Síntese Agropecuária BM&F – 11/09/03
11 de setembro de 2003
A caminho de uma produção com mais qualidade
15 de setembro de 2003

Nutrição e reprodução em bovinos

Nutrição e reprodução – aspectos gerais

Nutrição e reprodução são dois aspectos que possuem estreitos laços, em qualquer sistema de produção. Antes de analisar características relativas a estas duas variáveis deve-se lembrar que esta relação podia ser observada inclusive nos ancestrais dos animais domésticos. Pela grande variação na oferta de alimentos nos diferentes períodos do ano, as espécies primitivas desenvolveram mecanismos de adaptação às condições de escassez de alimentos. Algumas espécies conservam estes mecanismos ou parte deles até hoje, porém a domesticação eliminou total ou parcialmente estas estratégias em várias outras. A perda destas características de adaptação à situações desfavoráveis faz com que o indivíduo seja mais sensível às variações nutricionais. A seleção genética para produção intensiva, sem dúvida, fez diminuir ou mesmo desaparecer as características de adaptação, ou de tolerância a condições de menor disponibilidade de alimentos. Nestes animais, a restrição alimentar sempre será mais nefasta à reprodução.

A nutrição é responsável pela expressão e funcionamento de rotas metabólicas que permitirão ao animal expressar todo seu potencial produtivo e/ou reprodutivo. Estas rotas metabólicas relacionadas à reprodução são complexas e em varias situações não têm o mecanismo totalmente elucidado. Independente da via metabólica envolvida, a regulação que a nutrição exerce sobre a reprodução de machos e fêmeas ocorre principalmente por efeitos no cérebro, mais especificamente no hipotálamo, onde será alterada a secreção de GnRH (figura 1).

A principal via de controle da reprodução de fêmeas bovinas pela nutrição, ocorre pela alteração na secreção de GnRH. Vários são os metabólicos circulantes indicados como responsáveis por estimular a liberação de GnRH, porém as substancias oxidáveis como glicose, ácidos graxos não esterificados e alguns aminoácidos, parecem ser os principais agentes que ativam as rotas neuro-endócrinas responsáveis pelo controle da reprodução em bovinos.

Figura 1. Esquema ilustrativo de variáveis do meio sobre a reprodução dos animais.


Mecanismos de ação da nutrição sobre a reprodução

1 – Ação direta nas gônadas – os nutrientes absorvidos são destinados para as células germinativas e para células endócrinas. O requerimento absoluto destas células não é grande, tanto para proteína quanto para energia.

2 – Efeitos no hipotálamo e hipófise – o efeito no eixo hipotálamo-hipófise pode ocorrer pela alteração na secreção de GnRH do hipotálamo ou na sensibilidade da hipófise a este hormônio. Vários metabólitos nutricionais e hormônios do metabolismo podem afetar a reprodução por agir nestes locais.

3 – Metabolismo de hormônios esteróides – O metabolismo dos hormônios esteróides é feito principalmente no fígado por uma serie de enzimas, sob controle de um fator hipofisário. Hoje já se sabe que este fator é o hormônio do crescimento. Como a secreção da somatatrofina é altamente afetada pela nutrição, o metabolismo dos esteróides gonadais é também influenciado.

4 – Clearance hormonal – Em condições de restrição alimentar o fluxo sanguíneo para o fígado fica reduzido. Como este órgão é o principal local de metabolismo de hormônios, principalmente os esteróides, esta rota metabólica fica comprometida, com possível alteração na ação destes hormônios

5 – hormônios do metabolismo – O status nutricional do animal pode afetar o padrão de secreção e atividade dos hormônios que regulam o metabolismo. Hormônios como insulina, somatotrofina e vários fatores de crescimento tem sua atividade alterada pelo padrão nutricional.

Aspectos da nutrição de fêmeas de corte

O que se espera como boa performance de uma fêmea bovina é que esta produza o um determinado número de descendentes num certo intervalo de tempo. A nutrição exerce efeitos em todas as etapas relacionadas ao processo reprodutivo. Atua desde a manifestação de cio, o desenvolvimento folicular, qualidade dos gametas, taxa de ovulação, ambiente uterino, desenvolvimento do embrião, manutenção da gestação, etc..

Uma das formas mais básicas de se avaliar o “status” nutricional do animal seria pela mensuração do escore de condição corporal (ECC). As variações do ECC mostram, em aspectos gerais, como anda a nutrição de um lote de animais e também de cada indivíduo. A avaliação sistemática desta variável é muito importante no manejo de fêmeas bovinas. O balanço energético positivo é importante para maximizar a performance reprodutiva, principalmente em períodos específicos, porém não de deve permitir um aumento demasiado no ECC, pois os animais nestas condições são mais suscetíveis ao calor e à problemas como cistos ovarianos e outros distúrbios.

Os efeitos suplementação dos macro e microminerais sobre os aspectos de reprodução em bovinos não apresenta consenso na literatura. Existem trabalhos que apresentam resultados benéficos na suplementação deste ou daquele elemento, o que não é confirmado por outros autores. De fato, não é fácil, ou às vezes possível, comparar resultados de trabalhos realizados em condições diferentes, onde variam desde a categoria animal, raça, condições ambientais, de solo e a dieta fornecida. Existe um consenso, porém, no fato que quando a suplementação for benéfica, naquelas condições existia uma situação de deficiência do elemento suplementado. O que não se pode, nem se deve, extrapolar para outras condições.

O processo ovulatório é o principal e mecanismo influenciado pelo ambiente nutricional. Nas espécies domésticas que possuem varias ovulações por ciclo, o número destas pode variar de acordo com o aspecto nutricional. Este conhecimento é antigo e utilizado como ferramenta de manejo denominado “FLUSHING” em suínos e ovinos. Este efeito do aporte de energia sobre a taxa de ovulação também ocorre em fêmeas com uma única ovulação por ciclo, como os bovinos.

Não existe um consenso sobre o fator nutricional responsável por regular a taxa de ovulação. Para alguns, a proteína é o principal componente da dieta que influência a taxa de ovulação. Porém, em ruminantes, deve-se creditar este efeito somente a fração proteína que escapa à fermentação rumenal. Para outros, não a proteína, mas os carboidratos, especificamente a taxa circulante de glicose, é o fator nutricional regulador da taxa de ovulação.

Em situações de desnutrição, os folículos ovarianos crescem até o estágio de emergência, porém é raro que continuem se desenvolvendo. Após este estágio os folículos são dependentes de gonadotrofinas, e como em condições de nutrição inadequada a secreção destes hormônios está alterada, não se completa o desenvolvimento folicular.

Tradicionalmente os trabalhos sobre os efeitos danosos da proteína elevada na dieta sobre a reprodução, se baseiam em índices reprodutivos gerais, como número de serviços/ concepção, taxa de gestação etc.. Várias destas pesquisas apontam alterações no ambiente uterino como o motivo da queda na performance reprodutiva. Trabalhos mais recentes relatam embriotoxidade de altos níveis de proteína dietética a partir do 11o dia de gestação. Além disto, a composição de energia da dieta deve ser considerada. Os efeitos deletérios da proteína dietética ocorrem principalmente quando existe na dieta excesso de proteína degradável no rúmen, pois esta é rapidamente convertida a amônia, absorvida e reconvertida em uréia pelo fígado. O aumento da uréia circulante poderia alterar o ambiente uterino e prejudicar o desenvolvimento do embrião.

É preciso considerar-se a categoria animal, os requerimentos nutricionais, os outros componentes da dieta, além de outros fatores quando se avaliam os efeitos dos níveis de proteína. A disponibilidade de energia na dieta é o principal fator que afeta o potencial da proteína dietética ser nefasto à reprodução. A proteína verdadeira ou proveniente de fontes não protéicas, como a uréia, é potencialmente perigosa, quando em excesso, pois no rúmen é fonte de amônia, prontamente absorvida pelo epitélio rumenal. Quando existe carboidratos suficientes na dieta, esta amônia produtiva é utilizada pelas bactérias para síntese protéica, reservando uma menor quantidade para ser absorvida. Nesses casos, o excesso de proteína dietética é tão menos perigoso quando for a quantidade de carboidratos disponíveis nesta dieta, para formação de proteína microbiana.

A taxa de gestação é o elemento chave da relação custo-benefício de qualquer programa comercial em bovinos de corte. Para a obtenção de bons índices a fêmea deve apresentar ótima fertilidade. A nutrição inadequada pode afetar a gestação de duas formas: pode causar morte fetal ou reduzir o desenvolvimento do concepto. Embora esta última característica não seja considerada perda reprodutiva, implica numa menor probabilidade de sobrevivência do recém-nascido.

A principal fase na qual a nutrição pode afetar o desenvolvimento do concepto é no inicio da gestação. Este efeito é particularmente delicado até o reconhecimento materno da gestação, que no bovino ocorre entre 17 e 25 dias após a concepção. Após esta fase ocorre na fêmea gestante, alteração na partição dos nutrientes, com maior prioridade para a gestação, desta forma variações nutricionais refletem menos no desenvolvimento do embrião. A troca de informações entre células trofoblásticas e epiteliais do endométrio são o aspecto crítico para a manutenção do corpo lúteo. Metabólitos circulantes no sangue materno, como alguns ácido graxos poliinsaturados, podem alterar, juntamente com as substâncias produzidas pelo embrião, a secreção de PGF2a pelo endométrio.

Os efeitos nutricionais deletérios em estágios mais avançados da gestação são menos freqüentes. Antes de discutir estes efeitos é importante lembrar a relação de crescimento de placenta e feto na gestação. A placenta cresce mais rapidamente nos dois terços iniciais da gestação, enquanto a maior taxa de crescimento fetal ocorre no terço final deste período. Restrição alimentar no início da gestação pode limitar o desenvolvimento placentário e reduzir a capacidade posterior de desenvolvimento fetal. Ao final da gestação, a nutrição inadequada reduz o crescimento fetal. Este efeito ocorre por diminuição na disponibilidade dos alimentos e não por efeitos na placenta. A suplementação excessiva principalmente de animais que sofreram restrição alimentar em períodos anteriores da gestação pode aumentar em demasia o tamanho do feto e causar distocia.

Conclusões

A nutrição exerce grande influência em qualquer atividade relacionada à reprodução de bovinos. Os aspectos nutricionais são importantes em todos os períodos da vida dos animais, porém em ocasiões específicas são mais importantes, influenciando de forma mais determinante os mecanismos relacionados à melhor performance reprodutiva. Algumas vezes, o excesso de algum componente na dieta também pode ser prejudicial, portanto há de se adequar não somente a quantidade, mas também a qualidade da nutrição dos animais

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