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José da Rocha Cavalcanti:O desafio de produzir carne de qualidade, com eficiência e baixíssimo custo

O engenheiro agrônomo José da Rocha Cavalcanti, 48 anos, quarta geração de uma família que cria Nelore há 86 anos, administra a Fazenda Providência do Vale Verde, onde seleciona o Nelore IRCA com o foco centralizado em quatro características importantes para se alcançar eficiência no sistema de produção de carne a pasto.

Os resultados econômicos são maximizados a partir de duas estratégias: tendo como primeira a seleção e preservação de uma genética herdada de seus antepassados que tiveram o pioneirismo científico de priorizar características como fertilidade, habilidade materna e acabamento precoce de carcaça no ambiente a pasto e a segunda na adoção de um manejo onde procura-se otimizar o desempenho animal pela eliminação do stress.

O senhor poderia nos descrever a fazenda em que trabalha?

JRC: A Fazenda Providência do Vale Verde, localizada em São Miguel do Araguaia no estado de Goiás, situada na área de cerrado deste município, portanto tem os seus solos ácidos e de menor fertilidade aliado a um clima quente com boa distribuição de chuvas, o que constitui uma vocação natural para criação de gado de corte. Respeitada as suas áreas de preservação ela possui 800 hectares de pastagens sendo 70% de andropogon, 12,5% de braquiaria humidícula, 12,5 % de braquiaria brizanta, 5% de tanzânia.

Quais são as diretrizes do seu trabalho de seleção?

JRC: Selecionar uma genética que proporcione uma eficiente produção de carne num sistema de produção a pasto.

Produzir e comercializar reprodutores que transmitam a outros rebanhos o que de melhor existe em nossa seleção. Através de uma rigorosa avaliação quantificamos a superioridade dos melhores de cada safra, medindo seu desempenho nas fases de desmama sobreano e reprodução. A fim de garantir que esses animais selecionados venham a ser touros melhoradores, submetemos ao julgamento do técnico da ABCZ, de modo a assegurar as características nobres da raça.

Por que o foco em adaptação a pasto?

JRC: No decorrer desses últimos anos estamos convivendo com o valor da arroba oscilando entre 17-22 dólares e não parece que isso vá mudar num curto espaço de tempo, principalmente pela dificuldade da nossa economia em conviver com um salário mínimo em torno de cem dólares. Posta esta premissa não nos resta outra opção a não ser a criação a pasto para que tenhamos assegurada uma boa rentabilidade. Um sistema eficiente de produção a pasto implica em moldarmos um biotipo de animal que consiga metabolizar com eficiência a gramínea disponível e proporcionar uma produção ótima em vez de máxima. Isto é, aquela que proporciona um maior lucro.

Como é o manejo de pastagem adotado?

JRC: Em nosso manejo de pastagem optamos pelo sistema de “Pastejo fixo com carga variável” respeitando-se a “sociabilidade” de cada lote. Isto implica que, quando precisamos variar a carga de um pasto, trocamos lotes de carga diferente sem mexer na composição do lote. Os bovinos têm o hábito gregário de viver, e isso faz com que eles determinem através de disputas que animais farão parte de seu “círculo” de convivência, há uma limitação na memória deles para reconhecer o que ficou determinado no dia anterior, isso determina um n.º ideal de animais para compor o lote, se respeitarmos essa organização, diminuíremos o stress e aumentamos a produção.

Quando é feita a mudança dos pastos?

JRC: Através de um acompanhamento mensal por um escore pré-estabelecido de notas que representam a quantidade de folhas que compõe a pastagem, avaliamos a necessidade de troca ou não de determinado lote daquele pasto. Este sistema determina que a carga animal seja compatível com 70% da matéria seca produzida em cada pasto, o que proporciona uma incorporação de matéria orgânica anual referente aos 30% restante. Apesar do aparente “desperdício” a produção obtida em termos de peso vivo por hectare é mais lucrativa devido a não submetermos os animais a nenhum período crítico de restrição alimentar, por proporcionar um pastejo seletivo, favorecendo um maior desempenho individual.

Qual a estrutura de divisão de pasto?

JRC: Nossos pastos tem uma área média variando de 20 a 25 hectares, com bebedouro e cocho de sal independentes, com uma forma predominante de um quadrado. Servido por corredores que facilitam a vinda dos lotes ao curral.

Qual a importância da fertilidade e precocidade sexual?

JRC: A fertilidade é a característica de maior importância num rebanho de cria. Pesquisadores já demonstraram que é a característica que mais influencia na lucratividade de um sistema de cria-recria-engorda. Proporcionalmente é três vezes maior que o aumento do peso carcaça dos animais abatidos.

A precocidade sexual é a característica que maximiza a fertilidade. Se um criador adotar como critério único de seleção a fertilidade, em poucos anos ele terá um excelente rebanho e terá agregado outras características naturalmente.

Que resultados tem atingido na área de fertilidade e precocidade sexual?

JRC: Nosso resultado nos últimos três anos após dez anos que adotamos uma estação de monta única/ano com duração média de 83 dias é:

– nulíparas e vacas paridas – 93% de prenhez,
– primíparas – 75% de prenhez
– Índice geral de 88% de prenhez.

Precocidade – bezerras expostas a touros a pasto (sem suplementação) com mineralização na faixa de 80-120 gr /dia tiveram um índice de 16% de prenhez aos 15 meses. Neste índice estão computadas 98% das fêmeas que desmamaram na fazenda.

Quais as vantagens de se ter um sistema exclusivo a pasto?

JRC: No sistema de criação a pasto o importante é definir o momento de comercialização dos machos e a melhor época para parição das fêmeas. O sucesso vai depender de como vamos sincronizar o período de maior exigência alimentar do animal com o período de maior oferecimento de capim pela pastagem. Nas vacas sabemos que este período ocorre nos três meses que antecede ao parto e nos três meses após o parto, isto porque é necessário que ela tenha o menor tempo de serviço (intervalo entre o parto e a ovulação fértil) afim de viabilizar um parto a cada 12/14 meses.

Para os machos seria os seis meses que antecedem o abate, onde se faz necessário uma maior ingestão de matéria seca afim de promover o acabamento da carcaça. A decisão mais correta quando não se pretende comercializar os machos ao final da primeira seca, é fornecer uma boa pastagem com mineralização sem suplementação e usufruir do ganho compensatório que ocorrerá no próximo período de boas pastagens abatendo este animal em torno dos 24 meses com 250kg de peso carcaça. Com o preço da arroba oscilando entre 17 e 22 dólares não se pode agregar custos fixos na produção desta arroba. O zebu desde que bem empastado em sua primeira seca evidência uma de suas características peculiares – o ganho compensatório na fase pós seca.

Como é o desenvolvimento ponderal dos machos quando só criados a pasto?

JRC: Nossos machos aos 28 meses tem apresentado um peso médio nestes últimos 4 anos de 508/514 kg de peso vivo com bom acabamento de sua carcaça o que permite uma liquidez para o abate a partir dos 22 meses de idade. Nesta média incluímos todos os animais da safra da fazenda onde o menor peso foi 450 kg, e o maior 620 Kg.

Quais os maiores problemas encontrados hoje em uma fazenda que cria reprodutores?

JRC: Ser produtor de reprodutor requer uma sensibilidade embasada na técnica e na vivência do dia a dia do melhoramento. A decisão de que touro acasalar muitas vezes vai depender mais do bom senso do que mesmo da informação técnica disponível. Por exemplo a DEP peso não prediz a quantidade de carne por unidade de carcaça. Mais importante que o peso é o acabamento de carcaça. Pode se ter dois animais de 500 kg e um estar gordo e o outro magro. Peso sem acabamento significa maior tempo de engorda, maiores risco e custo consequentemente menor rentabilidade. Ao contrário quando se tem acabamento precoce tem-se um giro mais rápido, maior número de bois por área de pasto, o que resulta numa maior produção de arroba por ciclo de engorda. A cultura do pecuarista, até então era de “quanto maior o animal, melhor”, pesquisadores tem demonstrado que no pasto a vaca de 450kg é mais produtiva que a de 600kg. O produtor de reprodutores deve priorizar resultados e não dar lugar a animais privilegiados. Selecionar é descartar, quem não descarta coleciona.

Qual a importância da qualificação da mão de obra na propriedade hoje?

JRC: É primordial para se formar um equipe capaz de executar com interesse as etapas, para se atingir as metas. À medida que incorporamos informações e elas são assimiladas, os obstáculos são vencidos facilmente.

Qual a influência das recentes alterações no cenário pecuário mundial (BSE, aftosa, rastreabilidade, carnes certificadas) para um produtor de gado de corte?

JRC: A maior influência foi despertar o produtor de gado de corte paras suas responsabilidades em relação à sanidade de seus rebanhos.

Como o senhor visualiza a produção de carne bovina no Brasil num futuro próximo? E quais os desafios que a cadeia de carne irá enfrentar daqui para frente?

JRC: A produção de carne no Brasil precisa estar atenta em :

* Absorver uma mão de obra mais qualificada e por isso mais bem remunerada.

* Preocupação ambiental e preservação do solo.

* Preservação da qualidade da água.

* Aumentar a produção sem comprometer a saúde do consumidor (risco zero).

* A Fazenda de gado de corte deve significar qualidade de vida aos animais que lá produzem e aos homens que nela trabalham.

Desafios da cadeia de carne:

* maior diálogo entre os seguimentos desta cadeia afim de compreenderem que os vários elos que a compõe são parceiros e não concorrentes.

* Maior preparo técnico/político dos nossos negociadores no fórum internacional. A União Européia muito em breve estará ávida em recuperar seus mercados e para isso não nos poupará com ataques de que somos predadores da natureza, exploradores de mão de obra e inescrupulosos no uso da água do planeta.

_____________________
Originalmente essa entrevista foi realizada pela Equipe BeefPoint, para o site da Merial.

0 Comments

  1. William Koury Filho disse:

    Gostaria de parabenizar o Sr. José da Rocha Cavalcanti pelos critérios de seleção adotados em sua propriedade, e também, pela visão que o Sr. tem da pecuária bovina de corte brasileira inserida no contexto sócio-econômico mundial.

  2. Fernando Penteado Cardoso disse:

    Prezado José,

    Parabéns por suas idéias sensatas e com os pés no chão.

    Melhoramento de gado de corte deve olhar o “gancho” e os “úteros”. Macho para carne e fêmeas para criar. Para carne quer dizer tão cedo quanto possível, com traseiro ponderável por valer bem mais. Para criar, há que parir desassistida e, já prenhe de novo, desmamar um bezerro sadio. Bem entendido: cria, recria e engorda sempre a pasto. Assim pensamos e agimos desde nosso início em 1974 com animais de Geraldo de Paula-Curvelo/MG.

    Vejo com alegria que V. pensa do mesmo modo e trabalha com idênticos objetivos. Sinto que temos muita coisa em comum, o que nos leva a admirar muito o colega pecuarista de Goiás criador dos IRCA.

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