Todas as vezes que os russos resolvem “pisar nos canos” que levam gás natural para os países europeus, as cotações internacionais de adubos sofrem consequências. Pois o novo aperto recente na oferta de gás natural para a Europa deverá afetar os preços dos fertilizantes nitrogenados, grupo do qual faz parte a ureia. O preço do nutriente, muito usado nas lavouras brasileiras, recuou 55% desde abril, chegando a US$ 547 a tonelada na semana passada (preço no porto no Brasil), segundo a consultoria StoneX, mas já há uma reversão de tendência à vista.
A restrição de gás natural da Rússia para o continente europeu, onde estão localizadas importantes indústrias fornecedoras da cadeia de fertilizantes, é uma faísca para novas altas das cotações internacionais no curto prazo, alertam analistas. Outro fator que deve oferecer sustentação é a chegada quase simultânea dos três maiores importadores de ureia – Brasil, Estados Unidos e Índia – ao mercado comprador.
“Até setembro, a ureia poderá subir entre 40% e 50%”, projeta Marcelo Mello, diretor de fertilizantes da StoneX. “Mas [a alta acontecerá] sobre o menor preço do ciclo de queda, que começou em abril”.
O gás natural é matéria-prima para a amônia, que por sua vez dá origem à ureia. Com a notícia de nova restrição de oferta de gás na Europa, grandes fornecedores de amônia já anunciaram cortes de produção. É o caso da química holandesa OCI, que tem unidades na União Europeia e nos EUA.
Segundo a empresa de inteligência de mercado ICIS, a companhia anunciou a interrupção em uma de suas duas linhas de produção de amônia na Holanda e deverá comprar o produto de outros mercados, como o americano. Operações europeias de Borealis, Yara e CF Industries também consideram adotar medidas similares.
“É complicado apostar que o preço [do gás natural] seguirá aumentando na mesma velocidade, dada a magnitude do que já vimos”, diz Eduardo Grübler, gestor de renda variável da Warren Asset. O preço, continua ele, já subiu consideravelmente nos últimos 12 meses – em parte, como consequência da invasão da Ucrânia pela Rússia, em fevereiro. Usado como fonte energética pelos europeus, o gás natural dificilmente tem substituto no curto prazo, observa Grübler. “Logo, o patamar elevado deve se manter”.
Enquanto isso, no Brasil, as importações de ureia estão atrasadas justamente por causa do fator preço. O produtor comprou com mais cautela em 2022, esperando que houvesse alguma mudança. De janeiro a maio, as importações do adubo chegaram a 2,5 milhões de toneladas, 11% menos que no mesmo período do ano passado, segundo a StoneX. O volume menor não é um grande problema, dizem analistas, mas o nutriente será adquirido num período de reação de preços.
Embora seja um fator de alta para os adubos nitrogenados, o novo capítulo do imbróglio geopolítico do Leste Europeu não deve reverter o ciclo de baixa de longo prazo dos fertilizantes. Para analistas do segmento, o ciclo deverá ganhar força de forma gradual, no médio prazo. Após dois anos de fortes aumentos dos adubos, consequência de um desajuste global entre oferta e demanda, a redução das compras pelos agricultores pode marcar o fim da supervalorização.
Fonte: Valor Econômico.