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Novo posicionamento da cria – Luis Felipe Moura Pinto

Por Luis Felipe Moura Pinto.

O segmento cria dentro de um sistema de produção de gado de corte, usualmente sempre foi atrelado a áreas de menor valor; ou sempre de menor produtividade. A possibilidade de expansão da pecuária em novas fronteiras agrícolas, possibilitou o senso de que algumas fases do processo fossem diretamente ligadas à baixa produtividade. Isso se explica pelo fato de que poder-se-ia trabalhar com algo de menor produção uma vez que os custos eram relativamente baratos.

Isso na verdade passou a ser uma ilusão a partir do momento em que houve um aumento da expansão das áreas de agricultura bem como o aumento da valorização da terra e dos insumos. Com essa pressão da agricultura, o cenário nacional de valores dos bezerros tem aumentado; diminuindo a margem da reposição. Valores a parte alguns pontos são importantes de analisarmos.

No RS, o mercado do boi gordo tem se mostrado um pouco superior ao restante do pais. Por aqui, a substituição de áreas de “campo” por lavouras especialmente da soja, mudou um pouco o perfil do estado. Esse movimento sempre é fundamentado na baixa produtividade da atividade principal a qual sempre passa a ser trocada por outra. E isso vem acontecendo com o binômio campo x soja.

Contrariando o que muitos achavam de que esse avanço da agricultura tiraria o gado dessas regiões, um estudo do banco de dados das inspetorias veterinárias tem mostrado que a agricultura não moveu o gado mas sim mudou o perfil da produção. Em outras palavras, mesmo que ainda muito incipiente, a produção pecuária está aumentando aos poucos os seus índices de produtividade; devido a esse “aperto” exercido pela agricultura.

Outro ponto interessante no estado é que a terminação passou a ser exercida por um segmento que ate então não atuava no mercado de pecuária. O “lavoureiro” como é chamado o produtor de soja. Mas porque isso esta acontecendo? Explico.

– Em sistemas de plantio direto o uso da palha é de suma importância. Para essas áreas depois da colheita da soja, uma das alternativas de crescimento forrageiro é o das gramíneas de inverno; especialmente as aveias e azevén. Essas plantas C4 produzem forragem de excelente valor nutricional e que proporcionam ganhos elevados entre 0.900 a 1.4kgs/dia. Esse ganho é ainda mais significativo quando fica atrelado a uma alimentação de baixo custo de implantação devido a integração com a agricultura.

Forma-se assim o binômio Soja x Azevén, e essa “dobradinha” passou a ser explorada em sua grande maioria pelos produtores de soja. Assim, atualmente os mais importantes terminadores de gado a pasto no estado passaram a ser os próprios agricultores com um posicionamento competitivo interessante.

Essas áreas recebem todos os tipos de categoria animal, mas o mais comum é o uso com vacas magras e vazias que são diagnosticadas nessa mesma época, o boi magro e, principalmente, o de sobreano. Assim cerca de 100 a 120 dias de pastagem de inverno, com o ganho por volta de 1.0kg/cabeça.dia, esses animais se aprontam e acabam sendo abatidos por volta de setembro, outubro.

Existe aqui uma pequena particularidade do mercado interno aonde os preços pagos pela industria a essa época cai um pouco devido ao aumento da oferta de gado gordo (essa variação dos preços a essa época merece uma outra abordagem em outro momento).

Com esse nível de ganho e atrelando-se a isso, uma taxa de lotação de 0.7 a 1.0 UA/ha; grosseiramente podemos inferir um ganho de 100 kgs/ha em 100 dias. O mercado da vaca gorda aponta valores na casa dos R$ 4.80/kg PV para outubro, o que daria algo em torno de R$ 480,00/hectare neste Período de inverno.

Assim, essa lacuna tem sido impulsionada pela ação direta da agricultura, e o perfil do invernador também vem se alterando.

Mas o que isso tem a ver com a analise da cria ou do bezerro?

– Tem uma correlação direta. Essas áreas ao invés de serem utilizadas para terminação também em sua grande maioria são utilizadas para as categorias mais jovens, como a dos bezerros desmamados. Esses animais também tem um ganho de peso diário na mesma ordem dos animais adultos. Contudo, consegue-se no esquema simples de uso de pastagens de inverno, uma lotação de cerca de 1.7 a 2.0 bezerros por hectare. Vamos esquecer um pouco o peso desses animais por hora, mas somente a titulo de exemplo, teríamos quase que o dobro do ganho por hectare. Esse é o primeiro ponto para que o preço de bezerro; ou “terneiro” como é chamado aqui passe a ser maior. A transformação de mais kilos na mesma unidade de área possibilita trabalharmos com um “ágil” maior em relação ao boi gordo. Podemos também verificar que esse é o embrião do conceito de aumento de ganho por aumento de cabeças por unidade de área. E esso é o ponto chave ao meu ver do entendimento de como que se pode explicar um valor muito grande dos bezerros.

A forma mais fácil de retorno financeiro quando os valores de compra são maiores, ou mais próximos dos valores de venda (estreitamento da reposição por exemplo) é através do aumento da taxa de lotação. Como custos fixos se mantêm praticamente inalterados, a maior produtividade justifica o maior preço de compra. Mas ate que ponto? Para o RS esse ponto ainda não esta perto do conhecimento geral dos produtores. Mas por que?

Porque existe uma cultura de compra de bezerros desmamados nas feiras que seguem uma máxima de maximizar o numero de animais comprados. Isso invariavelmente sinaliza para um comportamento bem comum do comprador. Se paga mais por kg de um bezerro mais leve do que um mais pesado. Porém não podemos esquecer que o bezerro mais pesado tem uma genética melhor e obviamente converteu mais pasto ou leite em carne; ou seja é um individuo mais eficiente. Essa eficiência é um dos principais fatores para que ele seja um boi eficiente.

Assim, deve-se passar a valorizar cada vez mais o bezerro mais pesado e não o mais leve. Temos que aumentar junto disso as taxas de lotação para que todo esse cenário mais competitivo tenha chance de ser rentável.

Quando paga-se mais por kilo de um animal mais leve, assume-se que não se acredita em melhoramento genético nem mesmo em eficiência de conversão. Tempos atrás, onde a velocidade dessa terminação não era tão longa, até poderia fazer algum sentido, mas atualmente e para ser equiparada a agricultura, a pecuária tem que ser mais rápida; o desfrute tem que ser maior e a velocidade de giro muito mais ainda. Se tenho um pomar de laranja, não posso deixar para o ano seguinte a colheita desse ano. Ou seja, as sobreposição de camadas ou de gerações dentro de uma mesma fazenda pode ser o determinante do sucesso ou fracasso. Atualmente existem várias formas de se acelerar o ciclo de produção.

Criamos há alguns anos em nossa empresa, um processo de parceria com o bezerro desmamado. Abrimos mão da venda à desmama para entregar esse mesmo animal a um parceiro. Este parceiro deve levar os nossos animais ate o abate em ate 18 meses da saída da fazenda; ou 24 meses de idade. Entregamos um bezerro de 180 a 200 kgs e depois desse período recebemos de volta 300kgs de boi gordo. Ou seja, criamos uma fórmula de aumento de estoque em kilos de carne fora das nossas fazendas em cerca de 30%, abrindo mão obviamente do preço de venda à desmama.

Esse processo é rentável para ambos os lados, mas o parceiro atinge alta rentabilidade somente se trabalhar com aumento nas taxas de lotação. Aqui mais um exemplo de que esse aumento do preço ou ágil da reposição somente pode ter sucesso se atrelado a maior produtividade. E para termos maior produtividade precisamos:

  • genética
  • maior peso a desmama
  • melhor conversão
  • pastagens melhoradas
  • encurtamento de ciclo

Todos esses pontos são imprescindíveis e portanto contestam o preço maior pelo bezerro “pior”, não aumentar as taxas de lotação; não usar a integração com a agricultura como forma de incremento tecnológico.

O RS é dos poucos estados aonde se pode trabalhar com a exploração do mérito genético do indivíduo, mas também com o mérito genético das plantas forrageiras. Ou seja, dá para aumentar a produção por hectare sem abrir mão do ganho individual. Mas para isso o animal em questão tem que ser bom, e o bom tem que ser mais caro.

tabela

 

Obs.: dados de 2010, quando o mercado estava menos favorável.

Nos próximos anos certamente virão à realidade das fazendas novas tecnologias de produção, técnicas de saúde animal, de desempenho assistido por marcador molecular, técnicas de fertilização in vitro de forma mais comercial, enfim, todo um pacote tecnológico para que se possa produzir mais.

Somente uma única coisa nunca mudará (penso eu dentro da minha geração ou das minhas filhas…) que é o período de gestação da vaca. Portanto a cria ao meu ver entra em uma fase reformulada, e se antes ela era a fatia “barata” ou de menor rentabilidade, hoje garanto que é a mais “cara” para se iniciar.

Assim, espero que o preço do bezerro se mantenha elevado, pressionando a qualificação do produtor e melhorando os índices de desfrute da pecuária em nosso pais.

Em nosso sistema de produção das fazendas, foram incorporados técnicas de irrigação para aumentar as taxas de lotação e de produtividade. Nossos números mostram as grande competitividade da pecuária e que pode sim ser equiparada `a agricultura. Conforme tabela abaixo os dados mostram a produção em equivalente soja e o quanto seria a margem também em equivalente soja.

Por Luis Felipe Moura Pinto, engenheiro agrônomo e consultor.

12 Comments

  1. Bruno Monteiro disse:

    Estou aqui em SC e realmente essa valorização da reposição está fazendo muito bem para a pecuária. Quem não se importava muito com essa qualificação, está começando abrir os olhos.
    Parabéns pela matéria!

  2. Ronaldo Zechlisnki de Oliveira disse:

    O Dr. Felipe Moura,como é conhecido aqui no sul, nos apresenta uma análise atual e bem alicerçada desta realidade, e sinaliza o caminho futuro. Parabéns a este produtor, que já foi Jurado na Expofeira do Rio Grande, e diretor da Associação Brasileira de Angus.

  3. Mateus Nascimento disse:

    Ótimo texto!

  4. Jose Marinho disse:

    Parabéns pelo excelente artigo, somos criadores e ate que enfim a roda começou a andar. bezerro bom valorizado, todos ganham na cadeia!!! que continue assim por muito tempo…. sucesso!!!

  5. Luiz Paulo Raimundo disse:

    Dr. Felipe Moura fala com propriedade de profissional tecnico com prática.
    Já tive a oprotunidade de participar de “Dia de Campo” em sua fazenda e recomendo a todos que um dia possam ter essa oportunidade não deixem de participar.
    Gostaria de conhecer a opinião do Dr.Felipe quanto a suplementação de terneiros a pasto. Nestas mesmas condições de pasto referido na matéria. Aumentaria em quanto a lotação e ganho de peso? Seria econômico? Existem esperimentos?

  6. Gilberto de Biasi disse:

    Parabens Luis, muito bem escrito o artigo.
    Penso que a integraçao lavoura-pecuaria esta mudando o perfil da cria no pais todo.
    Nesse sistema nao há lugar para a vaca criadeira, porque requer-se um animal eficiente que engorde em pouco tempo, antes do proximo plantio.
    Isso tende a pressionar o preço da cria, pois a grande maioria dos terminadores nao terao esse segmento proprio, o que considero muito positivo pois a cria terá que ser feita de forma mais especializada, e vai remunerar bem o criador eficiente.
    Vivemos hoje uma situaçao curiosa e incoerente, vendemos kgs de bezerros de 240kg mais barato do que os de 180 kgs, claramente premiando o pior.
    Acredito que isso vá mudar quando a maioria começar a medir desempenho, mas isso pode tomar algum tempo ainda infelizmente porque é demorado de se fazer.

  7. Felipe Moura disse:

    Pessoal….obrigado pelos comentários, mas antes de mais nada gostaria de corrigir um erro por ordem de digitação. As plantas que me referi no texto são de via metabólica C3, e não C4 como esta descrito. Desculpem a falha.
    Bruno…..essa qualificação é muito importante para encurtarmos os ciclos em nossa atividade. SC vem apresentando uma evolução no gado nos ultimos anos a qual pode ser explicada em partes por essa nova visão.
    Dr. Ronaldo…..obrigado pelas palavras. Acho somente que devemos abordar mais os temas que sempre fazem parte de nosso dia a dia. Por ai um pouco do objetivo do Miguel com o projeto do AGROTALENTO. Abração a vcs

  8. José Silva disse:

    Parabéns Felipe pela excelente matéria!
    Desde que comecei a trabalhar na área de maquinas para fenação e silagem, e lá se vai 1970, sonhava ver no RS essa integração lavoura x pecuaria. Pois chegou o momento, alavancado pela tecnologia de ponta, genética cada vez mais apurada e pessoas como você, integração técnico x empresário, estamos chegando ao patamar de aproveitamento mais racional e lucrativo de nosso solo, como a maior fonte de riqueza de nosso país. Sempre ouvi falar que a pecuária era menos rentável que a agricultura, porém mais segura, creio que hoje, esse comparativo, como você colocou, esta se tornado além de segura bem mais lucrativo.

  9. Percio Souza e Silva disse:

    Gostaria de saber mas detalhes de contrato de parceria de bezerros ..recebendo kg de boi no final ? Obrigado parabéns pela análise e comentários

  10. Laís Matos disse:

    Excelente texto Felipe!
    Concordo plenamente com uma produção mais eficiente e acredito que as exigências e mudanças do mercado acabam por pressionar o produtor para seguir nessa linha de intensificação de uma produção mais eficiente.
    Parabéns pelo seu trabalho! Gostaria de receber seu e-mail.

  11. Jean Carlos dos Reis Soares disse:

    Grande Felipe!!! Muito bom o material. Precisamos intensificar nossa pecuária. Forte abraço!!!

  12. Márcio Fonseca disse:

    Lembrei da nossa viagem para as Las Lilas na Argentina quando mostraste tua indignação por pagarem mais no kg por terneiro leveano hahahahahahaha. Parabéns pelo artigo, certamente é adaptável a inúmeras situações aqui nas regiões de dobradinha campoxsoja. Abração, Felipe.

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