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Imunoprofilaxia da rinotraqueíte infecciosa bovina

Por Pablo Lamberto1

Imunoprofilaxia da rinotraqueíte infecciosa bovina: vacinas com vírus vivo atenuado, vacinas com vírus vivo termossensível e vacinas inativadas

Introdução

A rinotraqueíte infecciosa bovina (IBR) é uma doença altamente infecciosa dos bovinos causada pelo Herpesvirus bovino tipo 1 (HVB-1) que além dos distúrbios respiratórios, febre, inapetência, causa também infecções venéreas (Vulvovaginite Pustular Infecciosa e Balanopostite Infecciosa), problemas reprodutivos, aborto, metrites, conjuntivites, diarréias e encefalites. A infecção ocorre por transmissão via descargas nasais, secreções oro-nasais, genitais, fetos e anexos fetais de abortos por IBR e o contágio pode ocorrer através da respiração ou por contato direto através do coito ou ainda por inseminação artificial com sêmen contaminado.

A porta de entrada do vírus no organismo é representada pelas mucosas oro-nasais e mucosas genitais. Em geral, uma vez no organismo animal, o curso da infecção herpética segue a maioria das infecções virais caracterizada pela implantação inicial e replicação do vírus nos tecidos linfóides na porta de entrada, viremia transiente, seguida por replicação nos órgãos linfóides sistêmicos e desenvolvimento de uma viremia secundária com disseminação do vírus aos órgãos de predileção com subsequente estabelecimento da infecção viral nos tecidos alvos. Na fase de viremia, o vírus pode atravessar a barreira placentária e infectar o feto provocando o aborto nas vacas prenhes.

Concomitantemente com o processo de infecção, o organismo animal começa a montar uma resposta imunológica complexa específica, com o objetivo de eliminar o vírus e reparar os danos causados pelo agente invasor.

Embora a resposta imunológica seja um processo harmônico e simultâneo de reações, para simplicidade de entendimento, dividimos essa resposta em imunidade humoral representada pelos anticorpos circulantes e responsáveis pela neutralização e limpeza do vírus da circulação e imunidade celular.

A imunidade celular inespecífica é representada por complexas atividades em que participam diversas células como os macrófagos, monócitos e células “natural killers” (assassinas naturais) além de interferon e linfocinas.

A imunidade celular específica é representada pelos linfócitos T citotóxicos que também são ativados pelas linfocinas.

A imunidade celular tem a função de destruir células infectadas expondo o vírus à ação dos anticorpos que se encarregarão da neutralização e limpeza do agente do organismo. Desta maneira a infecção é debelada restaurando os sintomas clínicos e ocorrendo a recuperação do animal.


O mecanismo da resposta imunológica frente aos antígenos virais vivos induzida por infecção natural ou por vacinas vivas apresenta algumas diferenças em relação a resposta imunológica induzida pelas vacinas de vírus inativados.

Antígenos virais vivos, devido a sua replicação nas células infectadas ativam a produção de proteínas víricas associadas à classe I de MHC (Complexo principal de histocompatibilidade) e ativando os Linfócitos T com marcadores CD8+ (T citotóxicos) da imunidade celular. Esses antígenos são também associados à classe II de MHC ativando os Linfócitos T com marcadores CD4+ (T auxiliares) resultando na ativação de Linfócitos B com conseqüente produção de anticorpos.

O processamento de antígenos inativados (mortos), sem capacidade de replicação, irá ativar somente a produção de proteínas solúveis associadas à classe II de MHC ativando os Linfócitos T com marcadores CD4+, resultando na produção de anticorpos.

Uma vez que nesse caso, os Linfócitos CD8+ não são ativados não há resposta imune celular.

Passada a fase aguda da doença, o animal se recupera, mas o HVB-1 tem a capacidade de escapar ao sistema imunológico estabelecendo uma forma de latência. Nesta condição, o vírus pode permanecer “silenciosamente” em células ganglionares por longos períodos de tempo, sem manifestação clínica, podendo posteriormente apresentar episódios de reativação e excreção viral e causar doença clínica em novos animais susceptíveis.

O estabelecimento de imunidade humoral e celular pós-infecção ou pós-vacinação não elimina o estado de latência e assim, uma vez infectado, o animal será portador durante toda a sua vida produtiva.

Nas infecções herpéticas agudas, são importantes tanto a imunidade humoral quanto a imunidade celular uma vez que além da viremia, o Herpesvirus bovino tem a capacidade de se transportar de células para células através de pontes intercelulares não sendo expostos aos anticorpos circulantes e portanto não sendo afetados por eles (Figura 1). Nessas condições, a imunidade celular desempenhará função importante na destruição das células infectadas, eliminação da infecção e restauração dos quadros clínicos da doença (Figura 2).

Figura 1


Figura 2


Os programas de controle da IBR devem ser específicos a cada rebanho e devem incluir algumas medidas básicas para evitar a contaminação ou disseminação da infecção no rebanho, como utilização de touros sabidamente negativos, sêmen negativo, vigilância constante com exame clínico adequado, descarte de fêmeas com problemas reprodutivos, quarentena de animais recém adquiridos antes da introdução junto ao rebanho, manutenção de programa sanitário e nutricional adequado evitando condições predisponentes que venham a provocar quebra de resistência e imunoprofilaxia específica dos animais através da vacinação.

Imunoprofilaxia

Vários são os tipos de vacinas desenvolvidas para o controle da IBR, os quais apresentam suas vantagens e desvantagens relacionadas a imunologia, biossegurança, inocuidade, irreversibilidade à virulência, reações adversas. As seguintes vacinas são atualmente disponíveis: vacinas inativadas (ou mortas), vacinas de vírus vivo atenuado termossensível, vacinas de vírus vivo atenuado tradicional e vacinas com marcadores genéticos (as duas ultimas não disponíveis no Brasil).

Vacina com vírus inativado

Neste tipo de vacinas, o vírus patogênico é replicado em grandes quantidades em cultivos celulares e inativado (morto) por processos físico-químicos, usualmente com beta propiolactona (BPL) ou etileneimina binária (BEI) associado a tempo e temperatura. Nestas condições, o vírus é completamente inativado (morto), mas mantém as características imunogênicas intactas. Como a vacina inativada não se replica no animal após a injeção, a quantidade de antígeno incorporada a vacina deve ser bem elevada para produzir uma estimulação adequada da imunidade. A imunidade das vacinas inativadas é potencializada ainda pela adição de substâncias adjuvantes da imunidade que irão proporcionar um nível de resposta e duração adequados. Alguns exemplos de adjuvantes: emulsão oleosa, saponina, hidróxido de alumínio.

Vantagens

– A vacina inativada é segura tanto para bezerros como para vacas prenhes uma vez que o vírus é morto e não provoca a doença.
– Não há risco de reversão à virulência ou recombinação genética.
– Induzem altos níveis de anticorpos, dependendo do tipo de adjuvante.

Desvantagens

– Não estimula a resposta celular citotóxica que é muito importante nos processos de recuperação dos quadros clínicos e proteção contra a transmissão do vírus para os animais susceptíveis.
– Necessidade de duas doses na primovacinação.
– Período negativo longo, isto é a imunidade sólida só é obtida após 35 a 45 dias da dose inicial.
– Duração da imunidade relativamente curta podendo variar de 6 a 12 meses dependendo do adjuvante.
– Não há possibilidade de diferenciação entre animais vacinados e animais infectados pelos métodos sorológicos usuais, o que impede a aplicação de programas de erradicação, baseados na vacinação e descarte de animais infectados.

Embora baixa, a probabilidade de reações adversas como reações anafiláticas e, reações locais e sistêmicas é maior do que com as vacinas vivas devido a presença de substâncias inativantes, adjuvantes, conservantes além de possíveis concentrações de proteínas celulares que podem ser maiores do que nas vacinas vivas.

Vacina com vírus vivo atenuado mutante termossensível (ts)

Este tipo de vacina é produzido pela replicação da cepa de vírus atenuado termossensível RLB-106 (ts) em cultivos celulares. A atenuação desta cepa foi obtida por indução química e passagens em culturas celulares em temperaturas relativamente baixas. Os maiores rendimentos na replicação viral são obtidos a temperaturas entre 30oC e 36oC.

A temperatura de 39oC não há mais replicação do vírus. Esta tecnologia visa a replicação do vírus por uma ou duas gerações no local da aplicação por injeção intramuscular, e posteriormente essas progênies de vírus são inativadas pela restrição da temperatura corpórea do animal.

Devido a essa replicação, proteínas víricas são expressas com os antígenos de classe I de MHC da célula hospedeira e são apresentadas para os Linfócitos CD8+ (T citotóxicos) ativando a resposta imune celular. Ao mesmo tempo é estimulado o antígeno de classe II de MHC com conseqüente produção dos anticorpos circulantes.

Esta vacina faz parte das vacinas CattleMaster dos Laboratórios Pfizer.

Vantagens

– A vacina é segura tanto para animais jovens como para fêmeas prenhes em qualquer estágio da gestação. A cepa RLB-106 não é abortogênica.
– Não são observados os efeitos adversos, respiratórios e/ou reprodutivos possíveis de ocorrer com as vacinas de vírus vivo atenuado por processo tradicional.
– Não são excretados e não há transmissão do vírus vacinal para outros animais.
– A vacina se caracteriza por estimular tanto a imunidade humoral quanto a imunidade celular.
– Duração da imunidade mais prolongada do que as vacinas inativadas.
– Estabilidade genética não tendo sido observado reversão a virulência.

Desvantagens

– Necessidade de duas doses na primovacinação devido a aplicação intramuscular.
– Não há possibilidade de diferenciação pelos métodos sorológicos usuais entre os animais vacinados e os animais infectados o que impede seu uso nos programas de erradicação.

Vacinas com vírus vivo atenuado por processo tradicional

Este tipo de vacina é obtido pela replicação do vírus atenuado em culturas de células. A atenuação do vírus é obtida por numerosas e sucessivas passagens em culturas de células até atingir-se uma adequada atenuação, isto é a redução ou eliminação da virulência tornando-se apatogênica para os bovinos. Desta maneira, o vírus mantém a imunogenicidade sem provocar a doença no bovino.

Nota: Este tipo de vacina tem seu uso proibido no Brasil.

Vantagens

– À semelhança da infecção natural, essa vacina induz sólida imunidade tanto humoral quanto celular citotóxica.
– Necessidade de apenas uma dose na vacinação primária.
– Induz imunidade sólida e duradoura podendo atingir até 24 meses.
– Menor probabilidade de reações indesejáveis locais e sistêmicas do que as vacinas inativadas.

Desvantagens

– Esse tipo de vacina pode induzir ao aborto se aplicado em vacas prenhes, uma vez que o vírus é apatogênico para bezerros e animais adultos, mas não para o feto.
– Vacas prenhes não devem ser vacinadas ou mesmo não devem ter contato com animais recém-vacinados uma vez que o vírus vacinal pode ser excretado e transmitir-se para os animais contato.
– Por ser vírus vivo, requer um cuidado maior na manipulação e conservação para evitar a inativação do vírus.
– Da mesma maneira que as vacinas anteriores, não há possibilidade de diferenciação entre animais vacinados e animais infectados.
– Apesar de remota, pode haver a possibilidade de reversão á virulência.

Vacinas com marcadores genéticos

Este tipo de vacina representa mais um avanço tecnológico no desenvolvimento de vacinas. Ela é obtida por deleção de uma glicoproteína da partícula vírica e esta tecnologia pode ser usada tanto na vacina de vírus vivo como na vacina de vírus inativado. Este tipo de vacina é a única que possibilita a diferenciação sorológica entre um animal vacinado e um animal infectado e está sendo usado em alguns países europeus que apresentam baixos índices de prevalência, nos programas de erradicação da IBR baseado na vacinação e sacrifício dos animais infectados.

As vacinas com marcadores genéticos ainda não estão disponíveis no Brasil.

Conclusão

Excelentes vacinas vivas, termossensíveis ou inativadas, são disponíveis hoje no mercado brasileiro como auxiliar no controle da IBR. Os programas de controle da IBR devem levar em conta a dinâmica populacional do rebanho e devem ser estudados criteriosamente caso a caso. Além das medidas básicas fundamentais para qualquer programa sanitário, um programa de proteção do rebanho contra novas introduções da doença assim como a prevenção do recrudescimento e re-excreção do vírus pelos animais portadores através da vacinação são medidas importantes para minimizar as perdas decorrentes da infecção por IBR.
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1Pablo Lamberto é Médico Veterinário, Gerente de Produtos Biológicos – Divisão de Saúde Animal dos Laboratórios Pfizer Ltda

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