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Investidores procuram alternativas à indústria da carne

Quando a gigante de private equity Blackstone investiu na fabricante de leite de aveia Oatly, em julho, consumidores furiosos prometeram boicotar a bebida vegana. “Os investimentos da Blackstone têm sido associados a atividades de desmatamento no Brasil”, escreveu a loja britânica de produtos locais Buth Bharraigh num tuíte em que anunciava que pararia de vender produtos da Oatly.

“Não quero que meu dinheiro vá para a destruição do planeta […] só para tomar um café cremoso pela manhã!”, escreveu a influencer Laura Young em posts no Instagram e no Twitter, que foram compartilhados milhares de vezes.

Para os críticos, a Blackstone – uma empresa que administra 545 bilhões de dólares (mais de R$ 3 trilhões) em ativos – estava usando a Oatly para mascarar investimentos prejudiciais ao clima. “Veja como estamos apoiando alternativas ao leite, sustentáveis e baseadas em plantas, com nosso investimento na @oatly”, escreveu a Blackstone em sua página no Instagram.

Essa disputa nas redes sociais entre um gigante corporativo, uma marca “consciente” e clientes decepcionados é só uma parte de um debate mais amplo sobre o papel do capital no combate às mudanças climáticas. Ele se voltou para o setor de alimentos à medida que os investidores começaram a se afastar das indústrias de carnes e laticínios, altamente poluentes, e os consumidores passaram a procurar alternativas sustentáveis.

Investimentos no desmatamento

A produção de carne é um dos fatores para o desmatamento de florestas tropicais. Diante da alta demanda por alimentos como hambúrgueres e leite, florestas tropicais dão lugar a fazendas de gado e ao cultivo de soja, que é usada sobretudo para alimentar o gado.

A Blackstone, que investiu bilhões de dólares no setor de combustíveis fósseis, é uma das proprietárias da Hidrovias do Brasil, empresa brasileira de logística que, no ano passado, foi ligada ao desmatamento na Floresta Amazônica pelo site The Intercept. À DW, porém, um porta-voz da Blackstone disse que as alegações de desmatamento eram “completamente falsas e inteiramente fabricadas”.

O presidente da Blackstone, Stephen Schwarzman, é um dos grandes doadores das campanhas eleitorais do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, um notório negacionista do clima que revogou regulamentações ambientais e tirou os EUA do Acordo de Paris sobre mudanças climáticas.

Riscos sistêmicos

Pressionadas por consumidores e legisladores, algumas empresas de alimentos estão começando a avaliar suas próprias pegadas ecológicas. Em 2018, o McDonald’s se comprometeu a reduzir emissões e limpar suas cadeias de suprimentos. Em julho, a gigante brasileira de alimentos Marfrig disse que o desmatamento não fará mais parte de sua cadeia produtiva até o final da década.

Em setembro, a também brasileira JBS disse que vai monitorar toda sua cadeia de suprimentos para cortar o desmatamento até 2025. O anúncio foi feito semanas após a gestora de patrimônio norueguesa Nordea comunicar que iria retirar sua participação de cerca de 40 milhões de euros (cerca de R$ 260 milhões) na JBS por falta de engajamento em questões ambientais.

Em 2019, depois que incêndios devastaram a Floresta Amazônica, um grupo de 251 investidores pediu a redução do desmatamento, identificando os impactos ambientais como “riscos sistêmicos” para suas carteiras.

Biodiversidade e mudanças climáticas são tópicos importantes para os mercados agrícolas, expostos às condições climáticas extremas, e para consumidores ambientalmente conscientes, avalia Matt McLuckie, diretor de pesquisa da Planet Tracker, uma organização sem fins lucrativos com sede no Reino Unido que visa redirecionar capitais para o desenvolvimento sustentável. “As tendências não têm sido positivas para os produtores agrícolas, principalmente no setor de carne bovina.”

Dietas baseadas em plantas

O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU, defende que a mudança climática poderia ser retardada com a adoção de dietas baseadas em plantas, especialmente em países mais ricos.

A Oatly é a maior empresa da indústria de leite alternativo e está avaliada em 2 bilhões de dólares (R$ 11,1 bilhões) e, segundo a Bloomberg News, considera uma oferta pública inicial que pode elevar esse valor para 5 bilhões de dólares (quase R$ 28 bilhões). Para uma empresa cujo produto principal é feito com a mistura de dois ingredientes baratos e amplamente disponíveis – aveia e água –, a empresa sueca de alimentos fundada na década de 1990 teve um crescimento incrível desde que entrou no mercado americano, há quatro anos.

Embora ativistas tenham passado anos pressionando o mundo financeiro para que tirasse seu dinheiro de investimentos “sujos”, como empresas de combustíveis fósseis, pouca atenção foi dada ao setor agrícola, que é responsável por cerca de um quarto das emissões de gases de efeito estufa.

Muitos acionistas pressionam as empresas de que têm ações a melhorarem sua marca ambiental. A reação à parceria da Oatly com a Blackstone oferece uma outra perspectiva, afirma Daniel Firger, diretor-gerente da consultoria de finanças climáticas Great Circle Capital Advisors. “Nesse caso, o alvo da raiva de tanta gente é um grupo de private equity. E private equity, em comparação com outros setores do mercado financeiro, não tem sido muito investigado.”

Redirecionar capital

Ao aceitar um investimento de 200 milhões de dólares (R$ 1,1 bilhão) de um grupo liderado pela Blackstone e que inclui a apresentadora americana Oprah Winfrey, o músico Jay-Z e a atriz Natalie Portman, a Oatly argumentou que estava desviando capital para açõies sustentáveis. O retorno que a Blackstone obtiver com o investimento poderá inspirar outras empresas de private equity a tornarem seus portfólios mais verdes, justificou a empresa sueca.

“Precisamos de uma mudança fundamental em basicamente tudo o que fazemos: a maneira como comemos, como nos movemos, como vivemos”, disse Ashley Allen, diretora de sustentabilidade da Oatly. “A única maneira de fazermos isso, em minha opinião, é incentivar o financiamento para essas soluções e desincentivar o financiamento de organizações com alto teor de carbono, alto risco e alta poluição.”

Questionada sobre se Oatly definiria limites sobre quem poderiam ser seus investidores – por exemplo, empresas de combustíveis fósseis –, Allen disse não saber ao certo. “Não participei de nenhuma discussão sobre isso.”

A Oatly não é a primeira marca de alimentos conscientes a deixar seus clientes revoltados por aceitar dinheiro de um investidor com um histórico ambiental ruim. Em 2000, a produtora americana de sorvetes Ben and Jerry’s, que defende seu compromisso com a justiça social, foi comprada pela Unilever, um conglomerado global que tem sido atacado por ativistas por promover desmatamento e poluição com plástico.

Nos últimos anos, a Unilever começou a ceder mais aos críticos das questões ambientais, ameaçando vender marcas que não contribuam positivamente para a sociedade. Mas a empresa ainda é uma grande poluidora, responsável por mais de 70 mil toneladas de lixo plástico por ano, segundo um relatório da ONG Tearfund.

Embora seja importante que ativistas chamem a atenção para investimentos, diz Firger, as dimensões da emergência climática implicam que empresas como a Oatly ganhem espaço o mais rapidamente possível. “Não sou a favor desses testes de pureza. Não temos tempo a perder.”

Fonte: DW.

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