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Mão de obra x qualidade da carne

No Mundo todo se nota uma exigência cada vez maior dos consumidores com a qualidade e a procedência dos alimentos que adquirem. O conceito de abate humanitário tem como objetivo poupar os animais de qualquer excitação, dor ou sofrimento desnecessário. O que fica claro, é que o MAPA esqueceu, que se o manejo não for melhorado nas fazendas e no transporte, nada adiantam boas praticas de manejo no frigorífico. As cobranças que estão sendo feitas quanto à qualidade da carne, quando nos referimos à carne bovina, encontra-se uma barreira cultural praticamente intransponível, devido à falta de conhecimento tanto técnico, quanto de legislação por parte daqueles que manejam os animais.

No Mundo todo se nota uma exigência cada vez maior dos consumidores com a qualidade e a procedência dos alimentos que adquirem. A partir do princípio, que é dever moral do homem respeitar os animais, em 17 de janeiro de 2000, foi aprovado, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) a Instrução Normativa nº 3, que define o conjunto de diretrizes técnicas e científicas, capazes de garantir bem-estar dos animais, em todo o processo de abate, desde a recepção até a operação de sangria.

O conceito de abate humanitário tem como objetivo poupar os animais de qualquer excitação, dor ou sofrimento desnecessário. O que fica claro, é que o MAPA esqueceu, que se o manejo não for melhorado nas fazendas e no transporte, nada adiantam boas praticas de manejo no frigorífico. Os animais chegam estressados e com lesões de carcaça ocorrida por erros de manejo num porcentual próximo de 40% na fazenda. Isto dificulta sobremaneira o manejo nos currais de espera do frigorífico, pois os animais já chegam pré-dispostos a briga, devido às agressões já sofridas.

Mateus Paranhos, 1998 em pesquisa encomendada pelo FUNDEPEC encontrou a realidade abaixo:

• Agressões diretas;
• Alta densidade social, provocada pelo manejo inadequado do gado nos currais da fazenda e embarcadouro;
• Instalações inadequadas;
• Transporte inadequado, caminhões e estradas em mau estado de conservação;
• Gado muito agitado, em decorrência do manejo agressivo e de sua alta reatividade.

As cobranças que estão sendo feitas quanto à qualidade da carne, quando nos referimos à carne bovina, encontra-se uma barreira cultural praticamente intransponível, devido à falta de conhecimento tanto técnico, quanto de legislação por parte daqueles que manejam os animais.

Infelizmente a mão de obra utilizada no pré-abate (desde a fazenda até o box de atordoamento no frigorífico, passando pelo transporte) é composta por um porcentual bastante alto de analfabetos e semi-analfabetos, cujo aprendizado ocorreu na prática, sem mesmo ter noções de conhecimento técnico que o introduzisse na atividade. Pior ainda, seu professor foi o pai ou o avô, cujo compromisso com qualidade nunca existiu, se limitando ao cumprimento de ordens, que traziam no bojo a pressa no manejo e o menor custo possível, sem ao menos considerar a própria integridade física. Acredito ter sido isto, conseqüência de uma remuneração baixa, o que na visão de entidades de direitos humanos, a mão de obra utilizada na pecuária no Brasil, se encaixa como escrava.

Este indivíduo de importância fundamental na cadeia produtiva da carne pode alegar desconhecimento quanto a normas, diretrizes, costumes, globalização, exigências de mercado (principalmente consumidor), pois pela incapacidade de conseguir ler e pior, ter acesso a estas informações, realmente não sentiu necessidade de mudar.

Sua qualidade de vida, necessidades de qualidade no alimento, é ínfima, pequena, se restringindo em ter e não em poder ter. Termos como zoonoses, prevenção, matéria prima e higiene (até mesmo pessoal), são de total desconhecimento e sem a mínima importância no seu dia a dia. O exemplo da cisticercose humana nos serve de parâmetro, quando vemos as escolas ensinando de forma errada como o ser humano adquire a neurocisticercose. É ensinado que se adquire cisticercose ingerindo carne crua ou mal passada, (de suíno ou bovino), contaminada. Uma inverdade terrível. A única forma do ser humano adquirir cisticercose é ingerindo fezes humanas, que contêm os ovos da tênia (saginata ou solium). É claro que estas fezes podem ser vinculadas por alimento como carne ou verduras, o que importa é que fique bem claro, ser a falta de higiene e não o ponto de cozimento da carne o fator determinante.

A brucelose. Esta, a irresponsabilidade dos órgãos competentes que fiscalizam a utilização de uma vacina viva, é o grande motivo de sua perpetuação no ser humano, quer seja quanto a quem aplica, quer seja se é aplicada mesmo. Não zoonose, mas tão grave quanto, a intoxicação crônica de trabalhadores por carrapaticidas, bernicidas, mosquicidas etc., é de total desconhecimento, quer por descaso da mídia, das escolas e dos órgãos de fiscalização, que permitem o uso indiscriminado na pecuária, sem a mínima orientação quanto ao produto, nem mesmo quanto à destinação das embalagens vazias a exemplo da lavoura, quer por parte das secretarias de saúde que fazem vistas grossas para as estatísticas. É comum nas fazendas se ver o produto sendo aplicado sem a mínima norma de segurança e a utilização da embalagem vazia para transporte de água ou até mesmo leite para consumo dos peões. Exigir manejo, que visa melhor qualidade de carne é utópico. Eles podem alegar desconhecimento, ignorância, etc., pois de fato as informações não são acessíveis a eles. O que é direito do Consumidor nunca lhe foi dito ou ensinado, pois ele mesmo é um consumidor revestido de total ignorância de seus direitos.

Minha experiência vinda da convivência com este pessoal, horas de aulas sobre manejo racional, higiene pessoal, e direitos, dadas em barracão de curral, salas de sedes de fazendas, me permite afirmar serem eles, capazes de aprender, absorver conhecimento e respeitar normas, diretrizes, leis, etc., sendo possível mudar ao longo do tempo esta realidade nada agradável.

Quando entendem o porquê, eles são os primeiros a colocar em prática técnicas que tornam possível o boi, ser matéria prima com melhor qualidade, quer seja sanitária, nutricional, ou sem lesões e contusões. Na verdade, não existe na cadeia produtiva da carne, individuo que ame mais os animais com os quais lidam que os peões. É, portanto, intenção deste artigo, fazer com que parte deste conhecimento seja possível chegar ao peão, de uma forma assimilável e verídica. Para eles, (peões), a verdade é incontestável, sendo arma de mudança de comportamento.

Direitos Básicos dos Consumidores em relação à Alimentação:

• Acesso a uma alimentação suficiente que satisfaça as suas necessidades nutricionais básicas;
• Certeza de estar ingerindo alimentos seguros e saudáveis;
• Ter informações sobre o que está comendo, inclusive quanto aos riscos, origem e natureza do produto;
• Reclamar e ter uma reparação adequada por qualquer dano que sofrer;
• Participar das decisões que os afetem;
• Ter um meio ambiente saudável, agora e para as futuras gerações.

Solicitações dos consumidores em relação aos produtos da agropecuária:

• Cuidados com a escolha da linhagem dos animais;
• Uso de ração que contenha apenas componentes de origem vegetal;
• Abandono progressivo de tecnologias de produção que se valham do uso de aditivos antimicrobianos ou de outros aditivos zootécnicos;
• Uso racional da medicação veterinária, em especial dos antimicrobianos;
• Negativa total com relação ao uso de grãos provenientes de material geneticamente modificado na alimentação dos animais;
• Cuidado com o bem-estar dos animais usando de Boas Práticas Veterinárias de Manejo;
• Garantia de qualidade através, por exemplo, da adoção de rastreabilidade.

A segurança em relação à produção de alimentos de origem animal é uma das características atuais mais importantes para o consumidor, no momento em que ele define a escolha por este ou aquele produto, por esta ou por aquela marca. Os clientes, redes de distribuição e consumidores desejam transparência com relação às condições e métodos de produção e de processamento dos alimentos que consomem, bem como dos procedimentos usados para assegurar a inocuidade destes produtos.

Neste sentido, há que lembrar que o milagre brasileiro em exportação de carnes é visto com admiração por poucos, reservas por alguns, e preocupação por muitos e, como um mal a ser contido e extirpado pelos protecionistas de plantão.

Por tudo quanto se disse, é preciso que todos os envolvidos na cadeia produtiva entendam, de uma vez por todas, que as demandas dos consumidores devem de alguma forma, serem equacionadas. Isto é irreversível. Neste sentido, que prevaleça sempre em todos os elos da cadeia alimentar de produtos cárneos (do campo a mesa) o cumprimento dos padrões sanitários do Codex alimentarius e da OIE quanto à produção, transporte, armazenamento e comercialização. É possível que algumas pessoas envolvidas com a cadeia produtiva animal venham a considerar as demandas dos consumidores como dificuldades e entraves, impostos à produtividade e ao avanço da tecnologia na área de nutrição e produção animal. Entendamos estas demandas como desafios, como objetos de pesquisa e de avanços tecnológicos, como oportunidades para crescimento para o alcance de novos e promissores nichos de mercado.

Então, mãos a obra.

0 Comments

  1. Mario Cella Neto disse:

    Caro Dr. Renato dos Santos,

    Muito bom seu artigo, atual e com muita aplicabilidade para as práticas de manejo existentes nas fazendas hoje em dia. Tive a oportunidade de cohecê-lo pessoalmente, e certamente sempre que tiver oportunidade e disponibilidade de ler algum artigo seu, não passarei em branco.

    Parabéns pelos treinamentos de bem estar e manejo!

    Abraço.

  2. Hans Nagel disse:

    A minha experiencia com o meu gado demonstrou que assim que chego no pasto perto a cerca, a maioria das reses chegam perto de mim e alguns gostam de ser tocadas.

    No Frigorifico a coisa muda. Já na hora do embarque a gaiola e suas portas tipo guilhotina não funcionam corretamente de forma que o boi leva tal guilhotina muitas vezes na cabeça ou no lombo. Em caso da gaiola metalica, o gado fica doido somente do barulho que o mesmo exerce sem falar do calor produzido pelo sol, e esquentado o ferro, quase queimando o couro do animal. Chegando no frigorifico os bois ficam enjaulados até 24 horas, dependendo da programação, para ser tocados nos corredores para o abate, recebendo choques eletricos e duchas.

    Este procedimento (Humano) tem a ver com o produtor?

    Atenciosamente

    Hans Nagel

  3. renato dos Santos disse:

    Prezado Sr. Hans Nagel, parabéns pelo temperamento do gado em sua fazenda. É sempre boa notícia saber que existem criadores que conseguem manter o nível de reatividade dos animais no aceitável.

    Quando a sua pergunta, de forma alguma o comportamento de motoristas, e trabalhadores de frigoríficos podem estragar todo um trabalho bem feito na fazenda. O que temos como solução é fazermos nossa parte bem feita e crermos que os outros também farão.

    Nos dias de hoje, os frigoríficos tem investido no treinamento de seus motoristas e na mão de obra dos manejadores do curral, ocorrendo uma mudança bastante grande e bem vinda. Tem ainda melhorado suas instalações e com certeza ainda veremos animais sendo manejados com muita calma nestes locais se tiverem sido bem tratados na origem.

    Parabéns e obrigado.
    Renato dos Santos.

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