Fechamento 11:59 – 10/01/02
10 de janeiro de 2002
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14 de janeiro de 2002

Estratégias Antiluteolíticas para a Melhora da Sobrevivência Embrionária em Bovinos – Parte 1/ 3

Nesta série de três radares exploraremos as causas e possíveis soluções para um dos problemas que mais afeta a taxa de prenhez em bovinos: a mortalidade embrionária associada ao início da prenhez, mais especificamente ao “período crítico”. Neste radar revisaremos conceitos relacionados ao ciclo estral, mecanismos luteolíticos e antiluteolíticos. Nos próximos dois radares veremos como os conceitos aqui introduzidos têm sido usados para diminuir a mortalidade embrionária associada ao período crítico.

Ciclo estral e o “período crítico”

O período entre dois estros consecutivos é denominado como um ciclo estral, que tem intervalo médio de 21 dias em vacas. Durante um ciclo estral há normalmente a emergência de duas ou três ondas de crescimento folicular. Cada onda é caracterizada pelas fases de recrutamento, seleção, dominância e atresia. O folículo dominante da última onda escapa à atresia e secreta quantidades crescentes de estradiol (E2). O E2 induz mudanças de comportamento associadas ao estro e induz o pico de hormônio luteinizante (LH) resultando na ovulação. O folículo ovulado sofre mudanças funcionais e estruturais para dar origem ao corpo lúteo (CL). O CL desenvolve-se rapidamente, secretando quantidades crescentes de progesterona (P4) e atinge seu tamanho máximo aproximadamente no dia 10 do ciclo. Por volta do dia 16 o processo de luteólise causa a regressão do CL e consequente queda das concentrações plasmáticas de P4. Enquanto a atresia de folículos dominantes ocorre na presença de concentrações elevadas de P4, típicas do meio do ciclo, a diferenciação e o crescimento final do folículo ovulatório ocorre, após a luteólise, sob baixas concentrações de P4. Se não houver fertilização do ovócito ovulado, o ciclo se repetirá. Caso haja fertilização do ovócito, o processo luteolítico deverá ser bloqueado. A presença de um CL funcional que garanta concentrações elevadas de P4 na circulação é requerida para a manutenção da prenhez. Por exemplo, Mann e outros (1995) examinaram as concentrações plasmáticas diárias de P4 em vacas leiteiras, por 30 dias após a inseminação artificial. Foi constatado que as vacas inseminadas e prenhes apresentaram níveis de P4 mais elevados que vacas inseminadas e não-prenhes. A capacidade de produção de P4 é função do tamanho do CL, que por sua vez está relacionada positivamente ao tamanho do folículo dominante ovulatório e à amplitude e duração do pico de LH que deram origem ao CL.

Pode-se definir um “período crítico” no ciclo reprodutivo das vacas, entre os dias 15 e 17 do ciclo estral. Nesse período, a vaca deve ajustar sua fisiologia apropriadamente, dependendo de se estiver vazia ou prenhe. A mudança do estado cíclico para o estado prenhe depende de um mecanismo efetivo de bloqueio da luteólise. O bloqueio da luteólise, e consequentemente a prenhez, só se estabelecerá se o concepto for competente para enviar os sinais antiluteolíticos apropriados e o endométrio tiver a capacidade de responder a tais sinais, bloqueando a produção de prostaglandina-F2a(PGF). Tal comunicação entre as unidades do concepto e maternal frequentemente não são bem sucedidas, resultando na ocorrência da luteólise e consequente mortalidade embrionária. De fato, a ocorrência de mortalidade embrionária entre os dias 8 e 16 de prenhez chega a 30% (Diskin e Sreenan, 1980).

Mecanismos luteolíticos

Durante o período de luteólise, o endométrio emite secreções pulsáteis de PGF que provocam a regressão de CL. Nos animais ovinos, um mecanismo de feedback positivo estimula a secreção pulsátil de PGF, com a ocitocina desempenhando um papel central nesse processo (McCracken et al., 1984). A ocitocina proveniente da neuro-hipófise estimula a secreção de PGF do endométrio. A PGF estimula a secreção de ocitocina do CL, e a ocitocina luteínica estimula ainda mais a produção de PGF do útero, caracterizando o sistema de feedback positivo. Nesse modelo, a luteólise tem início como resultado da elevação e ativação de receptores de E2, que induzem um aumento no número de receptores de ocitocina no endométrio, deflagrando o mecanismo de feedback descrito acima. Os pulsos de PGF coincidem em 96% com os pulsos de ocitocina (Hooper et al., 1986).

Até recentemente, presumia-se que um mecanismo luteolítico idêntico ao descrito para os ovinos era válido para os bovinos. Contudo, Kotwica e colaboradores (1997) demonstraram que o bloqueio dos receptores de ocitocina através de um antagonista específico (CAP-527) não impedia a ocorrência de secreção pulsátil de PGF, nem da luteólise, comparando-se com os animais controle. Além disso, a duração do ciclo estral dos animais tratados com CAP-527 e dos animais controle era semelhante. Acrescente-se que, em um outro estudo, Kotwica et al. (não publicado) demonstram que durante a luteólise espontânea em bovinos somente 54% dos pulsos de PGF estavam associadas a pulsações de ocitocina, enquanto 50% das pulsações de ocitocina estavam associadas a pulsos de 15-ceto-13,14 diidro PGF (PGFM, um metabólito de PGF mais facilmente mensurável na circulação). Coletivamente, esses dados indicam que, pelo menos nos bovinos, a ocitocina pode não ser determinante para a luteólise. Em contrapartida, uma série de evidências indicam que o E2 pode ter um papel central no mecanismo luteolítico. Por exemplo, a irradiação dos folículos ovarianos, que elimina de forma reversível a produção de E2 folicular, retarda a luteólise e prolonga o ciclo estral (Hughes et al., 1987). Em novilhas, Thatcher e colaboradores (1986) demonstraram que injeções de E2 no 13o dia do ciclo estral estimulavam a liberação de PGFM, a partir de 3 horas após aplicada a injeção, atingindo-se o pico após 6 horas e retomando-se os níveis basais após cerca de 10 horas. Além disso, as novilhas injetadas com E2 entravam em processo de luteólise 96 horas após as injeções, enquanto a luteólise demorava 125 horas para ocorrer nas novilhas do grupo controle. Confirmando que os aumentos de PGFM verificados na circulação periférica representam PGF de origem uterina, Knickerbocker e outros (1986) constataram uma aguda elevação de PGF na veia uterina de vacas que haviam recebido E2. Coletivamente, essas constatações indicam que tanto E2 endógeno quanto exógeno podem estimular a secreção de PGF e provocar a luteólise. O mecanismo de ação do E2 tem sido alvo de intensos estudos em nosso laboratório, mas ainda não foi elucidado.

A síntese de PGF é o resultado final de uma complexa cascata de ocorrências intracelulares altamente coordenadas. Essa cascata envolve a ativação seqüencial da proteína acopladora do GTP, da fosfolipase-C (PLC), da proteína quinase-C (PKC), da fosfolipase-A2 (PLA2) e da ciclooxigenase-2 (COX-2). A COX-2 converte o ácido araquidônico em prostaglandina-H2, que é, a seguir, convertida em PGF (esse mecanismo é descrito por Burns et al., 1997).

Mecanismos antiluteolíticos

Para que a prenhez se mantenha, é necessário que o útero permaneça em estado progestacional, o que requer a secreção continua de P4. Com essa finalidade, o concepto em desenvolvimento precisa alterar a fisiologia uterina, de forma a suprimir a produção de PGF e inibir os mecanismos luteolíticos. Arnold e outros (2000) demonstraram que o endométrio de vacas prenhes respondia menos a estimuladores da síntese de PGF, quando comparados ao endométrio de vacas ciclando. Além disso, vacas prenhes secretavam muito menos PGF em resposta a uma injeção de E2, em comparação a vacas ciclando (Knickerbocker et al., 1986).

A supressão da síntese de PGF pelo embrião se dá através de interações bioquímicas parácrinas, entre as células trofoblásticas do concepto e as células epiteliais do endométrio materno. Assim, para bloquear efetivamente o processo luteolítico, o concepto deve ter-se elongado suficientemente para ocupar a maior parte do lúmen do corno uterino ipsolateral ao CL. Ou seja, embriões subdesenvolvidos e portanto não elongados suficientemente serão menos capazes de bloquear a luteólise e consequentemente poderão ser mais facilmente absorvidos. Um elemento-chave no processo anti-luteolítico é o interferon-tau (IFN) secretado paracrinamente pelo concepto. Estudos in vivo demonstraram que infusões de IFN no útero prolongavam o ciclo estral (Meyer et al., 1995), e diminuíam sensivelmente a secreção de PGF em resposta a uma injeção de ocitocina, comparada ao grupo controle. Além disso, infusões uterinas de IFN in vivo diminuíam a síntese de PGF, comparando-se a vacas que haviam recebido infusões de placebo (Arnold et al., 2000).

O ambiente uterino devidamente preparado pela P4 fornece as condições mais favoráveis para o desenvolvimento do concepto. Mann e outros (1996; 1998) recuperaram embriões 16 dias após a inseminação e os classificaram como embriões bem ou mal desenvolvidos. A análise das concentrações plasmáticas de P4 das vacas demonstrou que tanto a demora na elevação das concentrações como baixas concentrações durante a fase luteínica estavam relacionadas com a presença de embriões mal desenvolvidos. Tal informação indica que animais contendo um CL com capacidade de manter altas concentrações de P4 favorecerão um melhor desenvolvimento do concepto. Tais conceptos serão mais capazes de bloquear a luteólise. De fato, Geisert e outros (1988) já haviam demonstrado que suplementação da P4 endógena aumentou a taxa de crescimento embrionário e consequentemente sua capacidade de produzir IFN.

Hipoteticamente, o IFN poderia inibir a produção de PGF através da diminuição da síntese ou da atividade enzimática de proteínas envolvidas na produção de PGF, como por exemplo a COX-2.

Thatcher e outros (1994) constataram que microssomos obtidos do endométrio de vacas prenhes continham uma maior atividade inibidora da conversão de ácido araquidônico para PGF (i.e., atividade da COX-2) que microssomos oriundos de vacas cíclicas. A atividade inibidora da COX-2 foi isolada e identificada como sendo o ácido linolêico. Ou seja, uma mudança no “pool” de lipídios uterinos durante a prenhez pode diminuir a capacidade do endométrio de sintetizar PGF.

Contudo, um apanhado dos experimentos in vivo revelou que cerca de 25% das vacas tratadas com IFN in vivo não tiveram a duração do seu ciclo estral aumentado, sugerindo uma incapacidade em responder ao seu estímulo anti-luteolítico.

Em sumário, perdas embrionárias associadas ao período crítico podem ser decorrentes de: (1) problemas com a unidade maternal, que é incapaz de propiciar um ambiente uterino adequado ao desenvolvimento do concepto ou é incapaz de responder aos sinais anti-luteolíticos enviados pelo concepto ou (2) problemas com o concepto, que não consegue efetivamente bloquear o processo de luteólise. Como veremos nos próximos radares as informações acima foram utilizadas para a elaboração de estratégias antiluteolíticas visando um aumento nas taxa de prenhez de vacas.

Lista de referencias

Arnold DA, Binelli M, Vonk J, Alexenco AP, Drost M, Thatcher WW. 2000. Intracellular regulation of endometrial PGF2aproduction in dairy cows during early pregnancy and following treatment with recombinant interferon-tau. (Domest Anim Endocrinol 18:199-216.

Burns PD, Graf GA, Hayes SH and Silvia WJ. 1997. Cellular mechanisms by which oxytocin stimulate uterine PGF2a alpha synthesis in bovine endometrium: roles of phospholipases C and A2. Domest Anim Endocrinol 14(3): 181-191.

Diskin MG, Sreenan JM. 1980. Fertilization and embryonic mortality rates in beef heifers after artificial insemination. J Reprod Fertil 59: 463-468.

Geisert RD, Zavy MT, Biggers BG, Garret JE, Wettemann RP. 1988. Characterization of the uterine environment during early conceptus expansion in the bovine. Anim Reprod Sci 16:11-25.

Hooper SB, Watkins WB, Thorburn GD. 1986. Oxytocin, oxytocin-associated neurophysin and prostaglandin F2a concentrations in the utero-ovarian vein of pregnant and non-pregnant sheep. Endocrinology 119:2590-2597.

Hughes TL, Villa-Godoy A, Kesner, JS, Fogwell, RL. 1987. Destruction of bovine ovarian follicles: effects on the pulsatile release of luteinizing hormone and prostaglandin F2a-induced luteal regression. Biol Reprod 36:523-529.

Knickerbocker JJ, Thatcher WW, Foster DB, Wolfenson D, Bartol FF, Caton D. 1986. Uterine prostaglandin and blood flow responses to estradiol-17 in cyclic cattle. Prostaglandins 31(4):757-776.

Kotwica J, Skarzynski D, Bogacki M, Melin P, Starostka B. 1997. The use of an oxytocin antagonist to study the function of ovarian oxytocin during luteolysis in cattle. Theriogenology 48:1287-1299.

Kotwica J, Scarzynski D, Jaroszewski J, Williams GL, Bogacki M. 2000. Uterine secretion of prostaglandin F2a stimulated by different doses of oxytocin and released spontaneously during luteolysis in cattle. Não publicado.

Mann GE, Lamming GE, Fisher PA. 1998. Progesterone control of interferon- production during early pregnancy in the cow. J Reprod Fertil Abstract Series 21: (abstract 37).

Mann GE, Lamming GE, Fray MD. 1995. Plasma oestradiol during early pregnancy in the cow and the effects of treatment with buserelin. Anim Reprod Sci 37: 121-131.

Mann GE, Mann SJ, Lamming GE. 1996. The inter-relationship between the maternal hormone environment and the embryo during the early stages of pregnancy. J Reprod Fertil Abstract Series 17: (abstract 55).

McCracken JA, Schramm W, Okulicz WC. 1984. Hormone receptor control of pulsatile secretion of PGF2a from ovine uterus during luteolysis and its abrogation in early pregnancy. Anim Reprod Sci 7:31-55.

Meyer MD, Hansen PJ, Thatcher WW, Drost M, Badinga L, Roberts RM, Li J, Ott TL, Bazer FW. 1995. Extension of corpus luteum lifespan and reduction of uterine of prostaglandin F2a of cows in response to recombinant interferon-. J Dairy Sci 78:1921-1931.

Thatcher WW, Staples CR, Danet-Desnoyers G, Oldick B, Schmitt E J-P. 1994. Embryo health and mortality in sheep and cattle. J Anim Sci 72 (suppl. 3):16-30.

Thatcher WW, Terqui M, Thimonier J, Mauleon P. 1986. Effects of estradiol-17 on peripheral plasma concentration of 15-keto-13, 14-dihydro PGF2a and luteolysis in cyclic cattle. Prostaglandins 31: 745-756.

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