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Na FAO, ministra defende fim do protecionismo dos países desenvolvidos na agricultura

Em discurso na 41ª Conferência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), em Roma, a ministra Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) defendeu nesta segunda-feira (24) o fim do protecionismo dos países desenvolvidos e a adoção de princípios científicos na regulação do comércio internacional de alimentos.

Segundo a ministra, essas medidas são mais que necessárias para que nações pobres possam desenvolver seus setores agrícolas e o comércio mundial seja justo e livre para todos.

“Com o atual sistema baseado em regras sendo continuamente testado pelo poder daqueles Estados nacionais aderentes a um populismo regulatório, o Brasil está absolutamente convencido da necessidade de preservar o princípio científico na regulação do comércio internacional de insumos e alimentos. Um sistema global regulado apenas em benefício de alguns países ricos não é do interesse dos produtores e consumidores de alimentos em todo o mundo – e também não é do interesse do Brasil’, disse.

A ministra destacou que o protecionismo em países desenvolvidos ameaça o aumento da produção de alimentos nas nações em desenvolvimento, que ficam competindo com produtos subsidiados. “Um comércio agrícola de fato livre e justo permitiria, sem dúvida, a disseminação de melhoria das condições no campo, onde está concentrada a maior parte da pobreza no mundo. Desencadearia, ademais, um ciclo virtuoso, em que maior produção descentralizada garantiria maior acesso a alimentação e nutrição adequadas”. Segundo a FAO, 821 milhões de pessoas ainda passam fome no mundo.  

Para Tereza Cristina, a FAO deve assumir o papel de “foro incontornável para o desenvolvimento, para o apoio técnico na produção de alimentos sadios provenientes da agricultura, da pecuária e da pesca e aquicultura sustentáveis”, junto com outros organismos internacionais, como Organização Mundial da Saúde Animal (OIE, sigla em inglês), a Convenção Internacional de Proteção Vegetal (CIPV) e Codex Alimentarius (programa conjunto da FAO e da Organização Mundial da Saúde).

“O sistema baseado em ciência e em regras claras foi nossa resposta coletiva a um passado de risco e incerteza. Agora e no futuro, esse brilhante arcabouço deverá transformar-se na força que garantirá alimentos abundantes e de qualidade, levando o concerto das nações a, pela primeira vez na história, garantir a segurança alimentar de toda a sua população, sem descuidar da preservação de nosso patrimônio ambiental”, afirmou, destacando ser um compromisso brasileiro com outras nações e com as gerações futuras.

Agricultura familiar e inovação

Tereza Cristina ainda destacou o papel dos agricultores familiares na erradicação da fome global até 2030, meta das Nações Unidas.

A ministra citou que, no Brasil, há 5,1 milhões de propriedades familiares rurais, responsáveis pela renda de 40% da população economicamente ativa e pela maioria dos alimentos consumidos no país.

“Esse modelo de sucesso é passível de ser replicado em outros países, sobretudo naqueles de menor desenvolvimento relativo. Para tanto, é crucial considerar agricultura e segurança alimentar conjuntamente às questões de comércio agrícola”.

A ministra alerta que a democratização da produção agrícola passa pela inovação, base, segundo ela, do avanço da agricultura brasileira nas últimas décadas.

Com inovação tecnológica, o Brasil conseguiu quintuplicar a produção de grãos em 40 anos, sem aumentar a área ocupada pelas plantações, de pouco mais de 30% do território. Além disso, produtores rurais brasileiros colhem duas, e até mesmo, três safras, em um mesmo ano, de determinadas culturas.

“Com base nas conquistas das últimas décadas, podemos encontrar alimentos brasileiros nas mesas de mais de um bilhão de pessoas, ao redor do mundo, todos os dias”, ressaltou, destacando que a inovação trouxe ainda práticas sustentáveis e ambientais, como integração entre lavoura, pecuária e floresta, plantio de florestas comerciais, produtos orgânicos e recuperação de áreas degradadas.

“Todas essas conquistas – inclusive as ambientais – são possíveis apenas graças à inovação. E é justamente esse vetor de desenvolvimento que se encontra hoje sob ameaça das práticas, talvez até bem-intencionadas, mas com amplos efeitos nocivos, de alguns países ricos. À medida que alguns países desenvolvidos abandonam os princípios baseados em ciência na regulação da produção e do comércio de alimentos, não apenas o comércio justo é penalizado, mas todo o ecossistema de inovação que nos permitiria alimentar mais pessoas com o emprego de menos recursos”.

Novo diretor-geral

A ministra parabenizou Qu Dongyu, vice-ministro da Agricultura e dos Assuntos Agrários da China, eleito neste domingo (23) o novo diretor-geral da FAO pelos próximos quatros anos. O governo brasileiro apoiou oficialmente a eleição de Dongyu.

Em encontro com a ministra, o novo diretor agradeceu o apoio do Brasil à sua candidatura. “Preciso que o apoio continue”, disse. Ele inclusive pediu uma foto com Tereza Cristina e que esse era seu primeiro ato oficial. “Ela merece”, brincou o novo diretor.

No discurso, Tereza Cristina também congratulou o brasileiro José Graziano, atual diretor-geral da organização e que encerrará o segundo mandato em julho.

“O Professor Graziano foi eleito com base em sua capacidade de traduzir em políticas públicas as aspirações da sociedade brasileira na busca pela segurança alimentar.  Nesses últimos 8 anos, a FAO e seus membros responderam com compromissos ambiciosos aos importantes desafios globais que se afiguraram. O Brasil está disposto a fazer ainda mais – e, em contrapartida, o país também pedirá mais dessa organização”, disse a ministra

No discurso de despedida, José Graziano defendeu mudanças no processo agrícola, com inovação e sustentabilidade, para impedir o desmatamento e o esgotamento dos recursos naturais. Segundo ele, há lugar no mundo para a agricultura familiar. Defendeu que a FAO continue focada na desnutrição das populações mais vulneráveis.

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DISCURSO DA MINISTRA TEREZA CRISTINA – FAO

Tenho o prazer e a honra de expressar a sincera satisfação do Governo Brasileiro pela eleição do chinês Qu Dongyu como Diretor-Geral da FAO. Aproveito a oportunidade para parabenizar meu compatriota, Professor José Graziano da Silva, pelo término de seu mandato frente à organização.

O Professor Graziano foi eleito com base em sua capacidade de traduzir em políticas públicas as aspirações da sociedade brasileira na busca pela segurança alimentar. Nesses últimos 8 anos, a FAO e seus membros responderam com compromissos ambiciosos aos importantes desafios globais que se afiguraram. O Brasil está disposto a fazer ainda mais – e, em contrapartida, o país também pedirá mais dessa Organização. 

Com a aprovação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, concordamos que não basta reduzir a fome no mundo, mas sim erradicá-la. Hoje, podemos – e devemos – ir além: a crescente população do mundo não deve apenas comer mais, mas comer melhor, com a democratização do acesso a alimentos diversos e de qualidade.
Para atingirmos esse objetivo – que já não é mais utópico – temos que nos comprometer com ao menos dois pilares: adotar políticas pró-desenvolvimento, com a necessária promoção de um comércio internacional livre e justo; e fomentar um ambiente que estimule a inovação, com a estrita aderência a princípios científicos.

Agricultura, agroindústria e bioeconomia podem e devem ser sinônimos de desenvolvimento, geração de renda e oportunidades. No Brasil, o agronegócio emprega 18 milhões de pessoas e responde por mais de um quinto de nosso PIB. Celebramos, nesse contexto, o recente lançamento da Década da Agricultura Familiar, em face de sua particular importância socioeconômica. No Brasil, há mais de 5,1 milhões de estabelecimentos familiares rurais, que além de serem responsáveis pela renda de 40% da população economicamente ativa, produzem grande parte dos alimentos consumidos no país.

Esse modelo de sucesso é passível de ser replicado em outros países, sobretudo naqueles de menor desenvolvimento relativo. Para tanto, é crucial considerar agricultura e segurança alimentar conjuntamente às questões de comércio agrícola. O protecionismo em países desenvolvidos tem ameaçado a viabilidade de uma revolução verde em países em desenvolvimento, por expô-los à competição injusta de bens subsidiados e por negar acesso a mercados consumidores importantes. Um comércio agrícola de fato livre e justo permitiria, sem dúvida, a disseminação de melhoria das condições no campo, onde está concentrada a maior parte da pobreza no mundo. Desencadearia, ademais, um ciclo virtuoso, em que maior produção descentralizada garantiria maior acesso a alimentação e nutrição adequadas.

O relatório sobre o Estado Mundial da Alimentação e Agricultura de 2018, que tem como tema “migração, agricultura e desenvolvimento rural”, revela a migração rural como um componente importante da migração, interna e internacional. O documento aponta a falta de emprego e de oportunidades no campo, assim como a degradação ambiental, como alguns dos fatores que levam à migração rural. Confirma, portanto, que a revitalização e a revalorização da agricultura e das áreas rurais são elementos cruciais na busca de soluções. Um comércio internacional que dê oportunidades equitativas a todos trará efeitos benéficos, assim, também aos fluxos migratórios e à revitalização ambiental.

Há, ainda, outro fator indispensável para a democratização da produção agrícola: o fomento à inovação. Esta foi a base do sucesso do modelo brasileiro, e é a única forma de conciliarmos segurança alimentar com sustentabilidade econômica, social e ambiental. Nossa experiência nos mostrou que o investimento na agricultura tem a capacidade de gerar grandes retornos. O investimento brasileiro possibilitou, nas últimas décadas, o desenvolvimento de um modelo de agropecuária tropical sustentável e altamente produtiva, quando antes se pensava que a capacidade de grande produção agrícola estava restrita a zonas temperadas. Com tecnologia, o Brasil foi capaz de quintuplicar sua produção de grãos nos últimos 40 anos, ao passo que a área ocupada pelas plantações permaneceu praticamente estável. O clima e o solo das regiões tropicais, aliados à tecnologia, permitem que os cultivos proporcionem mais de uma safra ao ano: duas e, em alguns casos, três. Com base nas conquistas das últimas décadas, podemos encontrar alimentos brasileiros nas mesas de mais de um bilhão de pessoas, ao redor do mundo, todos os dias.

Em linha com a resolução sobre enfoques agrícolas sustentáveis, a inovação também permitiu ao Brasil produzir e, ao mesmo tempo, conservar. Apenas pouco mais de 30% das terras brasileiras são destinadas ao uso agropecuário, com diversas medidas firmes para a preservação permanente. A legislação brasileira impõe ao agricultor nacional a obrigação de manter percentual de sua área total coberta por florestas ou outra vegetação nativa, às suas expensas.

Diversas políticas e tecnologias nacionais têm permitido a consolidação de uma exploração agrícola sustentável, como o fomento à agricultura orgânica e agroecológica; os sistemas agroflorestais e de integração lavoura-pecuária-floresta; o plantio de florestas comerciais; e a recuperação de áreas degradadas. Tais políticas têm atrelado a produção agrícola à oferta de serviços ecossistêmicos, à manutenção da biodiversidade, à proteção de fontes de água potável, e à estabilidade do clima mundial.

Novamente, todas essas conquistas – inclusive as ambientais – são possíveis apenas graças à inovação. E é justamente esse vetor de desenvolvimento que se encontra hoje sob ameaça das práticas, talvez até bem-intencionadas, mas com amplos efeitos nocivos, de alguns países ricos. À medida que alguns países desenvolvidos abandonam os princípios baseados em ciência na regulação da produção e do comércio de alimentos, não apenas o comércio justo é penalizado, mas todo o ecossistema de inovação que nos permitiria alimentar mais pessoas com o emprego de menos recursos. Ao desinformar consumidores, ceder a grupos de pressões e se afastar das regras multilaterais, certos atores importantes prejudicam os mesmos objetivos que dizem proteger: o desenvolvimento dos mais pobres; o acesso democrático a alimentos de qualidade; e a preservação do meio ambiente.

Com o atual sistema baseado em regras sendo continuamente testado pelo poder daqueles estados nacionais aderentes a um populismo regulatório, o Brasil está absolutamente convencido da necessidade de preservar o princípio científico na regulação do comércio internacional de insumos e alimentos. Um sistema global regulado apenas em benefício de alguns países ricos não é do interesse dos produtores e consumidores de alimentos em todo o mundo – e também não é do interesse do Brasil.

Esperamos, nesse contexto, que seja fortalecido o papel da FAO como foro incontornável para o desenvolvimento, para o apoio técnico na produção de alimentos sadios provenientes da agricultura, da pecuária e da pesca e aquicultura sustentáveis. Na colaboração com outros organismos, como a OIE, a CIPV e o Codex Alimentarius, os estados membros deverão ser capazes de desenvolver padrões importantes de segurança, sustentabilidade e eficiência, com base nos melhores padrões científicos, aplicáveis a todos e em linha com um sistema multilateral de comércio aberto e justo.

O sistema baseado em ciência e em regras claras foi nossa resposta coletiva a um passado de risco e incerteza. Agora e no futuro, esse brilhante arcabouço deverá transformar-se na força que garantirá alimentos abundantes e de qualidade, levando o concerto das nações a, pela primeira vez na história, garantir a segurança alimentar de toda a sua população, sem descuidar da preservação de nosso patrimônio ambiental.

Esse é o compromisso do Brasil que reitero aqui hoje. Compromisso não apenas com a FAO e com o sistema multilateral, mas com todas as gerações futuras.

Fonte: Mapa.

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