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Investidores querem mudança de padrões

O cenário pós-covid-19 deverá ser marcado por uma aceleração da agenda da sustentabilidade em todo o mundo, puxado pelos planos de retomada com base na economia de baixo carbono de alguns países, como os da União Europeia, e também pelas demandas de investidores e consumidores. A tendência é de que o setor privado seja cada vez mais pressionado para promover impactos positivos, a chamada economia regenerativa, em vez de apenas mitigar os impactos negativos. 

Essa foi uma das conclusões do painel sobre mobilização da sociedade, no “Fórum Valor Reconstrução Sustentável”, evento on-line promovido por Valor, “O Globo” e “Época”, com patrocínio da Ambipar. Um dos termômetros é o movimento dos investidores pela adoção de critérios ambientais, sociais e de governança, o chamado ESG na sigla em inglês, nas decisões de negócios, que se tornou mais incisivo a partir do ano passado. As cartas aos investidores de Larry Fink, o CEO da gestora de ativos BlackRock, em que ele invoca a necessidade de reduzir o aporte de recursos em energias fósseis, têm reverberado fortemente em vários países e o tema foi um dos mais discutidos no Fórum Econômico de Davos, na Suíça, em janeiro deste ano.

No Brasil, o aumento do desmatamento e das queimadas na Amazônia e Pantanal também tem levado investidores a cobrarem medidas mais enérgicas do governo brasileiro e CEOs de grandes empresas a se posicionarem contra a degradação ambiental. No início de julho, um grupo de empresas e associações setoriais protocolou uma carta à Vice-Presidência da República e ao Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido por Hamilton Mourão, cobrando uma agenda mais sustentável do governo brasileiro. 

A iniciativa foi capitaneada pelo Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), com a assinatura de 40 CEOs de empresas dos setores industrial, agrícola e de serviços. No comunicado, as companhias manifestaram preocupação com o impacto nos negócios da imagem negativa do Brasil em relação às questões socioambientais na Amazônia e apontaram ações a serem tomadas para aplacar as reações negativas de investidores e consumidores estrangeiros ao país – entre elas, o combate ao desmatamento ilegal e o incentivo à bioeconomia da floresta.

“O Brasil precisa de uma retomada pós-pandemia em bases mais verdes e já existem empresas à frente do processo”, disse Marina Grossi, presidente do Cebds. Segundo ela, a carta dos CEOs mostra que é preciso “separar o joio do trigo” e que há empresas brasileiras que estão comprometidas com a sustentabilidade. 

A ameaça de boicote às empresas brasileiras por investidores e redes do varejo já está acontecendo na prática. Um dos exemplos é a Tesco, maior rede de supermercados do Reino Unido, que anunciou em agosto que deixaria de comprar carne brasileira por estar vinculada ao desmatamento na Amazônia. A varejista também foi uma das companhias que encaminhou uma carta ao Congresso brasileiro, em maio, pedindo rejeição ao projeto de lei que regulariza a posse de terra em áreas ocupadas da Amazônia. 

Outro exemplo são fundos de investimento que já estão retirando aportes do Brasil, como a gestora norueguesa Nordea, que excluiu a multinacional de proteína animal JBS de sua carteira de investimentos por entender que a empresa não atendia aos padrões ESG. Também suspendeu a compra de títulos da dívida soberana brasileira devido à falta de comprometimento do governo federal com o combate ao desmatamento. 

De acordo com Carlo Pereira, diretor executivo do Pacto Global, a perda de investimentos é da ordem de US$ 6 bilhões. “As ameaças de boicote a nossos produtos e empresas já está acontecendo e deverá aumentar com o direcionamento dos investidores europeus para a retomada verde”, disse. Segundo ele, não se trata apenas de protecionismo por parte dos agricultores do continente, mas de uma falta de visão do país em relação aos diferenciais competitivos da agricultura ecológica. “A sustentabilidade é uma vantagem comparativa do Brasil que não estamos transformando em vantagem competitiva. Vamos perder competitividade e isso é um absurdo, pois temos esse conhecimento na mão.”

Para Marina Grossi, do Cebds, a pandemia acrescenta ao vocabulário corporativo as palavras resiliência e regeneração, em um contexto em que as lideranças empresariais serão cobradas não só pela mitigação de impactos negativos, mas pela criação de impacto positivo. “O meio ambiente não faz um CEO, mas certamente tira um CEO do lugar em que ele estava.” 

Um dos pilares da chamada economia regenerativa, conceito que vem ganhado espaço, é justamente a circularidade, onde as cadeias produtivas operam com zero desperdício e geração mínima de resíduos. Aplicar a economia circular na indústria é uma das frentes de negócios do grupo Ambipar, que atua na gestão ambiental, de resíduos e na resposta a emergências. De acordo com Onara Oliveira de Lima, diretora de sustentabilidade da Ambipar, identificar essas oportunidades passa por treinar o olhar – pensar o resíduo de uma empresa não como lixo, mas como um subproduto que pode ser inserido na cadeia produtiva da mesma indústria ou de outra.

O potencial dessa abordagem é imenso, pois estudos apontam que apenas 9% da economia global utiliza os conceitos de circularidade na totalidade, do design do produto até fim de sua vida útil. No Brasil, uma das vantagens é que a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) já deixou o caminho aberto para que empresas inovem nessa área. A lei determina a logística reversa e a valorização de resíduos, com uma abordagem de ciclo de vida dos produtos. 

Para a executiva, a adoção de critérios ESG pela comunidade de investidores beneficia a empresa, que fez sua oferta pública de ações (IPO) no Novo Mercado da B3 em julho deste ano, levantando R$ 1,08 bilhão, com o papel precificado a R$ 24,75, no topo da faixa indicativa de preço, que tinha como piso R$ 18,75. “O IPO da Ambipar mostrou que há interesse e comprometimento dos fundos com as empresas que praticam a sustentabilidade no dia a dia”, disse Onara. 

Produtor de alimentos orgânicos há 25 anos, o ator Marcos Palmeira vê uma onda de consumidores mais conscientes se fortalecendo com a pandemia – um indicador desse movimento é o crescimento de 30% no mercado de orgânicos desde o início da quarentena. Além de estar mais preocupado com questões ligadas à saúde, esse consumidor também está atento aos impactos ao meio ambiente dos produtos que compra. “O meio ambiente passou a ser protagonista dessa discussão e o consumidor é fundamental nessa cadeia, pois ele vai dizer ao mercado o que quer consumir. Nosso poder é gigante”, disse Palmeira. 

A questão social também é um ponto que ganha destaque, pois quem compra está aprendendo sobre a origem dos alimentos e, durante a pandemia, cresceram também os movimentos de apoio aos pequenos produtores

Fonte: Valor Econômico.

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