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Ganho de peso compensatório: há problemas com a qualidade da carne de bovinos?

Por Angélica Simone Cravo Pereira1 e Gabriela Aferri2

O crescimento compensatório consiste na habilidade que o animal possui de apresentar, após uma restrição alimentar, maiores taxas de ganho de peso, quando comparado a um animal de mesma idade que não sofreu restrição de alimentos. Os fatores envolvidos no fenômeno de crescimento compensatório, segundo Hornick et al. (1998), é um aumento na ingestão de alimentos, aumento no peso das vísceras ou uma maior eficiência de utilização do alimento. As respostas biológicas de cada animal ao período de deficiência nutricional variam de acordo com o nível de subnutrição e realimentação e com o estágio de desenvolvimento do animal. Essa resposta é mais bem expressa quanto mais avançada a idade do animal, já que a restrição alimentar em animais jovens pode comprometer o seu desenvolvimento.

Apesar dos fatores conhecidos envolvidos neste processo, Drouillard et al. (1991) consideraram ainda uma possibilidade de interação entre estes fatores, o que aumenta a complexidade de prever a compensação. Também é importante considerar o valor qualitativo da restrição alimentar (energética ou protéica) e a interdependência destes nutrientes quanto ao metabolismo ruminal.

A partir dessas colocações, pode-se ponderar sobre as conseqüências na qualidade da carne de animais que sofreram este processo, já que a composição do ganho de peso pode determinar a qualidade sensorial da carne.

Para estudar os efeitos da limitação na ingestão de energia líqüida ou proteína metabolizável no ganho de peso subseqüente a esta fase, Drouillard et al. (1991), mantiveram novilhos em fase de crescimento sob restrição energética e protéica por 77 dias. Esses autores observaram que o crescimento compensatório desses animais foi semelhante, independente da restrição energética ou protéica. Entretanto, na fase de terminação, os animais submetidos à restrição energética tiveram melhores desempenhos que os submetidos à restrição protéica, quando deficiências alimentares foram impostas por períodos mais longos.

Posteriormente, Hornick et al. (1998) estudaram o impacto do tempo de restrição sobre as características das carcaças dos animais. A alimentação de um um grupo de novilhos da raça Belgian Blue consistiu de uma dieta que proporcionasse rápido ganho de peso (controle) e outros três grupos foram alimentados com dieta que permitiu um ganho de 0,5 kg por dia, por períodos de 115 (G2), 239 (G3) ou 411 (G4) dias. Estes autores avaliaram a temperatura das carcaças e observaram uma queda rápida para o grupo controle e uma queda mais lenta para os demais grupos estudados.

Também foi mensurado o pH das carcaças. O G4 apresentou uma queda mais rápida nas quatro primeiras horas após o abate, quando comparado aos demais. No entanto, não foram observadas diferenças entre os grupos para o pH na 48ª hora após o abate. Além disso, todos os grupos apresentaram valores próximos a 5,5, valores esses considerados dentro dos padrões para essa característica. Foram observados ainda nessa pesquisa menores valores de perdas ao cozimento para o grupo controle e a perda por gotejamento foi menor para os grupos G3 e G4.

A força de cisalhamento (análise de maciez) por meio do aparelho Warner-Bratzler Shear Force foi menor, portanto foram constatados cortes mais macios para os grupos G2, G3 e G4 em relação ao grupo controle. Também, de acordo com as análises químicas da carne foram observadas diferenças na quantidade de cinza, proteína bruta, extrato etéreo e colesterol dos cortes.

É interessante notar que o menor valor de extrato etéreo foi encontrado nos grupos que sofreram restrição prévia, enquanto que o oposto ocorreu com os tecidos conjuntivo e adiposo depositados na carcaça. O grupo G4 apresentou a maior concentração de colesterol e não foram encontradas diferenças para os grupos controle, G2 e G3.

Foi avaliada ainda a composição das gorduras subcutânea, intermuscular e intramuscular. Os ácidos graxos presentes em maiores proporções foram o ácido palmítico, esteárico e oléico, correspondendo a 30, 20 e 35%, respectivamente. Entretanto, foram observadas grandes diferenças entre os três tipos de gordura.

A porção da gordura intermuscular apresentou a maior quantidade de ácidos graxos saturados, com proporções semelhantes de ácidos palmítico e esteárico. Por outro lado, a gordura intramuscular apresentou uma maior quantidade de ácidos graxos polinsaturados, principalmente ácido linoléico. A gordura subcutânea apresentou as maiores concentrações de ácidos graxos monoinsaturados.

Ainda, a porcentagem de ácidos graxos saturados diminuiu com o aumento do período de restrição alimentar dos animais. Estes ácidos diminuíram devido a um aumento proporcional na quantidade de ácidos graxos monoinsaturados, observado na gordura subcutânea e intermuscular, sem alteração na gordura intramuscular. Dessa forma, fica claro que houve interação entre o tempo de restrição alimentar dos bovinos e a composição da gordura.

Em relação à redução na taxa de crescimento de animais de dupla musculatura, esta pode ser benéfica em algumas condições, podendo observar-se desde um curto período de restrição para animais jovens até períodos mais longos em animais mais velhos, ainda que o rendimento da carcaça seja menor, devido ao aumento na proporção de gordura depositada.

Trabalhos mais recentes, como o de Vaz et al. (2004) avaliaram o efeito da restrição para novilhos Nelore. Os animais foram abatidos aos dois anos de idade, após serem alimentados em quatro grupos conforme o ganho de peso médio diário (GMD) antes e após os sete meses de idade, considerando ganho de 0,44 kg por dia, baixo, e acima deste valor, alto: alto-alto, baixo-baixo, alto-baixo, e baixo-alto. Os bovinos do grupo baixo-alto não diferiram no peso ao abate e peso de carcaça de novilhos com desempenho inverso.

Os pesos aos 12 e 18 meses de idade foram alterados pelo ganho de peso antes dos sete meses de idade, ao passo que os pesos de abate e de carcaça fria foram alterados pelo ganho de peso antes e após os sete meses. Os maiores ganhos de peso antes e após os sete meses de idade refletiram em um menor porcentual de traseiro especial na carcaça.

É importante considerar que em novilhos Nelore, o ganho de peso antes dos sete meses de idade possui importante efeito nas características de desenvolvimento ponderal, durante a recria e terminação e na deposição de gordura na carcaça.

O desempenho de novilhos Charolês, em tratamentos semelhantes ao estudo com bovinos Nelore, também foi estudado por Vaz et al. (2003). Os novilhos que apresentaram um ganho de peso diário baixo até os sete meses tiveram menores pesos e comprimento de carcaça. Em relação ao grau de acabamento os novilhos abatidos aos dois anos foram prejudicados quando o ganho de peso após os sete meses de idade foi inferior a 0,5 kg por dia, refletindo-se em maior porcentagem de dianteiro.

Além disso, novilhos Charolês que apresentaram um ganho de peso baixo, pré-desmame tiveram maior área do m. Longissimus dorsi (contra-filé) ajustada ao peso de carcaça, quando comparados à animais com alto ganho de peso até o desmame e ganho de peso baixo do desmame ao abate. Nesse sentido, novilhos que atingem altos ganhos de peso pré e pós-desmame apresentam maior produção total de músculo na carcaça.

Animais que apresentaram altos ganhos de peso desde o nascimento até o abate tiveram uma melhor relação músculo/osso e músculo + gordura/osso. Também, a porcentagem de gordura na carcaça foi maior em animais que apresentaram um baixo ganho de peso até o desmame e ganho de peso elevado após o desmame. Neste estudo, os novilhos Charolês, que tiveram baixos ganhos de peso pós-desmame tiveram uma coloração prejudicada da carne e uma diminuição da gordura intramuscular (marmorização) nos cortes cárneos quando avaliados.

Considerações finais

– É importante assegurar um crescimento mínimo aos animais, especialmente em bovinos jovens.

– Um tempo de restrição que corresponde ao período das secas, na maior parte do país, não prejudica as características da carcaça de animais que passaram por estas condições.

– Ainda que não se possa prever exatamente a composição do ganho de peso compensatório, a restrição alimentar pode fazer parte do sistema produtivo sem grandes prejuízos para a carcaça ou carne.

– Animais mais velhos também apresentam compensação. Porém, não produzirão boas carcaças ou cortes cárneos.

Referências bibliográficas

DROUILLARD, J.S. et al. Compensatory growth following metabolizable protein or energy restrictions in beef steers. Journal of Animal Science, v.69, p.811-818, 1991.

HORNICK, J. L. et al. Periods of feed restriction before compensatory growth in Belgian Blue bulls: I. Animal Performance, Nitrogen Balance, Meat Characteristics, and Fat Composition. Journal of Animal Science, v.76, p.249-259, 1998.

VAZ, F.N. et al. Ganho de peso antes e após os sete meses no desenvolvimento e características quantitativas da carcaça de novilhos Nelore abatidos aos dois anos. Revista Brasileira de Zootecnia, v.33, n.4, p.1029-1038, 2004.

VAZ, F.N.; Restle, J. Ganho de peso antes e após os sete meses no desenvolvimento e nas características de carcaça e carne de novilhos Charolês abatidos aos dois anos. Revista Brasileira de Zootecnia, v.32, n.3, p.699-708, 2003.

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1Angélica Simone Cravo Pereira, doutora USP-FZEA
2Gabriela Aferri, doutoranda USP-FZEA

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