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O caminho do Brasil e a estrada

Por André Bartocci, pecuarista da fazenda Nossa Senhora das Graças, em Caarapó – MS.

Primeira Carta Aos Vereadores de Caarapó

Em pleno século 21, você acha justo uma criança faltar da escola por motivos climáticos?

04h30min da madrugada de segunda feira 24 de junho, Isaque de cinco anos acordou, e apesar de ser bastante cedo para um pequeno desta idade, se dirigiu para a cozinha onde a mãe estava e escutou isto:

– Pode voltar para cama filho… Está chovendo!

Isaque olhou para a janela, escutou as gotas, já sabia o que aquilo significava: o ônibus não vem. Pensou que chuva é um problema. Passou pela sua cabeça que o Felipe e o Rodrigo vão participar da aula de educação física hoje, que é tão legal. Eles moram na cidade. A Chuva para a cidade não é um problema, concluiu! Não voltou para cama. Ligou a TV, para sua alegria a energia ainda estava lá.

Nestes 24 meses que Isaque frequenta a escola pública “gratuita” brasileira ele já aprendeu algumas coisas sobre as aulas: nos fins de semana não tem, é quando ele fica mais tempo com o pai, existem também dia da Independência e sexta feira santa, neste não pode nem brincar… E existe a chuva!

Mas este texto não é para saber o que o Isaac pensa e sim mostrar o que ele deixa de pensar nos dias em que chove!

E o que você pensa disto?

(a) Que as escolas que recebem alunos rurais têm um bom esquema e conseguem suprir estas faltas com reposições e trabalhos intensivos. Não, elas não têm.

(b) As televisões brasileiras podem e devem suprir estas faltas. A TV Cultura é um bom exemplo ou a Ana Maria Braga!

(c) O futuro deste menino será prejudicado, pois com certeza ele terá menos oportunidades que seus colegas da cidade.

Antes de você responder quero dizer que nesta região onde Isaque mora, as chuvas insistem em não ocorrer só nos finais de semana e feriados! Consequentemente Isaque perde muitas aulas.

As escolas destinadas a alunos rurais são escolhidas a dedo. Primeiro são aquelas que recebem alunos itinerantes, pois trabalhadores rurais mudam de municípios mais que os urbanos e a única vantagem que elas oferecem é que elas aceitam inclusões durante o ano letivo. Segundo que não levam em conta a frequência, pois também já entenderam a regra clara: choveu, o ônibus rural não vem. E chove muito no Sul do Mato Grosso do Sul. Bom para o Brasil. Graças a Deus. Será que o Isaque também enxerga assim? E sua mãe?

Mas este texto não é para saber o como o Isaque enxerga e sim mostrar o que ele deixa de enxergar nos dias em que chove!

Os moradores rurais pagam os mesmos impostos, mas não possuem creches, hospitais, praças públicas, bibliotecas, centros esportivos, teatros, cinemas, transporte público… Bom mas morar na roça é muito melhor, pode alegar algum romântico, e eu pergunto: “Melhor para quem Cara Pálida?”. Com certeza é melhor para a cidade que os rurais não venham para cá disputar as migalhas oferecidas pelo governo que comparadas com os serviços oferecidos para o campo se tornam regalias. Incluem nas benesses do Governo para o campo as estradas de terra, sem esgotos, com pontes de madeira, com erosões e sem sinalização. Elas ficam intransitáveis quando o pluviômetro acusa mais de 30 mm! A manutenção destas estradas é de baixo custo e de grande benefício.

Por coincidência além da educação, a produção também deixa de passar por estas estradas quando chove por ali!

O investimento em educação é uma solução unânime quando o problema de desenvolvimento de um país esta em pauta. Pode até haver divergência na forma que ela deve ser aplicada, mas não há dúvida sobre sua necessidade. Ela é item prioritário em todo plano de governo de candidatos que disputam uma eleição. Infelizmente por causa de seu efeito retardado e sua difícil avaliação pela população os recursos prometidos a ela são destinados para áreas mais objetivas e imediatas como asfalto, moradia, viadutos, iluminação, praças, saúde e também, infelizmente, para outras menos honradas. Esta característica de orientar investimentos pela sua visibilidade e não por seu real benefício é uma característica perversa de governos democráticos frágeis seja de esquerda ou de direita.

Por esta lógica você acha que os recursos para educação rural serão priorizados?

Pelos dados do governo, nossa educação melhorou nos últimos 10 anos, porém este resultado definitivamente não pode ser comemorado na área rural. E se apesar desta melhora as notas das escolas brasileiras no IDH (índice de desenvolvimento humano) estão baixas, especificamente no campo estes baixos níveis ainda são metas distantes a serem atingidas. A educação e consequentemente a formação de cidadãos fora das cidades vai muito mal.

Então quem pilotará nossas magníficas colhedeiras equipadas de GPS, quem conduzirá nossa agropecuária de precisão, e quem dominará a biogenética em expansão? Como alimentaremos o mundo sem uma boa formação? E de quem será a culpa quando os preços dos alimentos começarem a acusar a falta de preparo e competência de seus produtores?

A falta de uma política de desenvolvimento social para as pessoas que vivem fora das cidades é o motivo pelo qual nosso campo é ocupado pelos poucos que estão lá, por paixão ou pela grande maioria que esta lá, por não ter opção.

Igualdade é a base de um Estado  justo e garantia de um futuro livre. Dar as mesmas condições de educação para todos os cidadãos é um dever constitucional do Estado descrito no artigo Art. 6º e repetido em outros em nossa Carta Magna. Talvez o Isaque e sua família não saibam disto.

Mas este texto não é para saber o que o Isaque sabe e sim mostrar o que ele deixa de saber nos dias em que chove!

É justo em pleno século 21, o Isaque, a Ana Beatriz, o Patrick, a Julia, o Paulinho, a Ana Paula, a Raisa, o Ronald, a Claudine, a Maria Paula, a Cynnthia, a Beatriz, a Eulane, a Renata, o Wilton, a Maria Rosa, o Luiz Fernando, a Aline, o Alison, o Denilson, a Juliana, o Lucas, a Laís, a Letícia, o Alan, a Silvina, a Taissa, a Karen, o Cauan, o Maicom, a Kessy, o Evair, a Nuara, o Evair, a Débora, a Aline, o Osmar, a Andriele, a Adriana, o Josimar, a Geovana, o José Antonio, o Maiko, o Bruno, o Matheus, o Renan, o Jair, o Jailson, a Roseane e muitos outos perderem 20 dias de aula (10% das aulas dadas em 2013) porque choveu?

O que você acha disto?

*obs. Neste mesmo período, faltou energia 24 dias na casa do Isaque, mesmo ele morando no país da Itaipú!

Por André Bartocci, pecuarista e administrador da fazenda Nossa Senhora das Graças, em Caarapó – MS. Realiza recria e engorda. Foi 2 vezes campeã do Circuito Boi Verde de Carcaças, Boas Práticas EMBRAPA cat-OURO, GLOBALGAP, Prêmio Nelson Pineda 2011 e 2012, Lista Trace, Marfrig-Club-platinum. André já palestrou em diversos eventos do BeefPoint

10 Comments

  1. PAULO CESAR BASTOS disse:

    Prezado Andre Bartocci

    Texto verdadeiro, válido para o Brasil Rural inteiro. É isso aí. Valeu.
    Algumas considerações/ reflexões sobre esse brado retumbante.
    1- Sem educação , não tem solução.
    2- Precisamos fomentar a cultura de que país desenvolvido é o que possui adequada infraestrutura.
    3- Urge modificar o desenho, do tempo colonial, de priorizar o desenvolvimento no litoral.
    4- O Sertão não virou mar, mas produz a comida para quem vive na beira do mar, e, também, no além mar.
    5- Aquele que produz ao progresso o nosso Brasil conduz
    Para tudo isso e a construção um bom caminho precisamos de gestões eficientes com equipes de profissionais experientes. Óbvio e elementar, falta acreditar e aplicar.
    Cordiais saudações sertanejas

    Paulo Cesar Bastos

  2. Fabio Batista Martins disse:

    André, belo texto! O que li me fez lembrar o que passam as crianças da minha terra natal, Bicuíba-MG. Lá ocorre tudo o que você disse no texto. Se chove as estradas pra nada servem. Só para alguns mais corajosos que se arriscam no lama sem fim. O que mais me deixa triste é saber que para corrigir estas estradas, custa muito pouco ao poder público. Mas ele prefere desviar o dinheiro para outros processos menos nobres… Um país maravilhoso como o nosso merecia uma classe política comprometida com o crescimento de todos.

  3. ELIANE FARIAS disse:

    Ameiiiiiii parabens Andre

  4. Ivonatto Felix da Costa disse:

    As escolas nos municípios, com força para a Agricultura e Pecuária, Tem que ter o Jardim de Infância voltado para o ensino agrícolas. A escola de Ensino Fundamental tem que ter um ensino com fundamentos de ciências, solos, plantações, meteorologia, criação de suinocultura, avicultura, olericultura, fruticultura. O ensino médio, já tem que ter formação técnica tanto na agricultura como na pecuária, reflorestamento, mecanização e manutenção de maquinas. E nas universidades, formação engenheiros florestais, médicos veterinários, Economista do Agronegócio. Um ensino voltado para o homem do campo nos Estados: Mato Grosso; Mato Grosso do Sul; Tocantins; Goiás; São Paulo; Paraná; Bahia; Piauí, entre outros. O Brasil hoje tem novo endereço? O novo endereço é o campo agrícola. Espero não ter confundido ninguém.

  5. Jeremias disse:

    Parabéns pelo seu artigo André!Nós somos covardes e omissos!Temos que “rasgar o verbo”!Talvez assim, em algum momento,esses políticos resolvem fazer a verdadeira política da educação,da cidadania,da humanidade que a grande maioria deles não sabem o que significa.Precisamos questionar e lutar sempre pelos nossos direitos e dos menos favorecidos!

  6. Janete Zerwes disse:

    Olá André,

    Ótima matéria!

    Nasci em uma fazenda no Rio Grande do Sul há exatos 65 anos atrás. Filha mais velha de um arrendatário e pioneiro da agricultura mecanizada. A casa onde morava distava apenas 12 km da cidade, mas quando chovia não se podia transitar. Por essa razão, meu pai construiu uma pequena escola no campo e conseguiu uma professora com a prefeitura. A professora foi morar na nossa casa e devo a ela minha alfabetização. Mas não escapei de ir para um colégio interno com 7 para 8 anos de idade. Meus pais se preocupavam com a educação das filhas. Sabiam que nosso futuro dependia disso.

    Hoje, aqui no Mato Grosso, acompanho histórias similares a minha, e outras, exatamente iguais a essas que você citou. Crianças que não vão para escola por que o ônibus quebrou, a ponte caiu ou por que não tem água para abastecer a escola, ou ainda por que não tem merenda escolar.

    A respeito da merenda escolar, conheci uma história muito feia, contada por um vendedor de insumos. Essa pessoa ao visitar uma propriedade aqui no interior, viu em um barracão, enorme estoque de produtos da merenda escolar que seria destinado a alimentação animal. Como e porque esses alimentos foram parar lá, ele não soube me dizer, mas sei que muitas crianças deixam de ir a escola por falta de merenda.

    Também vi coisas muito positivas. Uma professora da quinta série, no norte de MT, ensinou os alunos a calcular o custo/benefício (princípios de fundamentais de gestão!) da produção de leite de pequenas propriedades. Aprenderam a pesar a ração e o leite para calcular com exatidão os custos e a produção. Aprenderam a construir gráficos de produção! Tudo foi exposto na revista Produtor Rural, e, a matéria da jornalista Martha Batista, recebeu um prêmio jornalistico pela mesma. Fatos como esse, comprovam, se existe empenho, as coisas acontecem.

    Teu artigo traz com ele a antiga pergunta que não se cala: Será que ainda cabe a nós, da sociedade rural, da iniciativa privada, mais esse esforço, além dos mutirões para construir estradas e pontes, também nos preocuparmos com a construção e manutenção de escolas?! E, com quem fica a responsabilidade com os bens e serviços públicos ?!

    Abraço,

    Janete Zerwes

  7. vitor maia silva disse:

    Parabéns André Bartocci. Foi um texto que me prendeu a atenção até o final! Vi muita verdade em tudo o que escreveu, gostaria de declarar para o Brasil junto contigo que na área rural existe vida humana também, contribuintes que não usufruem das “migalhas” do governo. Enfim… continue fazendo este trabalho, estou muito orgulhoso deste site!!! Um grande abraço

  8. flavio humberto disse:

    parabens Andre, posicionamentos como esse é que farao a diferença daqui p/ frente, apontar o erro e mostrar o caminho.

  9. Luis Otávio Pereira Lima disse:

    Parabéns André pelo texto, você foi muito feliz em suas colocações. Ivonatto este ponto é crucial no aprendizado rural.
    Quero aqui ressaltar que existem também as escolas rurais, aqui em Juara/MT especificamente na Faz. Gairova (120 Km de Juara) temos uma escola municipal rural que reúne alunos dos quatro retiros mais a séde. São 19 alunos distribuídos em duas classes, aqui começa as desigualdades entre esta e a escola urbana, alunos da 1ª até 4ª série em uma sala e alunos da 5ª até 8ª série em outra, multidisciplinar. Esta escola está sob direção de duas professoras. Os alunos acordam 5:00 horas da manhã a Kombi escolar faz o transporte. Aqui as estradas são boas, 40 km percorridos todos os dias sem problemas pois está no calendário anual da fazenda mantê-las transitáveis. O ensino aqui atende as questões levantadas pelo Ivonatto pois, o ensino está voltado para a realidade de vida dos alunos. Mas onde está o gargalo? O professor, temos duas professoras de excelência na qualidade “vontade de ensinar” mas também existe muita vontade de aprender, fazer cursos de aperfeiçoamento, novas formas de ensino. Como elas podem fazer isto sem prejudicar o ano letivo? Este é o grande desafio, capacitar professores.

  10. Carlos Liboni disse:

    Andre,
    Texto de rara consciência social. Imagino que deve doer muito testemunhar tao de perto uma realidade tao lamentável. Na internet existem disponíveis milhares de artigos que oferecem reflexões sobre os problemas da educação Brasileira mas pouquíssimos com uma observação concreta de quem vive o problema tao intimamente e com este nível de consciência das limitações. A maioria são discursos não conclusivos.
    E muito provavelmente porque não ha um interesse verdadeiro na solução do problema, afinal é bom que os Izaques deste Brasil continuem votando com sempre fizeram.
    Seu texto, alem de tudo, tem um estilo instigante.
    Parabens.

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