EUA superam em US$ 60 bi teto definido para subsídio

O governo de Donald Trump ultrapassou em U$$ 60,4 bilhões o limite de subsídios que distorcem o comércio fornecidos aos produtores agrícolas americanos entre 2018 e 2020, segundo levantamento do Serviço de Pesquisa do Congresso dos EUA (CRS). Com isso, o republicano deixará a seu sucessor, o democrata Joe Biden, um cenário complicado, permeado por ameaças de denúncias na Organização Mundial do Comércio (OMC) caso outros exportadores agrícolas comprovem que sofreram prejuízo por causa das políticas de apoio de Washington.

O CRS, um órgão não partidário que fornece informações para comitês e membros do Congresso americano, realça que, segundo os compromissos assumidos na OMC, os EUA só podem conceder a seus produtores até US$ 19,1 bilhões por ano em subsídios capazes de distorcer o comércio. Mas o governo Trump, unilateralmente e ignorando as regras internacionais, superou os limites de ajuda “ad hoc” no triênio por diferentes razões, entre elas como forma de tentar compensar perdas no campo decorrentes das disputas comerciais entre os EUA e a China.

O comércio no período Trump foi de tal maneira conturbado que seu governo teve de conceder subsídios também por causa de retaliações de outros parceiros em 2018 e 2019. Neste ano, os subsídios continuaram aumentando, desta vez em virtude de medidas de socorro contra os estragos causados pela pandemia de covid-19. “Os subsídios americanos saíram da órbita, mas com os preços agrícolas atuais [elevados] é impossível comprovar danos [a outros exportadores]”, diz Pedro de Camargo Neto, ex-secretário do Ministério da Agricultura do Brasil e um dos maiores especialistas latino-americanos em comércio agrícola.

É verdade que diversos países aumentaram as subvenções aos agricultores no mesmo período. Muitos tinham espaço para isso, dentro dos limites autorizados no acordo agrícola da OMC – é o caso da União Europeia -, mas outros, como parece ser o caso do Japão, seguiram a trilha de Trump e também estouraram o orçamento. Washington não notificou a OMC sobre a ajuda liberada aos agricultores nos últimos três anos, nem indicou como vai classificar esses subsídios.

Segundo analistas do CRS, se os programas americanos que excederam os limites de subsídios forem temporários, uma eventual contestação na OMC poderá não resultar necessariamente na condenação de Washington. Mas os parceiros podem recorrer ao uso de mecanismos de defesa comercial. Se um país considerar que produtos agrícolas importados dos EUA são vendidos abaixo do custo, ou se beneficiam de subsídios ilegais, pode impor taxas anti-dumping ou anti-subsídios.

Os subsídios agrícolas nos Estados Unidos avançaram em 2020, antes da eleição presidencial, a ponto de alguns analistas falarem que Trump estava “comprando de votos” em Estados onde a disputa com Biden estava mais acirrada, como Minnesota e Wisconsin, onde o presidente perdeu, e Iowa e Ohio, onde ele saiu vitorioso.

Só em 2020, o total de pagamentos federais a produtores rurais deverá somar US$ 51,2 bilhões. Assim, a ajuda do governo representará 40% da renda total dos agricultores do país, ante 21% há quatro anos. O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) projeta um aumento da renda líquida dos produtores americanos de 4% este ano em relação a 2019. Sem os subsídios, haveria declínio.

Mas, conforme o American Farm Bureau, ainda assim a situação do setor é complicada. A entidade estima que o endividamento dos agricultores dos EUA poderá alcançar US$ 434 bilhões em 2020, e dados indicam que as falências aumentaram em diversos Estados.

Além de contarem com mais subsídios, durante a gestão Trump os produtores americanos também se beneficiaram de regras mais leves sobre qualidade da água, colheitas geneticamente modificadas e emissões de gases de efeito estufa. Agora, a eleição de Biden gera incertezas. Já se sabe, por exemplo, que uma das prioridades do democrata será o combate a mudanças climáticas, e isso significa regras ambientais mais estritas. Vários programas federais deverão vincular ajudas aos agricultores a boas práticas ambientais.

Em contrapartida, espera-se que o governo Biden seja bem menos belicoso no campo comercial e tente estabilizar as relações com parceiros importantes como a China.

Fonte: Valor Econômico.