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Falta de integração de bases de dados desafia fiscalização

A falta de integração entre as bases de dados e estatísticas do governo e a inexistência de uma coordenação geral dos mapas do território nacional têm contribuído para fragilizar o monitoramento de políticas públicas nos mais variados setores, e facilitado ações criminosas. 

O bate-cabeça de informações leva autoridades do alto escalão da República a divergirem de órgãos oficiais e agrava a guerra de narrativas em âmbito internacional, com as queimadas e os desmatamentos na Amazônia no centro do debate. Sem conseguir comprovar a legalidade da maioria e punir as “maçãs podres”, o Brasil continua no alvo de duras críticas internas e no exterior. 

Cruzamento de bases de dados é intenção antiga, mas patina no governo federal mesmo com os avanços tecnológicos.

Ex-presidente do IBGE e professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), Roberto Olinto defende a criação de uma autoridade nacional para integrar todas as informações produzidas e colocar em prática o Sistema Nacional de Informações Oficiais (SNIO) – hoje a cargo do IBGE, cuja autonomia é limitada na produção e na disseminação do conteúdo. 

Em recente evento virtual, Olinto disse, por exemplo, que as notas fiscais eletrônicas são uma “revolução para a produção de estatísticas”, mas que ainda não existe um modelo de acesso devido ao sigilo e à privacidade de alguns dados, assim como não há obrigatoriedade de fornecimento de informações nas infraestruturas nacionais de dados espaciais (INDE) e dados abertos (INDA) pelos agentes estaduais e municipais. 

A falta de compatibilidade entre os dados gerados por diversos órgãos e a privacidade de algumas informações são desafios que impedem avanços em propostas já implementadas em acordos costurados pelo Ministério Público Federal, como a integração do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e das Guias de Trânsito Animal (GTA), documento obrigatório emitido para o transporte de animais de uma fazenda para outra, identificando quantidade, origem e destino do gado. 

Além da necessidade de um cruzamento complexo, o modelo expõe dados pessoais e informações comerciais dos pecuaristas, protegidas por lei. A rastreabilidade completa das GTAs faz parte das iniciativas lançadas por frigoríficos para identificar os fornecedores indiretos e garantir, por exemplo, que a venda de bezerros e boi magros para o criador final que engorda e repassa ao abate também é livre de irregularidades.

Mas o cruzamento das várias bases de dados é uma intenção antiga e que ainda patina no governo, mesmo com os avanços tecnológicos. Para especialistas, falta vontade política para fazer acontecer. No ano passado, no auge das queimadas, o Ministério da Agricultura criou o Observatório da Agropecuária para reunir informações florestais e fundiárias. Sem avanços efetivos, porém, a celeuma se repetiu este ano. A falta de estrutura na União e nos Estados impede também a análise dos 6,5 milhões de imóveis registrados no CAR, que poderia ajudar a separar o joio do trigo, como reivindica o setor.

“As políticas agrícolas no país não trabalham de forma integrada”, afirmou Marcus Peixoto, consultor legislativo do Senado, durante o mesmo evento. De acordo com o especialista, programas de crédito, pesquisa, seguro e comercialização não andam necessariamente juntos, e as tomadas de decisão e a alocação de incentivos para a agropecuária deveriam analisar outras informações, como infraestrutura e demanda por alimentos, por exemplo.

“O Observatório da Agropecuária é uma excelente iniciativa, mas não está previsto em nenhum lugar, não tem amparo normativo necessário para se estabilizar como política de Estado e não de governo”, afirmou. 

“Os sistemas não se conversam e o problema se manifesta na formulação e acompanhamento de políticas públicas”, reforça Renata Passos, auditora do Tribunal de Contas da União (TCU) e mestre em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação. Muito além do agro, segundo ela, 80% das políticas públicas do país têm problema de gestão e 60% de monitoramento e avaliação pela inexistência de dados sistematizados na formulação. 

A lei atual, da década de 1960, não prevê o compartilhamento automático de dados entre os órgãos públicos, nem federais nem estaduais ou municipais, onde muitos dados têm que ser coletados. Um grupo de especialistas defende alterações na legislação tanto para viabilizar o cruzamento de dados na velocidade e necessidade do século XXI. “Hoje o IBGE tem autonomia limitada. Se ele quiser cruzar dados com o Banco Central, a Receita Federal, tem que fazer através de termos de cooperação técnica ou convênios”, afirmou o consultor Marcus Peixoto. 

O agropecuarista Pedro de Camargo Neto, ex-dirigente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), diz que o setor precisa de uma certificação oficial de legalidade garantida pelo governo, mesmo que forçada pela pressão externa, mas defende a legalização de toda a produção – com regularização fundiária e regulação interna – para não se dividir o mercado. “É como se o consumidor brasileiro pudesse consumir carne de áreas desmatadas ilegalmente e o estrangeiro, não. A tecnologia é disponível e poderosa. Não vejo, porém, decisão política de implantar com vigor”. 

Fonte: Valor Econômico.

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