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Nutrição de doadoras e receptoras de embrião: parte 1

1 – Nutrição e reprodução – aspectos gerais

Nutrição e reprodução são dois aspectos que possuem estreitos laços, em qualquer sistema de produção. Antes de analisar características relativas a estas duas variáveis deve-se lembrar que esta relação podia ser observada inclusive nos ancestrais dos animais domésticos.

Pela grande variação na oferta de alimentos nos diferentes períodos do ano, as espécies primitivas desenvolveram mecanismos de adaptação às condições de escassez de alimentos.

Dentre estes, são observadas principalmente três estratégias, relacionadas á interação entre reprodução e nutrição, que neste período funcionaram como critérios de adaptação e seleção natural.

A presença de reservas corporais de proteína, glicogênio e gordura, meios de prever quando a dieta será suficiente para uma boa demanda maior no futuro (gestação e/ou lactação) e alteração de eventos reprodutivos em função de aspectos nutricionais (King, 1993).

Algumas espécies conservam estes mecanismos ou parte deles até hoje, porém a domesticação eliminou total ou parcialmente estas estratégias em várias outras. A perda destas características de adaptação à situações desfavoráveis faz com que o indivíduo seja mais sensível às variações nutricionais.

A seleção genética para produção intensiva, sem dúvida, fez diminuir ou mesmo desaparecer as características de adaptação, ou de tolerância á condições de menor disponibilidade de alimentos. Nestes animais, a restrição alimentar sempre será mais nefasta à reprodução.

A nutrição e responsável pela expressão e funcionamento de rotas metabólicas que permitirão ao animal expressar todo seu potencial produtivo e/ou reprodutivo. Estas rotas metabólicas relacionadas à reprodução são complexas e em varias situações não tem o mecanismo totalmente elucidado. Independente da via metabólica envolvida, a regulação que a nutrição exerce sobre a reprodução de machos e fêmeas ocorre principalmente por efeitos no cérebro, mais especificamente no hipotálamo, onde será alterada a secreção de GnRH (figura 1).

Schillo (1992) relata que a principal via de controle da reprodução de fêmeas bovinas pela nutrição, ocorre pela alteração na secreção de GnRH. Vários são os metabólicos circulantes indicados como responsáveis por estimular a liberação de GnRH, porém as substancias oxidáveis como glicose, ácidos graxos não esterificados e alguns aminoácidos, parecem ser os principais agentes que ativam as rotas neuro-endócrinas responsáveis pelo controle da reprodução em bovinos.

Atualmente ainda se sabe muito pouco sobre como o animal informa ao sistema nervoso central sobre o status nutricional e de como esta informação é traduzida em um sinal neuro-endócrino.

Figura 1. Esquema ilustrativo de variáveis do meio sobre a reprodução dos animais (King, 1993)


2 – Mecanismos de ação da nutrição sobre a reprodução

1- Ação direta nas gônadas – os nutrientes absorvidos são destinados para as células germinativas e para células endócrinas. O Requerimento absoluto destas células não é grande, tanto para proteína quanto para energia.

2 -Efeitos no hipotálamo e hipófise – o efeito no eixo hipotálamo-hipófise pode ocorrer pela alteração na secreção de GnRH do hipotálamo ou na sensibilidade da hipófise a este hormônio. Vários metabólitos nutricionais e hormônios do metabolismo podem afetar a reprodução por agir nestes locais.

3 – Metabolismo de hormônios esteróides. O metabolismo dos hormônios esteróides é feito principalmente no fígado por uma serie de enzimas, sob controle de um fator hipofisário. Hoje já se sabe que este fator é o hormônio do crescimento (Mode et al., 1983). Como a secreção da somatatrofina é altamente afetada pela nutrição, o metabolismo dos esteróides gonadais é também influenciado. Neste caso a atividade biológica dos esteróides estaria alterada. Principalmente o efeito feedback negativo no hipotálamo, com conseqüente mudança na secreção de gonadotrofinas e atividade ovariana.

4 – Clearance hormonal – Em condições de restrição alimentar o fluxo sanguíneo para o fígado fica reduzido. Como este órgão é o principal local de metabolismo de hormônios, principalmente os esteróides, esta rota metabólica fica comprometida, com possível alteração na ação destes hormônios.

5 – hormônios do metabolismo – O status nutricional do animal pode afetar o padrão de secreção e atividade dos hormônios que regulam o metabolismo. Hormônios como insulina, somatatrofina e vários fatores de crescimento (IGFs, NGF, TGF etc.) tem sua atividade alterada pelo padrão nutricional. Como estas substâncias afetam o desenvolvimento folicular (Krumen et al., 1993) e outros processos reprodutivos, trata-se de um outro mecanismo de interação entre nutrição e reprodução.

3 – Nutrição de doadoras de embriões

O que se espera como boa performance de uma fêmea bovina utilizada como doadora de embriões em um programa de TE é que esta produza estruturas em quantidade e de qualidade (viáveis).

Neste trabalho serão discutidas algumas interações entre nutrição e produção embrionária, e os aspectos fisiológicos e/ou endocrinológicos envolvidos nesta inter-relação.

Vale ressaltar que a eficiência em produção de embriões não está associada apenas á variáveis que atuam próximas ao processo de superovulação até a colheita dos embriões. Os efeitos da nutrição nestes mecanismos vão além, influenciando o desenvolvimento folicular, qualidade do ovócito, taxa de ovulação, desenvolvimento do embrião, etc.

Uma das formas mais básicas de se avaliar o “status” nutricional do animal seria pela mensuração do escore de condição corporal (ECC). As variações do ECC mostram em aspectos gerais como anda a nutrição de um lote de animais e também de cada indivíduo.

A avaliação sistemática desta variável é muito importante no manejo de doadoras de embrião. O balanço energético positivo é importante para maximizar os resultados da superovulação (Nottle et al., 1988; King et al. 1993; Gutierrez et al., 1997), porém não de deve permitir um aumento demasiado no ECC, pois os animais nestas condições são mais suscetíveis ao calor e à problemas como cistos ovarianos e outros distúrbios.

Num trabalho com vacas zebuínas, Sidiqui et al. (2002) mostram que animais com escore corporal muito elevado (4,0 a 4,5 numa escala de 1 a 5), produziram menos embriões que outros, da mesma raça, sob as mesmas condições ambientais, que apresentavam ECC regular ou bom (2,5 a 3,5).

Foto: Animais gordos em demasia apresentar piores resultados num programa de TE

Como manter as doadoras em balanço energético positivo sem aumentar em demasia o ECC? Fernandes (2002) sugere que o balanço energético positivo inicie 7 a 10 dias antes da superovulação e se entenda até o dia da colheita dos embriões.

Deste período até 7 a 10 dias do novo protocolo as doadoras devem perder o peso que ganharam durante o período anterior, de balanço energético positivo, ou seja, emagrecer para restabelecer o ECC ideal. Desta forma consegue-se conciliar balanço energético positivo e manutenção de ECC ideal.

Os efeitos dos macro e microminerais sobre os resultados de superovulação em bovinos não apresentam consenso na literatura. Existem trabalhos que apresentam resultados benéficos na suplementação deste ou daquele elemento, o que não é confirmado por outros autores.

De fato, não é fácil, ou às vezes possível, comparar resultados de trabalhos realizados em condições diferentes, onde variam desde a categoria animal, raça, condições ambientais, de solo e a dieta fornecida.

Existe um consenso, porém no fato que quando a suplementação for benéfica, naquelas condições existia uma situação de deficiência do elemento suplementado. O que não se pode, nem se deve extrapolar para outras condições.

Pragnay et al. (2002) num trabalho de avaliação dos níveis séricos de fósforo e cálcio em doadoras de embrião, mantidas nas mesmas condições, relatam que os animais com melhores respostas superovulatória apresentaram maiores concentrações sangüíneas destes elementos. Neste trabalho não foi avaliado os níveis destes minerais na dieta ou no solo.

3.1) Nutrição e desenvolvimento folicular

O processo ovulatório é o principal e mecanismo influenciado pelo ambiente nutricional. Nas espécies domesticas que possuem varias ovulações por ciclo, o número destas pode variar de acordo com o aspecto nutricional.

Este conhecimento é antigo e utilizado como ferramenta de manejo denominado “FLUSHING” em suínos e ovinos. Vários autores relatam que o efeito do aporte de energia sobre a taxa de ovulação é muito rápido. A influência ocorre à partir de 4 – 6 dias (Oldham and Lindsay; 1984; Stewart and Oldham, 1986).

Não existe um consenso sobre o fator nutricional responsável por regular a taxa de ovulação. Para alguns, a proteína é o principal componente da dieta que influência a taxa de ovulação. Porem, em ruminantes, deve-se creditar este efeito somente a fração proteína que escapa a fermentação ruminal.

Para outros, não a proteína, mas os carboidratos, especificamente a taxa circulante de glicose, é o fator nutricional regulador da taxa de ovulação. Esta afirmação, segundo Teleni et al. (1989) se baseia em trabalhos realizados com infusão pós-ruminal de glicose, que afetam a taxa de ovulação.

Uma terceira corrente cita interação entre energia e proteína no controle da taxa de ovulação. King et al. (1993) relatam que o nível glicêmico capaz de afetar a taxa de ovulação é dependente da proteína dietética, ou seja, da concentração de aminoácidos circulantes.

Embora o efeito da nutrição sobre o desenvolvimento folicular é mais receptível nas fases finais do desenvolvimento folicular, provavelmente esse efeito ocorre em todos os estágios anteriores (Nottle et al., 1988). O efeito sobre a taxa de ovulação ocorre por alteração na atresia folicular.

O efeito do “flushing” segundo vários autores se dá principalmente por uma redução na atresia, nos estágios finais de desenvolvimento folicular. Por outro lado, animais em restrição alimentar apresentam retardo na velocidade de desenvolvimento folicular.

Como os efeitos podem ser observados em poucos dias, é provável que a principal influência dos fatores nutricionais sobre a taxa de ovulação ocorram mesmo nas fases finais do desenvolvimento folicular.

A ação dos fatores nutricionais sobre a ovulação ocorre de duas formas. Em condições nutricionais ideais, o folículo é mais sensível e permanece mais tempo no estagio de dependência de gonadotrofinas. Alem disto os níveis circulantes de FSH seriam maiores. Esta ultima afirmação não é um consenso na literatura.

Os folículos são mais sensíveis a alterações nutricionais nos períodos de rápido desenvolvimento. Neste período eles são dependentes de FSH e LH, e na falta destes hormônios entram rapidamente em atresia.

Na vaca, os efeitos da nutrição sobre o desenvolvimento folicular ocorrem principalmente por alteração nos níveis circulantes de gonadotrofinas, que exercem um papel central no desenvolvimento folicular e ovulação.

Em situações de desnutrição, os folículos ovarianos crescem até o estágio de emergência, porém é raro que continuem se desenvolvendo. Após este estágio os folículos são dependentes de gonadotrofinas, e como em condições de nutrição inadequada a secreção destes hormônios está alterada, não se completa o desenvolvimento folicular (Wiltbank et al, 2002).

A influência dos níveis nutricionais de energia e proteína sobre os níveis circulantes de gonadotrofinas nas fêmeas bovinas é descrito há vários anos (Gombe and Hansel, 1973; Jordan and Swanson, 1979), porem os resultados da literatura ainda são conflitantes. Não é possível comparar resultados de trabalhos ou condições distintas, que utilizaram diferentes metodologias de coleta, estocagem e forma de mensuração das gonadotrofinas.

Os efeitos do aporte nutricional sobre a população folicular em novilhas de corte foram estudados por Gutierrez et al.(1997). Os resultados demonstram que o grupo mais bem alimentado apresentou uma maior população folicular. Este efeito, porém ocorreu apenas nos folículos de pequeno diâmetro (<4mm), e não nos diâmetro médio(4-8mm) ou grande (>8mm).

Nos animais com melhor balanço energético, a população aumentou 37% em relação ao grupo que apenas manteve o peso. Esta diferença foi observada apenas nos 3 primeiros dias do ciclo.

Segundo Fernandes (2000) e Viana (1996), ocorre variação na população folicular durante o ciclo estral, em decorrência da relação de dominância folicular. O melhor momento para avaliação da população folicular é quando a dominância ainda não está estabelecida.

Os resultados de Gutierrez et al. (1997) e Gong et al. (1993) mostram que as variações nutricionais podem alterar o recrutamento folicular, mas não afetam a seleção e dominância, em bovinos. Segundo estes autores esta resposta pode ser observada á partir de 5-8 dias da mudança na alimentação.

Fernandes (2000) relata que um dos fatores de sucessos da superovulação consiste em iniciar o tratamento com gonadotrofinas quando existir uma boa população de folículos sensíveis, o que é possível conseguir com alteração nos padrões nutricionais, alguns dias antes do inicio do tratamento.

O maior número de folículos por onda observado em animais com nutrição adequada, em relação a outros com restrição alimentar, se deve, segundo Wiltbank (2001) a um maior fluxo sangüíneo no fígado e aumento de substancia como a insulina, IGF1 e GH. Porém a alteração nestes metabólitos não é indicada como responsável pela maior recrutamento folicular em outros trabalhos, como citado por Gutierrez et al. (1997).

O fato de existir uma maior sensibilidade dos folículos ao FSH, ou seja, uma menor necessidade de FSH para suportar o desenvolvimento dos folículos na fase da dependência de gonadotrofinas (Downing and Scaramuzzi, 1991), em animais com boas condições nutricionais, pode ser um mecanismo a ser utilizado no manejo de doadoras durante o processo superovulatório.

3.2) Proteína e Superovulação

Tradicionalmente os trabalhos sobre os efeitos danosos da proteína elevada na dieta sobre a reprodução, se baseiam em índices reprodutivos gerais, como número de serviços/ concepção, taxa de gestação etc. Varias destas pesquisas apontam alterações no ambiente uterino como o motivo da queda na performance reprodutiva (Blanhard et al., 1993; Elrod and Butler, 1993).

Garcia – Bovalil et al.. (1994) utilizando dietas contendo 12,3 e 27,4% de proteína bruta para vacas Holandesas secas, não encontraram diferenças no tamanho ou número de folículos, e resultados de superovulação como número de embriões totais viáveis degenerados ou não fecundados.

Estes resultados aparentemente são conflitantes com outros, como os apresentados por Elrod and Butler (1993), porem estes autores relatam embriotoxidade de altos níveis de proteína dietética a partir do 11o dia de gestação. Alem disto, a dieta utilizada por estes últimos, foi de baixa energia. Neste período o efeito deletério de altas taxas de proteína dietética são preocupantes principalmente nas receptoras, onde o embrião estará nesta fase.

De fato comparação de resultados de trabalhos sobre efeitos dos níveis protéicos da dieta não é fácil. É preciso considerar-se a categoria animal, os requerimentos nutricionais, os outros componentes da dieta, além de outros fatores (Lucy et al., 1991).

A disponibilidade de energia na dieta é o principal fator que afeta o potencial da proteína dietética ser nefasto a reprodução. A proteína verdadeira ou proveniente de fontes não protéicas como a uréia, são potencialmente perigosas, quando em excesso, pois no rúmen são fontes de amônia, prontamente absorvida pelo epitélio ruminal.

Quando existe carboidratos suficientes na dieta, esta amônia produtiva é utilizada pelas bactérias para síntese protéica, reservando uma menor quantidade para ser absorvida. Nesses casos o excesso de proteína dietética é tão menos perigoso quando for a quantidade de carboidratos disponíveis nesta dieta, para formação de proteína microbiana.

3.3) Gordura e superovulação

Assim como observado em referência a outros constituintes da dieta, como proteína e minerais, os efeitos de suplementação de gorduras e/ou derivados na dieta de doadoras de embrião não fornecem sempre resultados animadores (Shaw et al., 1995).

Fêmeas bovinas que consomem dietas suplementais com óleo de plantas podem desenvolver número de folículos médios (3 – 9mm) até 4 vezes maior que o grupo controle (Ryan et al., 1992; Thomas et al., 1993).

O efeito da suplementação com estes nutrientes, compostos basicamente de óleos poli-insaturados pode ocorrer pelo aumento observado nas concentrações séricas de insulina, GH e IGF-1, esta ultima, diretamente relacionada ao desenvolvimento folicular (Thomas and Williams, 1996).

Estes últimos autores relatam que doadoras suplementares com óleo dê soja (tabela 2) apresentaram maior número de folículos de tamanho médio (3-9) antes do tratamento superovulatório, porem o número de corpos lúteos, mensurados no dia da colheita dos embriões não foi superior.

Tabela 2. População ovariana e resposta superovulatória de novilhas consumindo ou não dieta suplementada com óleo de soja (Thomas and Williams, 1996).


Embora esses resultados possam parecer discrepantes, situação semelhante é descrita por Fernandes (2000). Este autor relata que doadoras que possuíam maior população de folículos médios no momento do inicio da superovulação, apresentam piores respostas a este processo.

Estes animais, com maior número de folículos médios, possuem na verdade uma menor população total, que poderia ser estimulada pelo FSH. Fernandes (2000) cita uma relação inversa entre número de folículos médios e população folicular total, pelo fato que estas estruturas maiores têm capacidade de promover atresia das menores, por efeitos diretos e indiretos, pela produção de esteróides e inibina.

Assim sendo, a avaliação da população folicular para prever a resposta superovulatória deveria se basear na população folicular total (sensíveis ao FSH) e não somente nos folículos de tamanho médio (Driancourt, 2001).

Viana (1996) cita que a avaliação da população folicular por ultra-sonografia, para predizer a resposta superovulatória não é sempre precisa, pois geralmente folículos abaixo da sensibilidade do aparelho podem ser estimulados pelo FSH. Além disto, outros num tamanho que é contabilizado, podem estar num estágio fisiológico (atresia) que não mais respondem à terapia hormonal.

0 Comments

  1. João Roberto Felipe disse:

    Muito bem colocado. Excelente

  2. Mauro Leonardo Rodrigues da Silva disse:

    Prof. Carlos,

    É sabido que animais obesos têm um desempenho reprodutivo inferior em relação a animais com escore ideal (2,5 a 3,5/5). Porém o balanço energético negativo também é prejudicial à reprodução.

    Se iniciarmos um tratamento de perda de peso das doadoras de 7 a 10 dias antes do início do tratamento de superovulação, esses animais não podem desenvolver um balanço energético negativo e prejudicar a resposta superovulatória bem como a quantidade e qualidade dos embriões?

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