Um número muito pequeno de indústrias de carne está avaliando os riscos relacionados ao clima. A afirmação é de gestores de ativos globais que estão conclamando o segmento a agir, num momento em que os impactos ambientais começam a receber o mesmo grau de escrutínio que o petróleo.
Numa análise envolvendo 43 das maiores processadoras de carne do mundo com ações em bolsas de valores, apenas a americana Tyson Foods e a brasileira Marfrig revelaram publicamente avaliações de cenários relacionadas ao clima, aponta uma pesquisa divulgada na quinta-feira pela Farm Animal Investment Risk and Return (Fairr), uma rede de pesquisas e consultoria. Em comparação, 23% das companhias de petróleo e gás, mineração e serviços públicos vêm realizando esse tipo de análise.
O sistema mundial de alimentação, incluindo agricultura, uso de terras e produção de alimentos em si, responde por 25% a 30% das emissões responsáveis pelo efeito estufa, segundo o Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Mais e mais empresas dos setores de petróleo e gás e serviços públicos estão realizando esse tipo de análise, mas isso acontece bem menos no setor de alimentos”, diz Eva Cairns, analista de investimentos da Aberdeen Standard Investments.
“A pressão sobre a indústria de alimentos precisa aumentar para que eles se preparem para as mudanças climáticas e sobre como eles vão se adaptar a responder a isso”, acrescenta ela. A pressão sobre empresas e bancos para que eles calculem suas exposições às mudanças climáticas e delineiem medidas para amenizar os riscos vem aumentando. Bancos centrais e investidores institucionais também estão sendo encorajados a apoiar os padrões estabelecidos pela Força Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas ao Clima.
Companhias produtoras e varejistas de alimentos foram citadas na lista da Legal & General Investment Management de candidatos a desinvestimento em seu fundo ético no ano passado. Enquanto isso, gestores de ativos que investem em empresas de alimentos e processadoras de carne consideradas como danosas ao meio ambiente, foram criticadas por ativistas ambientais.
O professor Tim Benton, diretor de pesquisas da Chatham House, diz que a indústria da carne enfrenta os mesmos riscos que a indústria dos combustíveis fósseis. “A velocidade com que a sociedade diz ‘queremos lidar com o problema [da indústria da carne] e seu impacto será muito grande”, afirma ele.
Robbie Miles, analista da Allianz Global Investors, diz que a indústria da carne enfrenta um risco duplo relacionado às mudanças climáticas. O primeiro, o “risco de atenuação” inclui mudanças na dieta, na medida em que os consumidores consomem menos carne cuja produção envolve a emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa, aumentam as regulamentações sobre a atividade pecuária e aumenta o custo do capital.
O “risco de adaptação” é o segundo, em que as empresas se deparam com custos crescentes e danos operacionais em razão da falta de água, aumento das temperaturas e degradação ambiental. “Há uma bifurcação na prontidão para os riscos climáticos. Algumas empresas não estão fazendo o suficiente, expondo-se a esses riscos”, diz Miles.
A ASI e a Allianz Global estão entre os 153 investidores institucionais que gerenciam US$ 20 trilhões em ativos que apoiam a Fairr. A organização lançou uma ferramenta de análise dos cenários climáticos para a indústria de processamento de carne baseado em padrões da TCFD, que ajuda a quantificar os potenciais riscos de perdas e oportunidades para as processadoras de carne num cenário de aquecimento de 2°C da temperatura média global.
O modelo mostra que empresas como as produtoras brasileiras JBS, Minerva Foods e BRF estão sujeitas aos riscos representados pelas mudanças climáticas e o crescimento acelerado as proteínas alternativas.
A Minerva disse que está “interessada em amenizar os riscos” e tentar “melhorar sua gestão por meio de pesquisas e análises do setor e da cadeia, além de promover as boas práticas”.
Já a JBS informou que mantém metas de emissões que são comunicadas internamente. “Já estamos fazendo investimentos significativos para alcançar essas metas”. A BRF não respondeu a um pedido para comentários.
Fonte: Artigo de Emiko Terazono, Valor — Financial Times, de Londres, publicado no Valor Econômico.