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Governo busca solução para recuperação de produtor rural

Diante das divergências entre agricultores e tradings sobre os pedidos de recuperação judicial de produtores rurais pessoas físicas, o governo federal decidiu organizar as diferentes propostas e tentar criar regras específicas para a categoria.

O modelo em gestação é o da “pré-qualificação”. Com ele, para ter direito à RJ o produtor deverá apresentar informações contábeis aos fornecedores de crédito ou insumos no momento da contratação. Apenas as dívidas amparadas por esses dados seriam passíveis de renegociação. Quaisquer outras dívidas contraídas antes ou depois que não estiverem nessa prestações de contas, portanto, não poderiam ser incluídas no pedido de recuperação.

Segundo fontes, o governo teme reflexos negativos para os financiamentos rurais de uma possível demanda mais forte por RJs e está preocupado com a inclusão de dívidas do crédito oficial em pedidos de recuperação, com gastos ao Tesouro.

Apesar dos avanços nas discussões, a falta de consenso sobre a inclusão de Cédulas de Produto Rural (CPR) em uma recuperação judicial ainda trava as negociações. Crucial, o ponto segue indefinido. Produtores defendem a inclusão dos títulos e a definição de critérios para sua renegociação. Uma das possibilidades é parcelar a entrega da produção atrelada às CPRs em várias safras. Tradings e agroindústrias financiadoras, entretanto, não aceitam.

Desde setembro, os ministérios da Economia e da Agricultura buscam mediar a criação de um texto para normatizar a RJ de produtores rurais pessoas físicas. Entidades do setor agropecuário, tradings, cooperativas e juristas participam do grupo de trabalho.

A ideia é apresentar a proposta como um substitutivo ao projeto de lei 6279/2013 pelo relator e presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), Alceu Moreira (MDB/RS). A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que pedirá ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM/RJ), que a proposta tramite em regime de urgência quando for apresentada.

Uma vez aprovado, o texto deverá se tornar estatuto de recuperação judicial rural e suprir um “vácuo legislativo” que levou a entendimentos divergentes sobre a norma em vigor – que só trata de pessoa jurídica – e a disputas bilionárias na Justiça. A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no fim de 2019, que permitiu à empresa do agricultor de Mato Grosso José Pupin incluir débitos contraídos como pessoa física na RJ mesmo sem cumprir o prazo de dois anos de inscrição em junta comercial, deu mais urgência ao tema.

Em reunião no mês passado, o governo sugeriu a criação de critérios e condições para habilitar os produtores rurais pessoas físicas a pedir recuperação judicial. O modelo foi batizado de “pré-qualificação” e prevê que, no momento da contratação do crédito, sejam apresentadas informações como balanço patrimonial, demonstrativos de resultados, livro caixa digital e imposto de renda.

A exigência seria aplicada apenas para quem quiser se habilitar a pedir no futuro recuperação judicial, caso necessário. A ideia é “regular o balcão aberto” existente hoje na relação de agricultores com financiadores privados e melhorar o ambiente geral de crédito rural, inclusive nos bancos, conferindo maior transparência sobre a situação contábil dos agricultores para análise de risco por parte dos credores. No médio prazo, avaliam fontes do setor e do governo, a medida poderá ajudar a reduzir os custos dos empréstimos.

As novas regras valeriam do momento em que forem aprovadas frente, sem interferir no direito de quem já entrou com solicitação de RJ na Justiça. Uma das alternativas em estudo é estabelecer um prazo de dois anos para que os produtores possam se adequar e começar a fornecer a tradings, cooperativas e revendas de insumos as informações previstas sobre suas contas.

“O crédito que o produtor contrair com base nessas informações estaria habilitado a ser incluído na recuperação judicial. Se ele tomou crédito sem apresentar essas informações, esse crédito terá de ficar de fora”, explica uma fonte do setor produtivo que acompanha os debates. “O produtor vai ser estimulado a apresentar mais informações, o que melhora a percepção de risco”.

A proposta deve trazer a possibilidade de resolução extrajudicial de conflitos como primeira opção, em uma espécie de arbitragem. A medida serviria para blindar o patrimônio dos produtores de possíveis execuções por parte dos credores a partir da simples manifestação de intenção de RJ. “Vamos colocar prazo dentro desse pedido para que as partes conversem e se resolvam antes para que o pedido não tenha nem que ser examinado”, disse a fonte.

O deputado Alceu Moreira defende o modelo que está sendo costurado. Ele afirmou que as regras dificultariam o oportunismo de uma minoria que atrapalha a imagem de todo o setor. “O produtor se habilita para não fazer operação surpresa e acaba com a picaretagem”, afirmou ele ao Valor. “Se nós queremos a RJ, ela não pode ser instrumento para oportunistas”.

O deputado cita o exemplo de quem se endivida e usa os recursos para comprar novas áreas. “Não pagou os fornecedores, não pagou o empréstimo, mas logo depois começa a comprar a terra do vizinho. Isso estabelece descrédito, grau de risco. É ruim”. Segundo ele, o projeto vai impedir essas situações. “Na hora que o produtor comprar ou tomar o crédito, vai assumir responsabilidades que darão direito à RJ. As pré-condições qualificarão a saúde do crédito e não permitirão vigarices”.

Fonte: Valor Econômico.

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