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Mudança do consumidor traz “nova realidade” para pecuária bovina

O mercado de carne bovina considerada de alta qualidade e maior valor agregado é considerado um nicho no Brasil. Mas está ajudando a criar uma “nova realidade“: uma pecuária dentro da pecuária de corte tradicional. É em que acredita o empresário do ramo e consultor Roberto Barcellos. Esse movimento, explica ele, vem sendo determinado por um consumidor com outras preocupações além do produto, como origem e modo de produção. E que, cada vez mais, vê a carne associada também a momentos de celebração.

“As pessoas descobriram que é possível celebrar com a carne bovina, no churrasco. Isso traz uma explosão de consumo. As pessoas compram por prazer. E quando o produtor entrega qualidade, o consumidor paga”, diz ele.

Barcellos defende que, diante desse cenário, a pecuária brasileira deve se dividir em duas. Uma é a da máxima eficiência, da busca por escala e segurança alimentar. É a carne chamada de commodity, que abrange 98% da criação de bovinos de corte. Outra é a da alta qualidade, que abrange os 2% restantes, área de interesse dele tanto como consultor que dá cursos sobre o assunto quanto na sua atuação empresarial.

Pelo tamanho e diversidade do Brasil, Barcellos reconhece que a pecuária bovina não abandonará sua vocação de produzir a carne commodity, que sempre será importante para a economia e o agronegócio do país. Ele entende, no entanto, que a tendência do segmento diferenciado pelo alto padrão é de crescimento nos próximos anos.

“Como a demanda por esse tipo de produto é maior que a oferta e cada dia aumenta, sendo muito otimista, daqui três ou quatro anos, de 2% pode ir para 4%, 5% ou até 10% da pecuária bovina”, estima.

Do ponto de vista das empresas do setor, a separação entre commodity e alta qualidade tende a ser cada vez mais clara. É pela criação de marcas de carne que essa diferença vai se estabelecer, acredita Barcellos. O trabalho de branding agrega ao produto aspectos como história, conceito e padrão, fortalecendo a relação com o consumidor.

“Frigoríficos de commodity buscarão rendimento para produzir commodity. Os de alta qualidade vão buscar alta qualidade. Uma empresa grande será obrigada a deixar clara essa diferenciação, com plantas direcionadas para um produto e outro”, acredita Barcellos, para quem o nicho de mercado pode ser interessante também para indústrias de menor porte.

Para analista de mercado de carne, hamburguerias de alto padrão ou gourmet podem ser uma alternativa interessante para agregar valor a cortes de carne menos procurados, apesar de selecionados em programas de diferenciação por qualidade (Foto: Raphael Salomão/Ed. Globo)

Rentabilidade

Se, de um lado, há uma demanda disposta a pagar mais pela carne de alto padrão, de outro, o desafio é fazer a rentabilidade do negócio ser mais bem distribuída ao longo da cadeia produtiva. Segundo Barcellos, esse ganho ainda está concentrado na parte industrial – o frigorífico – e no varejo – especialmente açougues e as chamadas boutiques de carne, cada vez mais comuns.

“Está todo mundo enxergando na qualidade o caminho natural da diferenciação”, diz ele. “No longo prazo, a situação vai mudar e uma parte dessa rentabilidade terá que ir para o pecuarista. Senão, ele não vai produzir”, acrescenta.

Atualmente, os diferenciais pelo gado de alto padrão variam entre 5% e 10% sobre o valor da arroba referenciado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea). O gargalo, explica Barcellos, é que o preço é aplicado para o animal inteiro, mas, em geral, aproveita-se apenas 20% dos cortes no valor agregado. A alta qualidade ainda é associada só às partes mais nobres, como a picanha ou o contra-filé.

“Estamos aprendendo a valorizar outros cortes. Quando estivermos próximos de 40% de aproveitamento, vamos conseguir uma remuneração melhor”, acredita. “Eu vejo que a indústria busca valorizar ao máximo o criador porque não quer perder a matéria-prima. Para um frigorífico, o custo de abater um boi bom é o mesmo de abater um ruim”, acrescenta.

Especialista no mercado de carnes, o analista da consultoria FC Stone Caio Toledo pensa de forma semelhante. E avalia que estabelecimentos como hamburguerias de alto padrão ou gourmet podem ser uma alternativa para agregar valor a cortes menos procurados.

“Esse é o desafio que a cadeia vai enfrentar: mostrar que o animal premium é nobre em qualquer tipo de corte, seja dianteiro ou traseiro. Se esses cortes forem colocados em uma hamburgueria com a possibilidade de cobrar um preço maior, consegue agregar mais valor”, explica Toledo.

A visão dele sobre o mercado de carne premium é positiva. É um nicho em ascensão, resiliente a crises e associado a consumidores de maior poder aquisitivo. “Tudo leva a crer em aumento da modalidade. As pessoas estão procurando produtos e há mais açougues especializados. O desafio é fazer parte desse ganho chegar ao produtor”, avalia.

Na fazenda Santa Clara, próxima da Avaré (SP), Luiz Moraes Barros Filho trabalha para entregar animais com o melhor acabamento possível o ano todo. Fornecedor da marca de carne da qual Roberto Barcellos é dono em parceria com um frigorífico, o pecuarista mantém 1.800 cabeças meio-sangue: genética angus em vacas nelore, mesclando potencial de suculência e sabor de carne do gado britânico com a rusticidade e resistência do zebuíno.

Com experiência em melhoramento genético bovino, Luiz só não faz a cria na propriedade. Compra bezerros na desmama. Na recria e engorda (a terminação é toda em confinamento), escalona manejo a pasto, suplemento e ração que processa na própria fazenda, onde também planta soja e milho para silagem. Na separação dos animais, utiliza ultrassonografia de carcaça para avaliar os melhores atributos e tornar mais precisa a seleção.

O pecuarista explica que, atualmente, o preço da arroba pago pelo bezerro tem ficado, em média, R$ 30 maior que o recebido pela arroba do boi erado. Enquanto cuida do gado, também se diz otimista em relação ao segmento para o qual resolveu direcionar sua pecuária de corte. “O mercado vai valorizar mais o produto de melhor qualidade. O potencial é enorme. O consumidor não era focado nisso e agora começa a aprender.”

Fonte: Reportagem de Raphael Salomão para o Globo Rural.

1 Comment

  1. Andréa Mesquita - Território da Carne disse:

    Exatamente. A tendência é esta, consumidor melhor informado, mais antenado, exigente, preocupado com a origem e disposto a pagar um preço mais alto por um produto de melhor valor. Costumo dizer, não existe produto caro, existe uma diferença entre a expectativa criada por quem compra em cima do produto comprado. Quando esta expectativa está alinhada, mesmo chegando a pagar 5x mais, o consumidor sai plenamente feliz e satisfeito.

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