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Estudo científico que guia as recomendações dietéticas dos Estados Unidos é mesmo científico? – por Nina Teicholz – Parte 2/2

Dietas recomendadas

Outra clara medida em direção a uma abordagem baseada no consumo de vegetais no relatório é a introdução de uma “dieta saudável vegetariana” como uma das três dietas recomendadas (as outras são: “dieta saudável estilo Mediterrânea” e “dieta saudável estilo Estados Unidos”). Uma revisão na Nutrition Evidence Library (NEL) da dieta vegetariana saudável existe, mas conclui que as evidências do poder de combater doenças dessa dieta são apenas “limitadas”, que é a menor classificação para os dados disponíveis. Além disso, apesar de a NEL ter conduzido oito revisões sobre frutas e vegetais, nenhuma encontrou fortes evidências que apoiem a afirmação de que esses alimentos podem fornecer benefícios para a saúde.

Em geral, a qualidade das evidências que apoiam as três dietas recomendadas no relatório é limitada. O comitê pode encontrar somente evidências “limitadas” a “não atribuídas” para mostrar que suas dietas protegem contra osteoporose, anormalidades congênitas ou doenças neurológicas ou psicológicas. A revisão da NEL podem encontrar somente evidências “limitadas” ou “insuficientes” de que as dietas podem combater a diabetes. Em uma medida altamente não ortodoxa, o comitê de diretrizes negou as revisões sistemáticas da NEL sobre esse assunto e decidiu aumentar a classificação para “moderado”, baseado em sua opinião de que um trabalho de revisão sobre dados observacionais, que mostraram resultados positivos, era particularmente forte.

E as dietas recomendadas são melhores do que outras dietas para ajudar as pessoas a perder peso? Sobre essa questão, o relatório classificou a evidência como moderada, ainda que o suporte a essa afirmação esteja presente somente em um único estudo clínico com 180 pessoas com síndrome metabólica, que descobriu que a dieta Mediterrânea produzia mais perda de peso do que uma dieta com pouca gordura. Um estudo controlado aleatório listrado pela revisão não testou de fato a perda de peso, somente a capacidade de aderir à dieta, que, apesar de importante, é somente relevante se a dieta funciona. Três estudos e uma revisão concluíram que, comparado com outras dietas, aquelas recomendadas pelo guia dietético ofereciam melhores vantagens marginais no combate à obesidade (menos de uma libra ou 0,45 quilos durante os períodos estudados durante até sete anos).

O relatório também deu um forte peso à evidência de que suas dietas recomendadas podem combater doenças cardíacas. Novamente, vários estudos foram apresentados, mas nenhum suporta de forma não ambígua essa afirmação. Oito estudo revisados pela NEL para apoiar essa afirmação incluem um estudo que não deveria ter sido incluído, porque não tem um grupo controle; três não mostraram efeitos benéficos sobre a saúde cardiovascular além de melhorar a pressão sanguínea (e estudaram populações hipertensivas); outro, também com pessoas hipertensivas, mostrou que a dieta recomendada tinha resultados cardiovasculares piores do que outras opções que eram mais ricas em gordura monoinsaturada ou proteína; um mostrou resultados mistos sobre os fatores de riscos cardiovasculares (apesar da queda no colesterol de baixa densidade, assim como no colesterol de alta densidade, considerado “bom”); e o maior estudo concluiu que a dieta não era eficaz para reduzir os riscos cardiovasculares. O comitê também citou outra revisão, mas essa examina estudos já cobertos pela revisão da NEL, de forma que eles foram incluídos novamente para dobrar sua contagem. O comitê revisou outros estudos mais recentes, mas não usou métodos sistemáticos ou pré-definidos.

Em conclusão, as dietas recomendadas são apoiadas por uma quantidade minúscula de evidências rigorosas que apoiam somente marginalmente a afirmação de que essas dietas podem promover saúde melhor do que as alternativas. Além disso, as revisões da NEl sobre as dietas recomendadas desconsideram ou omitem dados importantes. Há pelo menos três estudos financiados pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos com cerca de 50.000 pessoas mostrando que uma dieta com baixo teor de gordura e gordura saturada é ineficaz no combate a doenças cardíacas, obesidade, diabetes ou câncer. Dois desses estudos foram omitidos na revisão da NEL. O terceiro foi incluído, mas seus resultados foram ignorados. Isso é particularmente impressionante, porque esse estudo, o Women’s Health Initiative (WHI) foi o maior estudo de nutrição da história. Quase 49.000 mulheres seguiram uma dieta pobre em gordura e rica em frutas, vegetas e grãos por uma média de sete anos e, no final, o que os pesquisadores descobriram foi que não havia vantagem significativa dessa dieta para a perda de peso, diabetes, doenças cardíacas ou câncer de nenhum tipo. Os críticos desconsideraram esse estudo por várias razões, incluindo o fato de que o consumo de gordura não diferiu o suficiente de forma significativa entre os grupos de intervenção e controle, mas a porcentagem de calorias vindas da gordura e da gordura saturada foi mais de 25% menor no grupo de intervenção que no grupo controle (26,7% versus 36,2% para gordura total e 8,8% versus 12,1% para gorduras saturadas). As descobertas do WHI foram confirmadas por outros estudos e são, dessa forma, difíceis de serem desconsideradas. Quando essas descobertas omitidas desses três estudos clínicos são fatoradas na revisão, a preponderância de evidências rigorosas não suportam nenhuma das afirmações do comitê dietético para suas dietas recomendadas.

Uma área final examinada pelo The BMJ é onde o relatório oferece aconselhamento que contradiz seus dados sobre sódio. O comitê disse que esse “concorda” com um relatório recente do Instituto de Medicina, que afirma que as evidências são “inconsistentes e insuficientes para concluir que reduzir a ingestão de sódio para menos de 2.300 mg/dia terá qualquer efeito nos riscos cardiovasculares ou na mortalidade geral”. No entanto, o relatório recomenda que o consumo de sódio seja de “menos de 2.300 mg/dia” e encoraja a opção de alimentos com baixo teor de sal sem reserva.

Questões sobre inclinações

A falta total de base científica e métodos apropriados no relatório de 2015 pode ser vista como uma relutância a abandonar as recomendações dietéticas existentes. Muitos especialistas, instituições e indústrias têm interesse em manter o status quo do aconselhamento e esses interesses criam inclinações a seu favor. Ao abandonar os métodos de revisão da NEL, como o comitê de 2015 fez, abriu a porta não somente para inclinações tendenciosas, mas também, para a influência de agendas de fora e interesses comerciais, e tudo isso pode ser observado no relatório.

Por exemplo, uma tendência em direção à visão antiga de que as gorduras saturadas são prejudiciais pode ser vista na designação do relatório sobre elas, junto com a designação sobre açúcar, como uma nova categoria chamada de “calorias vazias”. O relatório menciona repetidamente a necessidade de reduzir o “açúcar e as gorduras sólidas” porque “ambos fornecem calorias, mas pouco ou nenhum nutriente”. Esse emparelhamento não é apoiado pela ciência da nutrição. Diferentemente do açúcar, as gorduras saturadas são principalmente consumidas como parte inerente dos alimentos como ovos, carnes e lácteos, que, juntos, contêm quase todas as vitaminas e minerais necessários para uma boa saúde.

Não seguir os métodos da NEL também permitiu que agendas externas entrassem no relatório, mais claramente na forma de novas considerações para sustentabilidade ambiental. Apesar de, conforme afirma o relatório, os efeitos ambientais da produção de alimentos e bebidas serem consideráveis, eles estão fora do papel formal do comitê de fornecer ao governo federal “evidências científicas atuais sobre questões relacionadas a dieta, nutrição e saúde”. Em um novo desenvolvimento para 2015, o USDA contratou um analista de política alimentícia focado em questões ambientais para avaliar o trabalho do comitê do guia, refletindo uma nova agenda no processo.

Muito foi escrito sobre como as indústrias tentam influenciar a política de nutrição, de forma que é surpreendente que diferentemente dos autores na maioria dos jornais médicos, os membros do comitê do guia dietético não tenham sido requeridos a listar seus potenciais conflitos de interesse. Uma investigação superficial mostra vários desses conflitos possíveis: um membro recebeu financiamento de pesquisa da Comissão de Nozes, bem como de gigantes do setor de óleos vegetais, como Bunge e Unilever. Outro recebeu mais de US$ 10.000 do Lluminari, que produz conteúdo multimídia relacionado à saúde para a General Mills, PepsiCo, Stonyfield Farm, Newman’s Own, e “outras companhias”. E pela primeira vez, a presidência do comitê não vem de uma universidade, mas da indústria: Barbara Millen é presidente da Millennium Prevention, companhia de Westeood, MA, que vende plataformas para internet e aplicativos de celular para monitoramento da saúde. Embora não haja evidências de que esses potenciais conflitos de interesse influenciaram os membros do comitê, o relatório recomenda um alto consumo de óleos vegetais e nozes, bem como o uso de tecnologias para auto-monitoramento em programas para controle de peso.

Além disso, é importante notar que no campo onde os dólares para pesquisa pública são escassos, quase todos os pesquisadores de nutrição aceitam financiamento da indústria. De longe, a maior influência provavelmente será a inclinação em favor de hipóteses institucionalizadas, bem como tendências de “chapéu branco” para distorcer informações para o que é percebido como fins justos.

O relatório é altamente confiante de que suas descobertas são apoiadas por boa ciência, afirmando que “as evidências de base nunca foram mais fortes para guiar soluções”. Millen disse ao The BMJ, “você simplesmente não responde a essas questões com base na NEL. Onde não sentimos que precisávamos, não fizemos isso. Em questões onde existiam diretrizes amplas, não dizemos isso. Usamos esses recursos e esse tempo para cobrir outras questões. A noção que todas as questões que exploramos deveriam estar na NEL é falha”. Ela disse que “iria até o fim” para defender a abordagem do comitê. “É por isso que você tem um comitê de especialistas, para trazer expertise”, incluindo “nossas próprias análises originais”.

“Essas pessoas sabem como fazer esse trabalho. As pessoas que criticam isso estão vindo de um ponto de vista que não gostam de responder. Eles não gostam do fato de que estudos aleatórios controlados testando esses padrões dietéticos são bem sucedidos. Acho que vocês têm que ler o relatório. A NEL nos ajudou a fazer buscas para fazer a atualização da literatura. Se isso não satisfaz você, isso é tudo o que posso dizer. Está bem indicado e foi revisado por dúzias de pessoas”.

Sobre gorduras saturadas, especialmente, ela disse, “Achamos que conseguimos”. Millen disse que o trabalho de seu comitê não foi totalmente sem metodologia, mas que “trabalhou com a NEL e com a assistência do USDA para identificar literatura de pesquisa”. Ela disse que “ficou claro que as gorduras poli-insaturadas reduzem o risco de doenças cardíacas e a mortalidade, ainda que as “evidências não sejam tão claras sobre se a substituição da gordura saturada com gordura monoinsaturada ou carboidratos reduz o risco de doenças cardiovasculares e provavelmente depende do tipo e da fonte”.

Sobre as dietas com baixos carboidratos, ela disse que “não há evidências substanciais” a serem consideradas. “Muitas dietas populares não têm evidências, mas podem levar à saúde? À resposta é sim”.

Com relação aos conflitos de interesse do comitê, ela disse que os membros foram controlados pelo conselho do governo federal. Ela não revelou os detalhes das atividades de sua companhia.

Ainda, considerando a crescente taxa de obesidade, diabetes e doenças cardíacas e a falha de estratégias existentes no combate eficiente dessas doenças, há uma necessidade urgente de fornecer aconselhamento nutricional baseado em ciência. Pode estar na hora de pedir que nossas autoridades reúnam um painel de cientistas não tendenciosos e equilibrados, para realizar uma revisão ampla, visando garantir a seleção de um comitê de guia dietético que se torne mais transparente, com melhor divulgação de conflitos de interesse e que mais evidências científicas mais rigorosas e confiáveis sejam usadas para produzir a melhor política de nutrição possível.

O que você precisa saber

O último guia dietético para Americanos está iminente e afetará a dieta de dezenas de milhões de cidadãos, bem como a rotulagem de alimentos, a educação e as prioridades de pesquisa. No passado, a maioria das nações ocidentais adotou aconselhamento dietético similar. O comitê científico que aconselhou o governo dos Estados Unidos não usou métodos padrões para a maioria de suas análises e, ao invés disso, dependeu muito de revisões sistemáticas de organizações profissionais, como Associação Americana do Coração e Faculdade Americana de Cardiologia, que são bastante suportados por companhias de alimentos e medicamentos. Os membros do comitê, que não foram requeridos a listar seus potenciais conflitos de interesse, também conduziram revisões ad hoc da literatura, sem definir critérios de identificação ou avaliação dos estudos.

Nesse ano, em seu relatório ao governo, o comitê em grande medida manteve o mesmo aconselhamento que vem dando há décadas – comer menos gordura e menos produtos de origem animal e comer mais alimentos vegetais para a boa saúde. Porém, essa decisão de manter o status quo falha em refletir grande parte da ciência atual e relevante. Exceções incluem a proposta para limitar o consumo de açúcar.

O comitê recomenda três dietas para promover uma saúde melhor, novamente sem o acompanhamento de evidências rigorosas.

Clique aqui para acessar o artigo original (em inglês), com todas as referências bibliográficas usadas como base.

Acesse a parte 1 do artigo: Recomendações para redução no consumo de carnes vermelhas e gorduras do guia dietético americano têm base científica? – por Nina Teicholz – Parte 1/2

Por Nina Teicholz, autora do livro “The Big Fat Surprise: Why Butter, Meat and Cheese Belong in a Healthy Diet”.

Fonte: TheBMJ, traduzida e adaptada pela Equipe BeefPoint.

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