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Gosto de sangue na boca

Por Luciano Médici Antunes1

A impressão que teria uma pessoa não ligada à pecuária nacional ao ler artigos, matérias, entrevistas ou mesmo em conversas com muitas das lideranças do setor, é que todos estão com gosto de sangue na boca. E infelizmente este gosto não vem de um bom pedaço de picanha mal passada. O ambiente é de instabilidade, de incertezas, onde a pecuária parece simplesmente não saber para onde ir.

“Mas como?”, diria este nosso personagem que só conhece um boi depois de servido em seu prato em confortáveis restaurantes. “Tenho lido (continuaria ele) que não paramos de bater recordes de exportação, nossas indústrias vêm crescendo e se modernizando, existem investimentos em genética, em práticas de manejo, temos o maior rebanho comercial do mundo, desculpe-me, mas não entendo”.

A percepção de nosso amigo é real, vivemos um tempo estranho, mas vamos tentar explicar um pouco a causa de tudo isso. A pecuária bovina vem se caracterizando pela quase total falta de integração entre todos os elos da cadeia que a compõem.

A ficha que caiu já há alguns anos para o pessoal do frango e dos suínos (sem falar no pessoal da agricultura) é que ninguém, de forma isolada, consegue consolidar um produto e um mercado. Para produzirmos com qualidade, garantias e preço justo, todas as engrenagens da máquina tem de funcionar. E para que todas elas funcionem, levando-se em conta que, assim como em uma máquina, todas estas engrenagens trabalham de forma conjunta e dependem uma das outras para que o objetivo final seja alcançado, é preciso colaboração, visão sistêmica, mentalidade de grupo.

Na pecuária de corte, na maioria das vezes, isso ainda não acontece. Assistimos a um governo pressionado por todos os lados, cada qual defendendo a interesses imediatos e de curto prazo, levando muitas vezes a políticas e decisões que não são as melhores para o país, que é o que realmente interessa na visão de poder executivo.

Vemos estes eficientes produtores e as modernas indústrias, envolvidas em disputas que parecem não ter fim, uma parte parecendo ignorar que simplesmente deixará de existir sem a outra. Fornecedores de insumos e serviços, muitas vezes preocupados apenas em vender os seus produtos, esquecem a preocupação da real necessidade e viabilidade econômica dos mesmos para seus clientes, repetindo La Fontaine e sua famosa fábula da galinha dos ovos de ouro.

O que temos, portanto, são ótimos atores, trabalhando em um péssimo ambiente. Todos parecem ter gosto de sangue na boca, achando que os demais participantes da cadeia são os culpados pelos problemas que afligem ao setor, pelos riscos que corremos e que devem, de alguma forma, pagarem por seus pecados. A visita de técnicos da União Européia ao Brasil que se inicia neste mês é um exemplo claro disso. Todos culpam a todos pelas falhas existentes. Quem está olhando para seu umbigo e corrigindo as suas próprias deficiências?

Deus nos livre dos princípios chineses de condução de uma sociedade, mas a comparação aqui é inevitável. O que falta a pecuária nacional é um “Grande Timoneiro”. Somente uma (ou várias de preferência) liderança forte, respeitada por todos, tecnicamente eficiente, politicamente articulada e com transito em todos os setores, que lhe possibilite a famosa “visão de helicóptero”, onde se enxerga o todo por estar em uma posição privilegiada de recebimento de informações, nos tirará do ambiente de guerra que há anos vivemos. Chega de falarmos mal uns dos outros. Vamos nos unir, vamos juntar forças, vamos cada um fazer a sua parte, sempre tratando os demais elos da cadeia como aliados, não como inimigos.

Afinal de contas, a pecuária nacional está como aquele famoso time de futebol, cheio de craques, mas acaba perdendo para um bando de pernas de pau organizados e liderados por alguém que entende como o jogo funciona.

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1Luciano Médici Antunes é Engenheiro Agrônomo e diretor da Planejar Brasil

0 Comments

  1. Jurandi Lavor Rolim disse:

    Concordo em gênero, número e grau com o Sr. Luciano. Não só a cadeia da pecuária (mas, principalmente esta) precisa entender o que significa “cadeia produtiva”, para que todos prosperem e perpetuem o seguimento, do produtor ao consumidor final.

  2. claudio dabus figueiredo disse:

    Caro Luciano,

    O seu artigo é quase perfeito, mas falta o básico: como fazer?

    A parceria fraterna entre os atores da pecuária é utópica, embora os sonhos façam parte do jogo, a cadeia que existe nesse sistema de produção é a que nos prende aos nossos próprios erros.

    Não desista.

    Um abraço

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