Síntese Agropecuária BM&F – 10/07/03
10 de julho de 2003
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14 de julho de 2003

Infecções uterinas em vacas de corte (I)

Introdução

A eficiência reprodutiva é um dos principais fatores de sucesso na bovinocultura, por estar diretamente relacionada com a produtividade dos rebanhos. Um bom desempenho reprodutivo leva a um maior número de partos ao ano, aumentando o número de crias, que podem ser comercializadas ou aproveitadas no plantel, como reposição, acelerando o melhoramento genético.

São inúmeras as condições que interferem na eficiência reprodutiva dos bovinos. Os distúrbios no período pós-parto têm uma grande importância neste contexto, pois podem afetar a vida reprodutiva do animal. O estabelecimento de uma nova gestação depende do reinício da atividade ovariana, além de um ambiente uterino apropriado para receber o novo produto da concepção. A fecundação ocorre em 90% dos casos após a monta natural ou inseminação artificial, porém apenas 60 a 70% destes zigotos formados terão desenvolvimento a termo. Boa parte das perdas deve-se a um ambiente uterino inadequado para o desenvolvimento inicial da gestação, mesmo antes da implantação, provocado por diversos fatores, como alterações nos padrões de secreção uterina, decorrentes de condições ambientais inadequadas e modificações conseqüentes de infecções uterinas; problemas metabólicos relacionados á nutrição, e distúrbios hormonais. Devido à elevada ocorrência e os efeitos deletérios á performance reprodutiva, as infecções uterinas merecem diagnóstico e tratamento efetivos.

Um tratamento ideal deveria constar de uma droga amplamente disponível no mercado, ter custo reduzido, ser de fácil aplicação, ser eficiente, reduzir os riscos de vida, promovendo a cura rapidamente e permitindo ao animal o estabelecimento imediato da gestação, e apresentar o mínimo possível de tempo de eliminação de resíduos no leite, reduzindo as perdas com o descarte do produto e diminuindo os riscos á saúde humana.

Os problemas uterinos após o parto são relativamente comuns, principalmente quando ocorre algum distúrbio com a parturiente, como retenção dos anexos fetais, capaz de elevar consideravelmente a incidência de infecções uterinas após o parto. Além dos problemas ao parto, como distocias, retenção de placenta e outros, a incidência de infecção uterina está relacionada com variáveis ambientais, principalmente a temperatura e umidade relativa elevadas, tipo de manejo dos animais, prevalência de doenças infecto-contagiosas como rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR), leptospirose e brucelose, aspectos nutricionais, ou quando a monta natural ou inseminação artificial não se processa com a adequada higiene.

Nos casos de infecção uterina, em geral, não há possibilidade de estabelecimento ou manutenção de uma nova gestação, havendo morte dos gametas ou embrionária e retorno do animal ao estro. Dependendo da gravidade do processo, ou seja, quando ocorrem lesões capazes de alterar a produção de PGF2alfa pelo endométrio, a sintomatologia característica seria o anestro.

As infecções uterinas são citadas geralmente como causas de baixa performance reprodutiva. Por ser de alta prevalência, esta patologia ganha em importância pelos efeitos nefastos que produz na performance reprodutiva e na saúde dos animais. Os efeitos danosos relacionados á reprodução ocorrem devido ao atraso no retorno á normalidade do útero (atraso na Involução) após o parto o que traz como conseqüência um maior período de serviço.

A herdabilidade da ocorrência de infecção uterina é baixa, variando entre 3 e 14%, indicando os fatores do meio como principais condições predisponentes. A repetibilidade da ocorrência de infecção uterina em diferentes partos é citada como pequena, cerca de 25%. De acordo com os resultados destes trabalhos pode-se concluir que os principais fatores predisponentes á ocorrência de infecção uterina estão relacionados ao ambiente.

Num trabalho de avaliação dos prejuízos ocasionados pela infecção uterina em vacas leiteiras, feito nos EUA, estimou-se uma perda média de US$45,00 por animal afetado, conseqüência de redução de fertilidade, gastos com medicamentos, queda na produção e descarte de leite dos animais tratados. Em gado de corte, talvez o prejuízo possa ser menor, em decorrência da não necessidade de eliminação do leite, porém os outros prejuízos seriam semelhantes.

Em bovinos, as infecções uterinas precisam necessariamente de ser classificadas quanto ao seu tipo. Esta classificação leva em consideração se já ocorreu a total involução uterina pós-parto. Esta característica é importante, pois vai nortear o prognóstico, a característica do quadro (agudo ou crônico) e as formas de tratamento.

1) Infecção uterina puerperal

A infecção uterina puerperal é aquela que acomete o útero durante a sua fase de involução. Nesta fase, a infecção uterina tem caráter agudo. Merece intervenção rápida, pois existe risco inclusive de morte do animal. Apresenta ocorrência variável, de 6 a 25%. Freqüentemente acompanha casos de retenção de anexos (placenta), distocias, auxilio ao parto ou outros distúrbios com a parturiente. Animais com condição corporal ruim ao parto também são acometidos com maior freqüência.

Para a vaca, puerpério tem sido definido como o período que vai do parto até o aparecimento do primeiro estro no qual nova gestação possa ser estabelecida, o que implica em completa involução uterina e retorno da atividade endócrina, com plena reativação e sincronia do eixo hipotálamo-hipófise-ovário, que permita crescimento folicular, estro, ovulação, concepção, desenvolvimento do corpo lúteo e gestação. Outros autores definem a fase puerperal como a fase de involução uterina. Para fins meramente práticos, adota-se esta última classificação, para abordagem do tipo de infecção.

Figura 1: Útero de vacas em diferentes períodos pós-parto.


O período puerperal é dos mais importantes no contexto do manejo, por representar o período de maior vulnerabilidade do animal a problemas que afetam a fertilidade futura e a eficiência reprodutiva.

A vaca tem um tipo de involução do útero bastante complexa, em parte devido ao tipo de placenta presente nesta espécie. Após a parição, os cotilédones fetais se separam das carúnculas maternas. A massa uterina logo após o parto normal pesa aproximadamente 10kg, caindo para 0,7-0,8 kg até a 6a semana após o parto, quando ocorre uma involução total. Assim, no período logo após o parto observa-se uma mudança na massa do tecido uterino de mais de 10 vezes o seu tamanho.

Os microorganismos encontrados em animais com infecção uterina puerperal são de diversos tipos (flora bacteriana mista). Geralmente são agentes oportunistas presentes no meio ambiente, que após a inoculação e devido a fatores predisponentes (calor e nutrientes), se instalam e desenvolvem rapidamente no útero, causando a infecção. Neste período o útero está repleto de sangue e outros líquidos que funcionam como excelente meio de cultura para as bactérias. A inércia uterina é favorecida pelo processo inflamatório, que por sua vez fornece condições para a multiplicação dos agentes.

A infecção uterina puerperal tem 3 tipos de evolução. O animal pode se curar do processo, pode evoluir para um quadro de infecção pós-puerperal, que á a situação mais freqüente, ou ir a óbito. Esta última condição geralmente é ocasionada por toxemia e/ou bacteremia. A morte é possível, e não rara, pois no período de involução a capacidade de absorção uterina está muito aumentada, o que eleva o risco das toxinas ou mesmo das bactérias chegarem facilmente á corrente sanguínea. Os efeitos danosos incluem retardo no reinicio da atividade ovariana cíclica e involução uterina, redução no escore corporal, maior incidência de infecções uterinas pós-puerperais, e aumento no número de serviços por concepção. Quando o animal não vem a óbito, os efeitos na reprodução decorrem de duas situações principais: retardo na involução e uma maior contaminação uterina.

O aparecimento de sintomatologia sistêmica não é raro. Febre e/ou anorexia são os sinais mais observados. Estas situações são mais freqüentes nos casos de infecções puerperais, ou seja, aquelas que acometem o útero durante a fase de involução pós-parto.

Uma das principais situações que levam a infecção uterina puerperal é a retenção de placenta (Figura 2). Esta condição normalmente resulta de alterações na sua liberação normal dos placentomas ou de inércia uterina, sendo que ambas as condições possuem várias causas. Quando a placenta não é expulsa dentro de 48 horas, esta sofre uma progressiva putrefação e um processo de liquefação.

Estes processos predispõem a multiplicação das bactérias que juntamente com a putrefação dos anexos fetais diminuem a atividade do miométrio, levando á inércia uterina. O processo normal de involução uterina pode ocorrer mesmo na presença uma certa contaminação bacteriana, que em condições normais, são eliminadas dentro de 2 a 3 semanas quando a população não é exagerada. A proliferação excessiva de bactérias leva a infecção retardando a involução do útero, que é imprescindível para o restabelecimento dos ciclos estrais. Um fator agravante e que o principal mecanismo de defesa uterina, a fagocitose bacteriana, está diminuída em casos de retenção de placenta. A atividade está diminuída mesmo antes do parto, o que indica ser uma causa, e não um efeito da retenção.

Figura 2: Retenção de placenta, uma das principais causas de infecção uterina puerperal.


A presença da placenta retida, intervenções obstétricas e outros distúrbios favorecem a entrada de um maior número de microorganismos para a luz uterina. Estes agentes durante a multiplicação, produzem substâncias responsáveis por um processo inflamatório na parede uterina, o que retardaria a involução. Ao exame clínico, os principais achados estão relacionados a um animal no período pós-parto, que pode ou não exibir sinais sistêmicos de infecção. O útero está aumentado volume, caído na cavidade abdominal, apresenta conteúdo líquido no interior, fétido e possui parede espessada e friável. Neste período não há atividade ovariana. Esta situação não é decorrente da infecção, mas do período pós-parto em questão.

Figura 3: Útero de uma vaca com infecção puerperal


Os sintomas principais incluem descarga vaginal purulenta, sanguinolenta, fétida e presença de crostas nos pelos da região perineal e cauda. O animal pode apresentar contrações abdominais visando expulsão do material. Quando o processo não está mais restrito ao útero, são observados os sinais sistêmicos como hipertermia, prostração, anorexia. Caso o animal não seja rapidamente tratado, são possíveis perturbações digestivas como timpanismo. O quadro final, quando o tratamento não vem á tempo ou não é adequado é a morte, que geralmente ocorre por toxemia e/ou bacteremia.

Segundo a literatura, um bom tratamento deveria controlar a proliferação bacteriana, evitando sinais sistêmicos de infecção e dar condições para que a involução uterina se processe sem maiores anormalidades, auxiliando com isto na remoção do material contaminado. As drogas para tratamento desta condição, ou seja, uma infecção de curso agudo, causada por uma flora mista, e que depende de tratamento rápido e eficiente, devem apresentar amplo espectro de ação, formação de níveis circulatórios rapidamente após a aplicação, e difícil aparecimento de cepas resistentes. A eficiência dos tratamentos deveria ser mensurada pela cura clínica, mas também pela fertilidade futura dos animais, visto que as condições decorrentes infecção uterina poderiam interferir na vida reprodutiva futura dos animais afetados.

Quando a infecção uterina já está instalada, principalmente quando o animal apresentar sintomatologia sistêmica é necessária a aplicação de antibióticos de largo espectro por pelo menos 5 dias. Vários autores relatam sucesso do tratamento de infecções puerperais com uma única aplicação sistêmica de antibióticos em veículos de liberação lenta, para tratamento de infecções puerperais, quando esta aplicação é feita logo após a ocorrência de um distúrbio ao parto, antes de uma maior proliferação bacteriana.

O tratamento com antibioticoterapia parenteral associado á análogos sintéticos da prostaglandina fornece ótimos resultados, por combater as duas situações nefastas relacionadas á infecção puerperal (tabela 1). Os antibióticos controlam a proliferação bacteriana e as prostaglandinas favorecem a involução uterina.

Tabela 1. Eficiência do tratamento de infecções uterinas puerperais decorrentes de retenção de placenta com oxitetraciclina associada ou não ao cloprostenol (Fernandes, 1999).


O trabalho mostra que a associação do antibiótico com a prostaglandina foi benéfica ao promover uma involução uterina mais rápida e com isto favorecer a eliminação dos agentes e o retorno á atividade reprodutiva pós-parto.

Vários trabalhos mostram que o tratamento imediato com antibióticos em preparações de longa ação, de distúrbios ao parto que condicionam o aparecimento de infecções puerperais, pode reduzir consideravelmente a intensidade dos sintomas sistêmicos, o risco de morte e as seqüelas do processo de infecção uterina que, neste período, está se instalando.

O tratamento local (infusões uterinas) não é recomendado nesta fase. Na fase puerperal o útero encontra-se muito volumoso, bem vascularizado, e com uma grande capacidade de absorção de substâncias. Por estas condições, mesmo que se colocasse certa quantidade de antibiótico no interior do útero, não haveria como preencher toda a extensão interna do órgão, além da droga rapidamente passar para a corrente sanguínea.

Independente do tratamento pelo qual se opte, o animal deve ser reavaliado 15 a 30 dias mais tarde antes de retornar a reprodução. Uma das evoluções mais comuns é a infecção pós-puerperal, que também carece de tratamento.

O controle da ocorrência da infecção uterina puerperal depende de medidas que visam evitar a ocorrência dos fatores predisponentes. Dentre elas pode-se citar a correção nutricional visando uma boa condição corporal ao parto (Figura 4); programação de partos em locais pouco contaminados, controle das condições de estresse peri-parto e rápido tratamento de qualquer distúrbio com a parturiente, como retenção de placenta, distocias, auxílio ao parto e outros.

Figura 4. Vacas com uma boa condição corporal ao parto estão menos sujeitas á infecção pós-parto

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