Síntese Agropecuária BM&F – 08/05/03
8 de maio de 2003
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12 de maio de 2003

Importância da qualidade da água no desempenho animal

Marcelo de Queiroz Manella e Celso Boin

Na alimentação animal os nutricionistas se prendem, muitas vezes, apenas à qualidade e à composição química dos ingredientes para balanceamento de dietas de modo a suprir as exigências dos diversos nutrientes (proteína, fibra, gorduras, carboidratos, vitaminas e minerais), esquecendo-se da qualidade da água, nutriente tão importante quanto os demais. A água está presente em quase todas as reações bioquímicas dos organismos, perfazendo ao redor de 60% da composição corporal dos bovinos. É claro que ao colocar um lote de animais em um piquete a disponibilidade de água é considerada, porém a qualidade da mesma geralmente é negligenciada.

A redução na ingestão de água reduz a ingestão de alimentos, que por sua vez reduz o desempenho. A quantidade de água consumida por bovinos depende do status fisiológico (lactação, crescimento, etc.) e fatores como a temperatura ambiente, umidade da dieta, umidade relativa. Por outro lado, o consumo voluntário de água pode ser afetado pela temperatura da mesma, limitações físicas (distância) e principalmente em função da qualidade, que afeta a palatabilidade. Nesse radar será abordada a importância da qualidade da água disponível para bovinos, bem como seus efeitos do ponto de vista produtivo.

Animais a pasto podem obter a água de diferentes formas: tanques de captação hídrica; poços artesianos; lagos; rios ou riachos. A qualidade da água ingerida é determinada pela origem da mesma e forma de disponibilização para o gado. A contaminação por fezes geralmente ocorre em tanques de captação hídrica e lagos (arroios), que apresentam pouca renovação da água, com elevado acumulo de matéria orgânica, contaminação por parasitas, crescimento de algas que em determinadas situações podem produzir toxinas ou conferir sabor desagradável, sem mencionar os riscos de botulismo (Radar Sanidade: Contaminação de valas de captação hídrica pelo Clostridium botulinum. 20/12/2002)

Em muitas situações onde a água é limitante o gado deve consumir o que tiver, porém segundo Veira et al (2003) a questão é: “Quanto de produtividade se perde em fornecer água de baixa qualidade ao gado?” Na Tabela 1 (Veira et al., 2003) é apresentado o desempenho de novilhas a pasto consumindo água em açude/arroio ou água limpa em bebedouro. Nos dois anos de avaliação os animais que tiveram acesso a água fresca em bebedouro apresentaram melhor desempenho. Os autores relatam que 1998 foi um ano atípico (quente e seco) em relação a 1999 (normal). A diferença entre anos é evidente e muito maior para o caso de açude. A concentração de sais na água parece ter sido importante se considerarmos que a disponibilidade de forragem nos pastos com açude e com bebedouro foram semelhantes dentro de ano. A figura 1 ilustra o efeito da concentração de sulfato na ingestão de água.

Tabela 1: Desempenho de novilhas com acesso a água de açudes ou de bebedouro.

Figura 1: Consumo médio de água (l/dia) com dois níveis de sulfato fornecidos a vontade ou 2 x ao dia para novilhas sobreano.
Fonte: Veira. (2003)

Willms et al. (2002) realizaram extenso trabalho em 3 diferentes localidades do Canadá por 5 anos consecutivos, com o objetivo de avaliar os efeitos da qualidade da água sobre o desempenho de bovinos Hereford de sobreano e de vacas com seus bezerros. Os tratamentos eram diferentes formas de fornecimento e consequentemente qualidade da água: Fresca – Água fresca e limpa (rios, riachos ou poço artesiano) fornecidas em bebedouros; Tanque-bebedouro – água de tanques de captação ou de arroios bombeados para bebedouros; e Tanque – acesso direto a tanque de captação hídrica ou arroio.

Os animais eram mantidos em piquetes com acesso a uma das três fontes de água. Em cada tratamento foram usados 10 animais de 16 meses/ano no caso de animais de sobreano, e 10 vacas com bezerros/ano. As lotações das pastagens foram ajustadas de forma que a produção de forragem não limitasse o desempenho animal.

Na tabela 2 é possível observar que o fornecimento de água de melhor qualidade, água fresca, propiciou melhores desempenhos do que os propiciados pelos outros tratamentos.

Tabela 2: Fonte de água e desempenho de bovinos.

A análise comportamental feita durante os experimentos (observações a cada 5 minutos, durante 5 dias, da madrugada ao entardecer) mostrou que os animais com acesso a água fresca e limpa em bebedouros gastaram mais tempo pastando que descansando (deitados) ou vagando, apesar do tempo gasto para ingestão de água ter sido semelhante (tabela 3). Porém, não se sabe se o consumo de água foi ou não semelhante.

Tabela 3: Comportamento animal em relação a fonte de fornecimento da água

Segundo os autores, neste experimento a presença de matéria orgânica, que promove alteração negativa no cheiro e na palatabilidade da água, poderia explicar parcialmente a diferença nos ganhos (diminuição de ingestão de água com conseqüente diminuição da ingestão de matéria seca). É importante mencionar que animais com acesso a água de melhor qualidade permaneceram mais tempo pastando, o que sugere maior consumo de alimento. A qualidade pode ter afetado a população microbiana no rúmen, e consequentemente a digestão da forragem. As contagens de coliformes na água indicaram maiores concentrações médias na água oriunda de tanques ou lagos, em relação a água fresca (155,5 x 31,6 /100ml).

O bombeamento da água de tanques para bebedouros propiciou pequenas melhoras nos desempenhos de maneira geral, o que serve como indicativo que os animais evitam entrar ou ingerir água diretamente em tanques ou arroios. Fato este também observado por Veira (2003) quando em um mesmo piquete os animais tinham livre escolha de consumir água diretamente no arroio, ou a água bombeada para um bebedouro (tabela 4). As observações de comportamento foram feitas por 14 dias consecutivos, do amanhecer ao entardecer, por dois anos em duas localidades diferentes. Em média, os animais preferiram em 80% das vezes consumir água nos bebedouros. Segundo o autor, o menor valor observado na localidade B em 1999 para consumo de água de bebedouro foi devido unicamente a 1 vaca de 11 anos de idade que se recusava consumir água nos bebedouros.

Tabela 4: Arroio ou bebedouro – O que o gado escolhe?

Talvez um dos maiores responsáveis por afetar o consumo de água seja as alterações na palatabilidade em função da contaminação por fezes da mesma. Ao fornecer livre escolha para os animais entre água limpa ou com 0,005 ou 0,25 mg de fezes/g de água, Willms et al. (2002) observaram forte aversão a água contaminada (Figura 2). Por outro lado, quando a água contaminada era a única fonte, o consumo de água não foi alterado em baixas contaminações, exceto para contaminações acima de 0,25% (figura 3), afetando de modo significativo também o consumo de alimento. Se considerar que um animal defeca em torno de 25 kg de fezes (Matéria fresca), divididos em 10 vezes no dia, e beba água em lagos ou tanques 2 vezes ao dia, e defeque toda vez que for beber água (25% do total de fezes), então um único animal pode contaminar cerca de 25 mil litros de água por dia com 0,05mg de fezes frescas/ g de água. Isto pode se agravar ao considerarmos o tamanho do rebanho e contaminação repetida da água.


Figura 2: Consumo voluntário de água com diferentes níveis de contaminação fecal


Figura 3: Efeito dos níveis de contaminação da água sobre a ingestão voluntaria de água e de alimento.
Fonte: Adaptado Willms et al. 2002.

Os trabalhos apresentados acima demonstram claramente os benefícios da qualidade da água, bem como o tipo de fornecimento e seus efeitos na produção animal. Para tal, torna-se necessário o uso racional das fontes de água na propriedade, que segundo Veira (2003) “além de melhorar o desempenho animal, ajuda a preservar o meio ambiente”. O uso racional da água na agropecuária vem sendo amplamente discutido e cobrado pelos meios de comunicação e a sociedade em geral, principalmente em relação à preservação de mananciais, pois estimativas mostram que no futuro irá faltar água potável no planeta.

Bibliografia Consultada

VEIRA, D. M. Livestock Water: Impact on production and behavior. Western Range Science, Seminar at Medicine Hat, Alberta. 2003.

WILLMS, W. D; KENZIE,O. R.; MCALLISTER, T. A.; COLWELL, D.; VEIRA, D.; WILMSHURST, J. F.; ENTZ, T.; OLSON, M. E. Effects of water quality on cattle performance. Journal of Range Management. 55: 452-460 September 2002

WILLMS, W.D., O. KENZIE, T.A. MCALLISTER, D. COLWELL, D. VEIRA, J. ILMSHURST, AND R. BECK. 2000. Water quality effects on cattle performance. In Adams, B. and Douwes, H. (eds.), The Range: Progress and Potential, Proceedings Western Range Science Seminar. Lethbridge, Alberta.

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