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Investimento com preocupação ambiental ganha espaço no país

Quando o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, se comprometeu a acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, o dia foi bem movimentado para os que viram a promessa com ceticismo. 

Alguns destacaram que a promessa, feita em encontro de cúpula sobre o clima organizado pelos Estados Unidos em abril, era antiga: fora feita pela primeira vez em 2015, pela então presidente Dilma Rousseff (e desdenhada já na ocasião pela falta de ambição). Outros fizeram piada, de que Bolsonaro atingiria a meta destruindo toda a floresta até 2029. Também se criticou que, apesar da promessa de dobrar os recursos destinados para fiscalizar o cumprimento das leis ambientais, Bolsonaro aprovou um Orçamento para 2021 cortando-os em mais de um terço. 

Pequenos investidores começaram a exigir que seu dinheiro seja canalizado a empresas com boa avaliação ESG.

“Debatemos internamente se a carta de Bolsonaro a Biden [na qual fez a promessa antes do encontro] até mesmo mereceria resposta, já que há dúvidas tão profundas de que ele faça qualquer coisa diferente para atingir a meta de desflorestamento ilegal zero em 2030”, disse um importante investidor institucional no Brasil. 

Tal ceticismo é compreensível: sob o governo Bolsonaro, o desmatamento da Amazônia aumentou para o maior nível em mais de dez anos e as proteções aos povos indígenas foram enfraquecidas; e os fazendeiros e madeireiras ilegais estão entre importantes apoiadores do presidente. No meio do alvoroço, no entanto, outra promessa do governo passou meio despercebida: a de que o Brasil teria emissões zero de carbono em termos líquidos até 2050, dez anos antes do planejado até então. 

Essa promessa fora sugerida em carta aberta a Bolsonaro por executivos-chefes de cerca de 30 grandes empresas brasileiras – e é um sinal do crescente poder do lobby empresarial para influenciar a política ambiental do governo. 

Sylvia Coutinho, que comanda o UBS Brasil, descreve 2020 como um “ponto de virada” para as empresas brasileiras. “Está muito claro para todos os executivos-chefes com os quais interajo que, dentro de um amplo espectro de setores, o ESG [sigla em inglês para questões ambientais, sociais e de governança] é importante e se tornou um item na agenda predominante que precisa ser abordado”, diz. 

“Há uma preocupação comercial e reputacional real entre as empresas brasileiras” no que se refere ao ambiente, acrescenta Annelise Vendramini, coordenadora do programa de finanças sustentáveis da FGV-EAESP.

Pequenos investidores no Brasil, cujas fileiras têm aumentado depois de as baixas taxas de juros tornarem o mercado acionário mais atraente, também começaram a exigir que seu dinheiro seja canalizado a empresas com boas avaliações em critérios ESG. 

Carlos Takahashi, presidente da BlackRock Brasil, diz que mais de 30% do fluxo de dinheiro dos investidores brasileiros no primeiro trimestre deste ano foi destinado a seus ETFs (fundos negociados em bolsa) ligados a questões ESG. “Esse é um bom termômetro e […] confirma que temos investidores no Brasil também interessados em produtos ESG.” 

A XP recentemente fez uma pesquisa com 30 mil de seus clientes e mais de 70% se disseram interessados em alocar dinheiro em empresas atuantes em questões ESG, segundo Marta Pinheiro, diretora-executiva de ESG e desenvolvimento de negócios na XP. “Acredito que o ESG é uma grande oportunidade de negócios para o Brasil”, diz. 

No resto do mundo, o Brasil normalmente é julgado pelo aspecto “E” (referente à questão ambiental), mas, no mercado interno, muitos investidores têm se mostrado mais interessados no “S”, de social. As empresas brasileiras, assim como outras pelo mundo, têm muito trabalho a fazer para melhorar as relações com as comunidades locais, e a história de racismo contra a população negra torna as iniciativas de diversidade altamente relevantes. 

No Brasil, porém, a mensuração das questões ESG ainda está em sua infância e nem se vale dos critérios detalhados que vêm sendo adotados na Europa – que, na prática, é quem determina os padrões mundiais. “Sem dúvida, isso também é um desafio no Brasil: ter uma identificação mais clara do que realmente é um investimento sustentável”, diz Takahashi. 

Fabio Alperowitch, que cofundou a Fama Investimentos, com um dos primeiros fundos ESG do Brasil, em 1993, também está preocupado com a falta de rigor na avaliação do desempenho ESG e com a falta de conhecimento dos investidores. “Muitos investidores no Brasil não entendem o ESG”, diz. “Alguns deles acham que se trata da exclusão de empresas de armas.” Em meio à confusão, segundo Alperowitch, algumas firmas alardeiam investimentos “verdes” que não são exatamente o que podem parecer. 

Como exemplo, ele cita a Via Varejo, que anunciou planos em abril para captar R$ 1 bilhão com a emissão de debêntures sustentáveis. O comunicado da companhia sustenta que os recursos serão usados para estender o vencimento das dívidas e financiar operações regulares. “Em troca, eles estão assumindo o compromisso de elevar a proporção de eletricidade renovável que consomem”, diz Alperowitch. “Mas eletricidade não é o principal problema ambiental para uma varejista. O empacotamento seria mais relevante.” 

A Via Varejo informa que a meta atrelada ao bônus é elevar o uso de energia renovável de 30% a 90% até 2025. Separadamente, planeja definir meta de redução das emissões até o fim do ano, reduzir o consumo total de energia e incrementar as iniciativas de reciclagem. 

Algumas empresas brasileiras já cumprem os critérios internacionais de desempenho ambiental e de sustentabilidade. 

Em 2020, a Natura tornou-se a maior empresa do mundo a ganhar o certificado “B-Corp”, ou “Empresa B”, que atesta a sustentabilidade social e ambiental das firmas. O Magazine Luiza abriu novos caminhos nos critérios sociais com seus programas de diversidade para funcionários negros. A locadora de veículos Localiza ganhou o prêmio de Melhor ESG da firma de análises Institutional Investor. E, em 2020, a fabricante de papel e celulose Suzano tornou-se a primeira emissora de um país emergente a lançar um título de dívida incluindo penalidades financeiras caso deixe de cumprir metas de emissões de carbono. 

Ainda assim, as dificuldades para os investidores interessados em monitorar as empresas quanto aos critérios ESG é que o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), da B3, inclui algumas dessas empresas exemplares, mas também a petrolífera estatal Petrobras e frigoríficos como a Marfrig e a BRF.

A B3 também calcula o Índice Carbono Eficiente (ICO2), que inclui a Petrobras e o frigorífico JBS, assolado por escândalos. A firma, maior produtora de carnes do mundo, foi apelidada por ambientalistas como “destruidora da Amazônia”, ao não assegurar que sua cadeia produtiva está livre de gado criado em terras desmatadas. 

Ana Buchaim, diretora de sustentabilidade da B3, não comenta sobre empresas específicas incluídas nos indicadores, mas diz que o ISE “não é um índice de exclusão” e foi criado para estimular as empresas brasileiras a melhorar seu desempenho, e não para constrangê-las. “Temos uma metodologia robusta”, diz. “Mas o índice não é uma certificação, é um referencial. Grandes empresas de capital aberto querem mostrar seu comprometimento com o ESG, elas veem isso como uma fonte de vantagem competitiva.” 

Alperowitch, da Fama, ressalta que “uma coisa é fazer promessas ESG, mas outra bem diferente é cumpri-las”. “Adoraria ver uma regulamentação apropriada.” 

Mesmo assim, com os investidores institucionais intensificando os holofotes sobre as questões ESG e as ameaças de boicote por parte de investidores e consumidores, a pressão sobre as maiores empresas do país vem crescendo. Seus executivos chefes têm a esperança de que a aparente conversão de Bolsonaro à causa de proteger a Amazônia se mostre duradoura. “Cada país é uma marca”, diz Vendramini, da FGV. “Você não exporta apenas seu produto, você também exporta a marca de seu país. E, se o governo está agindo contra algo em sua marca, isso preocupa.” 

Fonte: Valor Econômico.

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