gastaram o dinheiro no consumo, 18% guardaram e 3% não informaram o destino.

Então esse acréscimo de renda provindo da diminuição dos impostos e usado para o consumo migrou para onde? Alimentos, transporte, energia, telecomunicações? Vamos explorar mais as informações para saber se isso está detectável ou não.

Quando buscamos as informações sobre os gastos totais das famílias americanas, ainda no Gráfico 1, notamos que estes diminuíram a partir de 2008, sendo 2009 e 2010 anos nos quais os gastos foram reduzidos, consecutivamente, 2,8% de 2008 para 2009 e 2% de 2009 para 2010. Parte explicável pela recessão que oficialmente se instalou nos Estados Unidos em dezembro de 2007 e terminou em junho de 2009. A falta de confiança do consumidor na recuperação da economia fez com que as famílias reduzissem os gastos e a contínua desvalorização dos imóveis acentuou a falta de confiança no consumo.

A alta e persistente taxa de desemprego, que passou de 10% em média no país, ajuda a explicar também a diminuição no ganho antes do imposto do americano após 2008. Em 2009, eram 4,5 milhões de desempregados e, em 2010, eram 6,4 milhões de pessoas nestas condições, sem emprego por mais de 26 semanas no ano.

Quando ampliamos a pesquisa para saber onde os gastos aconteceram, algumas particularidades podem ser vistas no Gráfico 2. As despesas com moradia, saúde e educação vêm com aumentos crescentes de 2006 a 2010, sendo que moradia (valores no eixo da direita) atinge o ápice na crise em 2008, quando os imóveis perderam valor e parte dos proprietários se via em condições difíceis de continuar pagando suas hipotecas; estes venderam seus imóveis para pagar o financiamento (foreclosure) e evitar o corte do seu crédito.

Em 2010, foi batido um recorde onde 2,9 milhões de propriedades americanas estavam em processo de foreclosure. O aumento dos gastos com educação é provavelmente o reflexo da busca de qualificação melhor para se recolocar no mercado de trabalho, agora muito disputado e no qual os melhores preparados se sobressaem na abundância de oferta de mão de obra.

A falta de confiança do consumidor [norte-americano] na recuperação da economia fez com que as famílias reduzissem os gastos e a contínua desvalorização dos imóveis acentuou a falta de confiança no consumo

O gasto com transporte foi reduzido significativamente a partir do início da crise em 2008, quando as vendas de automóveis nos Estados Unidos despencaram e a indústria automobilística do país sofreu o maior impacto da sua história. Gigantes como a GM, entre outras, tiveram que buscar ajuda financeira governamental para atravessar este período muito difícil.

Era visível os vendedores na porta das revendas esperando aparecer os compradores. Além das montadoras americanas, as estrangeiras, que têm nos Estados Unidos o seu primeiro maior mercado de exportação, como as do Japão, Europa e México, por exemplo, também sofreram o impacto.

Mas vamos ao que interessa: o gasto com alimentos, o que aconteceu? O americano mudou o hábito de consumo? Passou a comer menos fora de casa como os jornais apregoaram na época da crise?

Se observarmos o Gráfico 3, vemos o comportamento dos gastos com alimentos, ainda alto em ambas as modalidades. Entre 2008 e 2009, tivemos um ligeiro decréscimo no gasto com comida fora de casa e uma quase estabilidade no gasto com alimentos em casa. O que se observou no mercado foi que redes de comida rápida, baratas e que foram rápidas em adaptar o seu menu para oferecer valor aos seus clientes se saíram melhor que os restaurantes chamados full service dinner, que são mais sofisticados e com menus mais caros; estes sofreram e alguns fecharam as portas ou entraram em concordata.

Houve, no primeiro momento da crise, a migração de clientes de um modelo de restaurantes para outro, e também a migração para a compra de alimentos nos supermercados. A queda dos gastos com alimentos totais ficou em 3,8% de 2009 para 2010 e já voltou a subir em 2011 em 5,3%.

Quem se lembrar da edição de março de 2010 desta revista, escrevi sobre a queda de tráfego de clientes e faturamento nas redes de fast food e restaurantes, bem como o comparativo com o varejo. Era claro que as redes perdiam clientes e faturamento, enquanto o varejo, como Wal-Mart e Target, tinha incrementos de venda na área de alimentos. Também na edição de junho de 2011, na qual o tema desta seção foi o food service nos Estados Unidos, a associação dos restaurantes e food service americano – National Restaurant Association (NRA) – informou que, em 2008, o setor encolheu 2,8%, o pior resultado em 30 anos, mas a expectativa para 2011 já era positiva novamente, depois que os restaurantes e redes adequaram seus menus às novas necessidades do consumidor, além da adequação dos custos a uma nova realidade de mercado.

Podemos também fazer outra análise: se dividirmos o valor dos gastos com comida fora de casa pelo de comida dentro de casa, temos o que mostra o Gráfico 4. Vemos que, entre 2006 e 2011, o quociente é um gradiente contínuo de decréscimo; a participação da comida fora de casa diminuiu se comparada com o gasto dentro de casa em pouco mais 10% neste período, e mesmo com a melhora da economia em 2011, o índice continuou com a mesma tendência.

Outro dado que não está nesse gráfico e que ajuda a explicar esse movimento, é o dos gastos por faixa de renda e por etnia. Os menos ricos gastaram 0,1% mais em refeições fora de casa e reduziram em 7,8% os gastos de alimentos no lar, resultando em um decréscimo de 5,5% no total dos gastos com alimentos; os médios ricos foram os únicos que aumentaram os gastos com alimentos, resultando num crescimento de 2,1% no total; os mais ricos aumentaram os gastos com alimentação em casa em 1% em 2010, se comparado a 2009, mas reduziram em 3% os gastos com alimentação fora do lar, resultando em uma redução total de 1%.

Nos grupos étnicos, os brancos e não hispânicos reduziram os gastos com alimentação em 5,1%, enquanto os hispânicos aumentaram os gastos tanto no lar como fora do lar em 6,4%; já os negros não hispânicos também aumentaram os gastos em 5%. Então podemos observar que o hábito do americano de comer fora de casa pode estar mudando, neste momento em busca de maior valor nas refeições, mas o consumo de alimentos fora de casa ainda é expressivo para qualquer alarde na minha opinião (ver Gráfico 5). Cabe estudar melhor, entre as classes e etnias, onde estão as oportunidades para o food service crescer e mostrar sua capacidade de adaptação.

Na próxima edição, vamos abordar a continuação deste assunto no tocante às carnes; como esta categoria se comportou dentro dos alimentos. E tentar identificar tendências do consumidor norte-americano ante as dificuldades do mercado global e a produção de alimentos no país, quais as suas preferências, etc. Até o mês que vem!

As fotos deste artigo foram cedidas gentilmente pela costelaria Rancho do Vinho | www.ranchodovinho.com.br

 

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